O rio depois da queda

Sci-Fi
Começou, agora termina queride!

Conquista Literária
Conto publicado em
ACID NEON: Narrativas de um futuro próximo vol. 02

Prólogo

Epílogo

Conto

Áudio drama
O rio depois da queda
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“Acessar estudos de formação, curso de História, aula

21 de 42. Você tem duas provas agendadas para daqui a quinze

minutos, gostaria de começar agora?”, as letras flutuam no

ar. Dois botões estão suspensos abaixo: Sim e Não.

A única figura no ambiente criado para reproduzir

uma sala de aula balança afirmativamente a cabeça, o botão

“Sim” brilha momentaneamente para assinalar a opção escolhida.

O avatar da garota é uma versão customizada de Frida

Kahlo, a roupa preta com abacaxis amarelos em uma animação

esvoaçante, uma grande flor enfeitando o cabelo, o avatar

tem um cheiro de folhas úmidas. Uma das carteiras tem

seu nome gravado e algumas ferramentas com a forma de

materiais escolares estão sobre a mesinha. Ela fica em pé ao

lado da sua carteira escolar, que está programada para iniciar

o teste quando se sentar; nesse momento as questões serão

disponibilizadas e o acesso restringido ao ambiente virtual

da sala; assim os alunos são forçados a ficarem sentados focados

nas questões e evita que trapaceiem consultando outras

fontes. Ela tinha aprendido a burlar o programa quando

tinha sete anos.

Duas páginas flutuam agora, uma tem por cabeçalho

“O fim da democracia, início de uma nova era magnífica” e a

outra “Cidadania virtual”, ela pondera sobre qual prova fazer

primeiro. Olhando para a folha marcada “Cidadania virtual”,

ela pensa em começar com algo que a divertisse. As perguntas

passam flutuando em letras azuis a sua frente. A cada cinco

segundos uma propaganda subliminar aparece por alguns

milésimos, dizendo o que comprar, consumir ou vestir para

ser uma pessoa melhor e patrocinar as empresas. Ela também

tinha hackeado as propagandas, agora fotos de gatinhos

passavam a cada intervalo. Era uma dessas tendências vintage

da matrix, aparentemente há muito tempo havia uma

database virtual de imagens de gatos chamada internet. Até

onde ela sabe os gatos estão extintos.

Questão número um: verdadeiro ou falso.

Ela lê as questões e já assinala a sua resposta com um

aceno afirmativo ou negativo de cabeça, a prova é bem simples.

“O equipamento mínimo para acessar a matrix é um

deck, um cadastro virtual e um acesso.”

Pergunta mal formulada. Não é necessário ter um

deck, muitos usuários acessam com caixas cibernéticas feitas

em casa, são os chamados toastusers porque o equipamento

deles parece uma mistura de torradeira e deck. Eles se organizam

em grupos e gostam de se gabar de acessar a rede sem

passar por empresas. O questionário é patrocinado por uma

empresa que produz decks, então a resposta que eles esperam

é que sim, todos tem que comprar um deck, se registrar

e pagar uma assinatura para uma das empresas. Ela balança a

cabeça afirmativamente.

“Avatares são personalidades artificialmente construídas

que servem de meio para a interface com redes digitais.”

Muito fácil. Avatares são feitos baseados em figuras

míticas, ícones culturais, deidades ou personagens de

desenhos, filmes, séries e livros. A interface requer que os

usuários acreditem nos avatares para ter uma experiência

imersiva, se o usuário e o avatar entrarem em dessincronia a

conexão é rompida. Portanto avatares precisam ser criados

com base no mínimo de conhecimento comum. Quanto melhor

o usuário conhece o avatar, melhor ele consegue usá-

-lo. Esse parâmetro de programação é chamado de “Fides”,

por algum motivo. Programadores adoram fazer referências

obscuras. Quanto maior a “Fides” com o avatar, melhor a interação

com ele.

Avatares funcionam como um filtro, deixando que os

usuários consigam usar a matrix com certa segurança para os

corpos reais, ninguém quer um meatware torrado. Ela ri ao

pensar na palavra “real”. Realidade artificial é tão real quanto

o mundo lá fora. Através de conectores na base do cérebro

as informações e sensações são jogadas diretamente no cérebro.

Então qual a diferença? O mundo real e a realidade

artificial são igualmente parte alucinação sensorial, parte

fantasia coletiva. Ela nota que estava em uma demorada

digressão. Melhor terminar logo com isso, pensa enquanto

balança a cabeça afirmativamente.

“É possível acessar a matrix sem avatar.”

Uma pegadinha. Os primeiros usuários entravam na

matrix diretamente, os avatares de então sendo representações

de suas próprias psiquês. Isso era chamado de skindip.

Mas logo foi proibido quando os danos psíquicos foram notados.

A mente humana não tinha capacidade para lidar com

o fluxo de informações. As barreiras entre matrix e mundo

ficavam perigosamente indistintas. Os usuários desenvolviam

distúrbios graves, muitos cometeram suicídio, alguns

passaram a exibir comportamento agressivo. Um número de

usuários, acreditando que a matrix era uma existência superior,

buscou apagar seus meatwares em clubes de suicídio,

as bombas que eles deixavam para trás quando entravam na

matrix causaram um estrago considerável nos grandes centros

urbanos.

Os avatares serviam para delimitar o uso da matrix,

por um lado filtrando a reação dos usuários na rede; isto é;

um usuário só consegue interagir através das ações que os

avatares lhe permitem. E pelo outro lado, impedindo que

todas as informações sejam enviadas diretamente para o cérebro.

Ela olha para as próprias mãos, as mãos de Frida, não

de Natali. O que quer que acontecesse online, aconteceria

com Frida. Era como vestir uma personalidade por cima da

própria ao acessar e despir essa personalidade ao sair. Talvez

alguns dos protocolos de segurança atuais impedissem

o acesso sem um avatar. Nova digressão, ela não sabia o que

estava acontecendo com ela, desperdiçando tempo dessa maneira.

Talvez seja nervosismo porque amanhã é um grande

dia. Ela balança a cabeça negativamente, com um notado ar

de irritação enquanto cruza os braços.

“Avatares Personisoft são os melhores, verdadeiro ou

falso”.

Uma propaganda disfarçada de questão, essas eram

bem difíceis de eliminar. Ainda bem que o ambiente da escola

não tinha muitas dessas. Erguendo uma das mãos, dispensa

o anúncio com um gesto. O sistema pára por um momento,

calculando sua nota.

“Nota máxima, parabéns!” surge brilhando à sua

frente. Uma salva de aplausos ecoa pela sala. Frida ergue a

sobrancelha, expressando o desprezo dela pelo design brega

do programa da escola. Em outras carteiras os seus colegas

ainda resolviam as questões da avaliação. O ar da sala tinha

um cheiro estéril de limpeza, as paredes cobertas por pôsteres

com propagandas de ferramentas educacionais disfarçadas

de trabalhos escolares. “Pronta para começar a segunda

prova?” Um aceno positivo.

Questão número um: coloque os eventos a seguir em

ordem cronológica.

“Operação Poente.”

“Anexação mal sucedida da República do Brasil pelo

Megaconglomerado chinês Umbrella.”

“Primeira corporação adquire um país em crise,

abrindo o precedente para que empresas possam vender di-

reitos civis para seus consumidores.”

Ela move as mãos, habilmente colocando os dados

corretamente.

“Parabéns!” brilha em letras garrafais, o ambiente

todo é novamente invadido por aplausos.

Segunda questão, pronta?

Novo aceno.

Explique em detalhes cada um dos eventos da questão

anterior.

Ela está entediada, as questões são idiotas. Ela tem

coisas a fazer, mas é obrigada a ficar na escola, afinal eles

deram o deck que ela usa e teria que devolver caso desistisse

do curso. Um mal necessário. Um botão vermelho aparece

flutuando à sua frente, REC, ela o pressiona.

Uma imagem aparece a sua frente, um país devastado,

prédios queimando, carros virados, ela consegue sentir a

poeira e seus olhos ardem com a fumaça. O título “Primeira

corporação adquire um país em crise, abrindo o precedente

para que empresas possam vender direitos civis para seus

consumidores” aparece no topo da imagem.

Ela começa pausadamente, o AI da escola é bem ruim

e comete erros na recepção. Não está falando de verdade,

só controlando o fluxo de informações. É um erro grosseiro

transmitir tudo de uma vez, confusamente. Comunicar-se

bem virtualmente é uma arte, demora para ser aperfeiçoada.

No começo é comum que os meatwares no mundo real

fiquem balbuciando enquanto o avatar fala. Ela tinha horror

a isso, não só por parecer amador, mas porque é possível

deixar vazar alguma informação importante.

“A empresa Biosoft comprou o país africano Nigéria

depois que a guerra civil dizimou a população da terra.

A ação, disfarçada de ajuda humanitária, prometia emprego

a todo homem, mulher ou criança disposto a trabalhar. Típica

armadilha meritocrática. Segurança, alimento e saúde

- tudo aquilo que o governo deveria dar - foram oferecidos

em troca de horas absurdas de trabalho. A população, ávida

por socorro, aceitou unanimemente as condições. Era o começo

do Clube Nigeriano Biosoft. Outras empresas começaram

a participar mais ativamente da política, muito além

de financiar campanhas, manipular políticos e participar de

licitações, elas agora concorriam a cargos públicos. A mesma

sujeira de sempre, foi o que a população pensou.

Eles estavam enganados.

Em pouco tempo todas as grandes nações eram controladas

diretamente por empresas. Pouco depois nomes e

bandeiras foram trocados por marcas e logotipos. Estados

Unidos de Arno Stark, União das Lojas Cyberplay, Africards.

As empresas, agora substituindo os países, começaram

a vender passes de cidadão. Por períodos de 24 horas

à até um ano, qualquer pessoa pode se tornar um cidadão e

usufruir dos benefícios sociais: hospitais, remédios, comida,

segurança corporativa. Os muito ricos recebem um passe vitalício

ao se tornarem acionistas.”

Um círculo mostra que o sistema está analisando. Em

poucos segundos uma mensagem aparece em amarelo: “Resposta

parcialmente certa, discurso ideológico detectado”. O

rosto de Frida substitui a mensagem, dela pode se ouvir falando.

Uma caixa de texto flutuante exibe o conteúdo da sua

resposta com as palavras consideradas discurso partidário

em negrito. Ela avança a gravação e depois a dispensa.

Poucos segundos antes da imagem mudar o cheiro de

mar invade o ambiente e então ela vê que os cabos que levam

o velho bondinho em cima do Pão de Açúcar ainda estão

inteiros. Essa foto definitivamente é de arquivo. O tópico

muda: “Anexação mal sucedida da República do Brasil pelo

Megaconglomerado chinês Umbrella”.

Ela pressiona o botão vermelho suspenso. “No início

do século, Brasil, país da América Latina, estudava propostas

de fusão com algumas empresas enquanto procurava manter

neutralidade. Essa era uma estratégia comum dos países em

seus últimos momentos, vender tudo pelo melhor preço. A

exploração da antiga floresta Amazônica - atual deserto de

Manaus - era um empreendimento conjunto com algumas

das maiores empresas farmacêuticas e elas tinham um interesse

em adquirir a área, enquanto o país insistia que elas deveriam

investir em todo o território. O Megaconglomerado

chinês, interessado no potencial turístico e nas riquezas naturais,

fez uma proposta pelo território. Uma proposta que

não aceitaria recusa. O que eles ofereciam era uma afronta

para o país.

O governo brasileiro tentou se organizar: se armou e

preparou para o combate, mas a empresa foi rápida em sua

manobra, tentando anexar à força o território brasileiro pela

costa. As forças armadas brasileiras resistiam, mas disparos

laser de satélites e bombardeio por drones dificultaram as

ações táticas. A batalha durou longos meses. O povo, como

sempre, foi o grande perdedor.”

Quando ela termina, leva apenas alguns momentos

para que sua resposta seja esmiuçada, novo aviso em amarelo:

“Resposta parcialmente certa, discurso ideológico detectado.

Segunda Infração. Atenção, você reprovará caso não

consiga um resultado pleno na terceira questão”. Outra vez o

discurso dela aparece, ela nota que mais palavras agora estão

em negrito.

A imagem muda novamente, uma animação curta

mostra milhares de pequenos drones sobrevoando a estátua

de pedra sabão de braços abertos. Após alguns segundos toda

a encosta dos morros arde com napalm. Palavras se formam

acima das chamas “Operação Poente”. Ela suspira fundo inconscientemente

- seu pai participou do combate. Pressiona

o botão vermelho sem esboçar qualquer reação.

“Em um golpe desesperado, a cúpula militar explodiu

as fábricas e siderúrgicas para que a fumaça cobrisse o céu e

dificultasse a visibilidade. A manobra buscava impossibilitar

os ataques aéreos chineses. A operação foi chamada de

“Operação Poente”. A empresa chinesa perdeu o interesse ao

perceber que não conseguiria instalar usinas de energia solar

e o ataque acabou tão sem sentido quanto iniciou.

Os militares perceberam o erro tarde demais. Empresas

brasileiras, consultadas à época, alegaram que os resultados

fugiram as simulações. Elas ganharam uma indenização

considerável pela explosão de suas fábricas. É difícil dizer se

foi apenas a ganância delas ou se elas tinham algum interesse

com o desmonte do governo brasileiro. O preço foi alto para

todos. A fumaça, que deveria dissipar em algumas semanas,

causou uma mudança climática drástica. Chuvas ácidas destruíram

plantações. O ar quente, estagnado, impediu que o

vento do mar empurrasse a poluição, o litoral foi varrido por

ciclones.

Algumas empresas brasileiras se ofereceram para

ajudar, o presidente de então assinava contratos dia e noite.

Em pouco tempo elas assumiram o comando executivo e

administrativo. O território foi dividido e as fronteiras eram

vigiadas, nessa época os cidadãos brasileiros ainda podiam

passar livremente de território para território. Com o tempo

as empresas nacionais assumiram também o controle legislativo.

Anos depois as empresas brasileiras foram adquiridas

por conglomerados, e eles mudaram tudo. O povo foi vendido.

Nós fomos vendidos.

A maioria de nós não pôde pagar pela cidadania, então

tivemos que vender o que tínhamos, nosso tempo e nossas

mentes. Temos que lutar de volta, tomar o que é nosso,

nós temos que...”

Um sinal vermelho toca. “Terceira infração, sua prova

foi anulada. Você deve refazer o teste em três meses. Aulas

de recuperação já foram disponibilizadas para você, totalizando

uma carga horária de 20 horas extras. Você deverá...”

Ela sabia que reprovaria, esses testes são fáceis, você

só precisa ser esperto o suficiente para dizer o que eles que-

rem ouvir - o verdadeiro teste hoje é para sua habilidade em

hackear. Ao pensar na ferramenta de edição um pincel e uma

paleta de cores aparecem subitamente em suas mãos. Cada

avatar vêm com uma versão customizada dos programas,

cada ferramenta customizada para que não interfira com a

imersão na personagem e assim reduza o nível de “Fides”. Ela

lembra o quanto riu ao usar o avatar de Che Guevara uma

vez e perceber que a ferramenta de edição dele era uma carabina

M2. Movendo o pincel com maestria, o sinal vermelho

torna-se verde. “Parabéns, você conseguiu a nota máxima!”

A escola requer um tempo precioso. Ela tinha burlado

o sistema para se adequar a rotina dela. A cadeira da sala

de aula rodava o programa da aula automaticamente, assim

seu tempo era gasto em programar ou pesquisar a rede. Claro,

nem sala de aula nem cadeira eram reais. Eram apenas

programas rodando em uma interface imersiva. E se era um

programa, era passível de ser hackeado.

Um sinal tocava toda vez que uma ação dela era necessária

para a aula prosseguir, normalmente um simples

comando ou uma resposta simples eram tudo o que eles pediam.

Os fóruns deram mais trabalho, já que eles mediam as

respostas que os alunos davam em discussões virtuais. Ela

usava uma sub-rotina que colocava a animação do avatar

tomando nota e em intervalos aleatórios levantar mão e dizer

“Mas não podemos esquecer que...” e repetia uma fala

de algum dos outros alunos. Depois disso o avatar sentava

enquanto a discussão prosseguia. Era o suficiente para enganar

o programa que supervisionava a discussão. Claro que

a sub-rotina precisou de alguns ajustes. Certa vez o avatar

que ela estava usando, Van Gogh, levantou e disse “Mas não

podemos esquecer que posso ir ao banheiro?” e sentou-se.

Infelizmente o trecho aleatório selecionado era de um dos

alunos pedindo dispensa para sair da sala de discussão.

O auditor da escola ligou para ela pessoalmente no

dia seguinte. Uma vídeo-ligação. IRL. In fucking real life! Ela

nunca tinha interagido com alguém da escola na vida real.

Foi assustador. Ele era um homem de meia idade, levemente

careca, óculos escuros escondiam um implante ocular. Sua

voz era grave e ríspida ao dizer que procurou contato com

a responsável legal por ela, mas sem sucesso. Ela inventou

uma desculpa para esconder o vício da mãe, não tinha certeza,

mas achava que poderia ser levada a um orfanato de

treinamento se soubessem a verdade. Ele mostrou o vídeo

do avatar e depois a sala sendo tomada por gargalhadas e

chacota. O implante cibernético dele fez um ruído mecânico

ao entrar em foco, possivelmente gravando as reações dela.

Ela teve que pensar rápido, explicando que tinha medo de

falar em público e que ter os olhos de todos nela ao falar a

fez entrar em pânico. Ela não sabia que Van Gogh também

tinha problemas em falar em público, por isso o medo não

foi filtrado, acrescentando que tinha parado de usar o avatar

desde então. O homem pareceu satisfeito com a resposta.

E disse que disponibilizaria um avatar para que ela baixasse

gratuitamente, algo mais adequado para as aulas.

Ela nunca pesquisou se Van Gogh realmente tinha

medo de palco e torceu para que o auditor também não pesquisasse.

Ela ficou animada em ganhar um novo avatar, um

lucro inesperado com toda a situação, até que viu que as opções

se restringiam a Princesa Cinderela, um avatar de um

trem chamado Thomas com um assustador semblante de felicidade

e um estranho tigre antropomórfico chamado Tony

que segurava uma caixa de papelão. Ela escolheu um avatar

qualquer e se esforçou em melhorar a sub-rotina para evitar

surpresas futuras.

Letras azuis se formam a sua frente “Aula 21”, depois

três estrelas surgem abaixo indicando aproveitamento máximo.

Uma barra de progresso sobe de 21 para 22. Ela tinha

conseguido aproveitamento máximo em todas as aulas, raramente

tendo que apelar para a ferramenta de edição. Com

essas notas ela poderia conseguir um emprego de programa-

dor base, vender 12 horas do seu dia em trabalho repetitivo

e entediante, presa em um cubículo com outras 300 pessoas,

em troca de um salário mínimo, moradia modesta e ração de

nível dois. Nada mal, para a maioria das pessoas. Muitos que

estavam fazendo o curso com ela sonhavam com isso, uma

saída do mundo real, trabalhando na matrix, com certo conforto.

Mas isso não era para ela, ela queria ser uma hacker.

Fechando os olhos, ela se concentra em sair da matrix.

Ela acorda na câmara de tratamento intensivo. Como

no ambiente virtual, é ainda a única figura no ambiente. Sua

barriga dói e ronca. Com uma das mãos ela segura o cabo que

conecta o deck a seu cérebro e com a outra toca na abertura

circular na base de seu crânio. Ela puxa com habilidade o encaixe

do jack antigo que tem. A entrada, um modelo básico

instalado quando ainda bebê, faz um estalo quando o encaixe

do cabo se solta.

Ela queria comprar um modelo mais novo de jack,

com maior taxa de transmissão, mas provavelmente comprar

um custaria mais que comprar uma casa e o dinheiro

dela não cobria sequer as refeições. Só não está desnutrida,

graças ao equipamento: a câmara, deixada por seu pai quando

morreu, era um dos dois golpes de sorte que tinha tido,

dois acontecimentos únicos que a permitiram sonhar em ser

uma hacker de verdade.

A câmara impedia que as funções corpóreas dela se

desligassem enquanto estava na matrix e por isso podia passar

mais de 16 horas por dia logada. Com todo esse tempo

online ela podia caçar informações. Tudo sobre os hackers

era de difícil acesso. Era preciso ser um hacker para saber

sobre hackers. E, graças à câmara herdada, estava mais perto

disso.

O pai tinha morrido quase um ano antes. Depois da

guerra sino-brasileira, ele voltou para casa, vítima de um

bombardeio. Consciente nos primeiros dias, entrou em estado

vegetativo logo depois. Todos suspeitaram de bombas

inteligentes, criadas para destruir pessoas, não capital, mas

ninguém falou nada sobre isso. A câmara tinha sido enviada

pelo exército, uma forma de se eximir da responsabilidade.

O equipamento era caro e ela sabia que eles tinham intenção

de tomá-lo de volta depois de alguns dias, mas o governo

caiu antes disso.

Depois que as empresas assumiram o poder, alguns

zeros e uns devem ter sido perdidos pelo sistema e a câmara

nunca foi requisitada. Quando sua antiga casa veio abaixo, o

quarto dos pais tinha sido a única estrutura que sobreviveu.

O acesso, no entanto, passava por escombros e buracos. Essa

era a privacidade que ela necessitava. A corrente elétrica foi

cortada durante algumas semanas, mas foi restaurada depois.

Sem motivo. Provavelmente essa linha alimentava alguma

empresa e os gastos elétricos da câmara eram praticamente

negligenciáveis para eles.

O acesso ao matrix necessitava de um cabo fixo, ninguém

arriscaria o cérebro em uma conexão que pudesse ser

interrompida. Os pais tinham um acesso no quarto deles, era

esse que usava e torcia para não ser detectada. Desconectando

o cabo do deck que carregava, ela acariciou o dispositivo.

Era uma versão padrão de decks disponibilizados para estudantes,

algo simples, produzido em massa. Ou pelo menos

tinha sido.

Há alguns anos, durante uma de suas fugas de casa

depois de brigar com a mãe, a jovem estava descontando a

frustração em alguns carros parados na rua. As brigas eram

frequentes antes de sua mãe se esconder em uma fuga sensorial.

As ruas estavam apinhadas de veículos, inutilizados por

não poderem mais captar energia solar ou com as baterias

deterioradas demais. Depois dos saques tudo de valor já tinha

sido levado, então eles ficavam ali, monumentos de um

vida que não existia mais.

Foi então que se deparou com uma camada de poeira,

parada em pleno ar. Aproximando se cuidadosamente,

ela tocou em uma superfície invisível, algo camuflado eletronicamente.

Pelo tato adivinhou o formato de um grande

modelo de luxo. Por tentativa e erro achou o vidro. O

repugnante cheiro de decomposição a atingiu ao quebrar a

janela. Dentro do veículo, dois corpos em avançado estado

de putrefação, provavelmente os passageiros, presos quando

a energia do carro acabou.

O sol nunca mais voltou a brilhar.

Os idiotas devem ter ficado esperando a energia voltar

para ir para casa, incapazes de deixar para trás as suas

riquezas e quando o desespero os atingiu o carro já estava

sem energia para reciclar o ar ou abrir as portas. Essa foi a

segunda vez que a sorte lhe sorriu.

Ela saltou janela adentro e procurou pegar tudo que

pudesse valer algum dinheiro. Não tinha muito, a tecnologia

da época gastava muito energia, incompatível com os tempos

de recessão de agora. Foi recheando os bolsos de pequenos

objetos. O coração dela quase parou quando pulou para

o banco traseiro. Uma caixa brilhante, cheia de especificações

e informações sobre o produto, com um laço vermelho.

Eles deveriam ter sido o tipo de pessoa que faz questão de

mostrar o quanto gastou com o presente então embalagens

eram desnecessárias. Um luxuoso deck, cheio de acessórios.

Último modelo, novinho em folha e nunca usado.

Claro que era um modelo antigo agora, a tecnologia

não pára. Mas aquele deck tinha muito a oferecer para alguém

que era forçada a se conectar usando o modelo mais

básico. Ela se debruçou sobre o deck nas próximas semanas,

um chacal sugando tudo o que podia. Seu coração estava acelerado

quando se conectou, a interface do deck se ajustando

a ela. Não era uma toastuser, mas tinha algo único em mãos

agora.

Ainda perdida em lembranças, guarda o deck com carinho

e cuidado na mochila. O antigo quarto dos pais cheira

a mofo. Dolorida, suas pernas são tão finas que quebrariam

se o peso dela não fosse tão ínfimo; ela sabe que depende

demais da câmara. Ela percebeu quando seu corpo começou

a atrofiar, um hacker tinha que estar em boa forma, qualquer

empresa que valha a pena invadir tinha um mainframe

isolado do matrix, atrás de paredes grossas, guardas armados

e sensores - sem acesso interno, sem chance. Ela baixou um

programa para o seu deck que monitorava seu corpo e sugeria

exercícios e alimentação. Mas estas são duas coisas que

não pode se dar ao luxo.

Rastejando através dos escombros ela escorrega em

algo molhado, deve ter chovido lá fora. Resmungando um

“droga”, levanta e torce para não ter que correr na chuva,

as roupas dela não são a prova de chuva ácida e ela estava

usando sua camiseta da sorte, uma camiseta que diz em letras

garrafais: “don’t worry about a thing, ‘cuz every little thing

is gonna be alright”. Essa era a mesma camiseta que estava

usando quando ela achou o seu deck e também quando tentou

ligar a câmara pela primeira vez.

Colocando a mochila no chão para ter certeza que o

deck não foi danificado, ouve um guincho lamurioso. Com

medo, fecha a mochila rápido, sem ter avaliado o deck. Não

gosta de ratos.

O guincho continua.

Sem perceber, acaba indo diretamente para a fonte

dos ruídos: uma pedra se soltou, o animal não teve chance

de escapar. Sua perna está esmagada e ele guincha enquanto

tenta se soltar, roendo o membro preso. Ela levanta a pedra

e a desce sobre a cabeça do roedor. O som pára. Ela joga a

pedra longe, pelo menos ele não estava mais preso agora.

Ela sai do terreno onde fica o prédio onde os pais

moravam, perto da antiga lagoa, hoje um terreno pantanoso

e fétido. Tinha chovido, mas o clima parecia ter dado uma

trégua. Se apressa para chegar em casa antes que sua sorte

acabe, algumas pessoas já começam a se movimentar pelas

ruas em direção à lagoa. Cobertos por um macacão de tecido

grosso com máscaras de gás pontudas que lembram bicos de

pássaros, eles são chamados de urubus. Esse era o nome de

um animal que comia lixo quando ainda existiam aves pelas

ruas do Rio. Homens, mulheres e crianças que passam o dia

na lama tóxica, recolhendo materiais pesados que possam ser

reaproveitados pelas indústrias químicas.

O assentamento para os refugiados dos bombardeios

tinha evoluído rapidamente para uma favela vertical, mas se

recusava a se tornar uma comunidade. Ela entra pelas portas

duplas e vai direto ao poço do elevador, desligado há anos

servia agora de acesso rápido aos níveis inferiores, onde as

gangues se escondiam. Para os corajosos, dispostos a ficar

balançando pelos cabos, também servia para acessar os níveis

mais altos. Ela não é corajosa: se vira e sobe as escadas

depressa. Tinha lido uma vez que a maioria das pessoas morre

perto de casa.

Ao chegar, empurra a porta. A mãe dela está com os

olhos semicerrados, conectada a uma máquina. O aparelho

de stim-sim, trazido com muito custo da antiga casa, está

sintonizado no canal “Memorar”. Ela faz uma careta. Não

tem nada contra simulações, mas sua mãe passa horas ligadas

no aparelho. Tinha boas lembranças de férias em família,

todos conectados nos mesmos canais que o pai reservava

para a ocasião: “Dia na praia”, “Acampamento”, “Picnic”. Ao

contrário de decks, stim-sims não trazem informações, só

dados sensoriais. Parte da pensão do pai vai para a assinatura

do plano de canais. Sua mãe se dividia entre os canais “Memorar”

e “Nostalgia”. Ela sabia que viciados em stim-sims se

tornavam incapazes de se expressar sem auxílio e que as empresas

os levavam para centros de tratamento já que eles não

consomem nada além das simulações - essa é a maneira das

empresas manterem o mercado consumidor vivo.

Ela esconde o vício da mãe, com medo de ficar sozinha.

A garota passa pela mulher sentada - suas unhas lon-

gas e quebradas repousam sobre o encosto da poltrona, os

cabelos brancos desgrenhados são moldura para uma pele

ressecada, a boca fina está entreaberta, um fio de baba escorre.

A mulher, é óbvio, não a nota. Ela vai para a cozinha

e tira do armário uma das últimas latas de mingau de aveia,

puxa o lacre e a lata se aquece em suas mãos. A tampa dobra e

se torna uma colher. Com duas colheradas ela está cheia, está

comendo cada vez menos e passando cada vez mais tempo

na matrix. Sabe que deveria tomar alguma providência, mas

não tem certeza do que fazer. Largando a lata na pia da cozinha

vai para a sala e se joga no sofá enquanto coloca a mochila

no seu lado. O peso da mochila aperta acidentalmente

o controle, mudando o canal. Sua mãe se desconecta irritada:

— Quem...? Ah, é você, Natali. Que horas são? – A

mãe se esforça para controlar a irritação por ter sido desconectada

a força e em ser agradável.

— Quase oito – A menina diz.

— Nossa, tão tarde? Vou preparar jantar! A gente fica

tão distraída com esses aparelhos, não é? O que você quer

comer, Natali? Que tal uma batatas?

Ela se irrita, a mãe nem deve saber que ano é esse.

— Não temos batatas!

— Mas eu comprei no Megamart, não comprei? Ajude-

me a levantar.

— Não temos batatas há pelo menos três meses e o

Megamart fechou há anos! Você deve ter sonhado com isso,

aí ligado nessa droga! Eu vou pro meu quarto, já jantei mesmo

– ela se levanta. — E pela última vez, me chame de Atari.

— Mas, Nata…

Ela bate a porta do quarto. Não queria ficar tão brava

com a mãe, mas foi abandonada quando mais precisava de

apoio. Com o pai morrendo, a mãe fugiu para suas simulações

baratas. Tentaram usar o aparelho de stim-sim em

conjunto, mas a experiência tinha sido uma vergonha, com

a mãe a ignorando, era como se ela sequer estivesse ali. Por

fim se levantou e se retirou para o quarto. Não sabia se a mãe

tinha notado sua ausência naquela vez. Ou em qualquer outra.

Sentada na cama, ela aguarda alguns minutos com a esperança

que a mãe bata na porta e peça desculpas. Um abraço

e um jantar quente e gorduroso. Novamente ela aguarda em

vão.

Dentro do quarto ela chora irritada.

Após alguns minutos, se controla repetindo um pequeno

mantra “não precisa disso agora”. Amanhã é o grande

dia. Vai tentar pela primeira vez hackear uma empresa e

quer paz e tranquilidade para rever os preparativos. Limpa

as lágrimas das bochechas e troca de roupa. Dobra cuidadosamente

a camiseta da sorte que vai usar no dia seguinte e

então liga o deck em modo off-line.

Ela é somente Natali nesse momento, apesar de estar

em um ambiente virtual. Uma representação de seu verdadeiro

corpo se materializa no seu dashboard, decorado como

um quarto futurista que ela tinha baixado e modificado -

letras neon brilhando através das janelas, um grande sofá de

couro (seja lá o que isso fosse), uma bancada alta em frente a

uma mesa de tampo de acrílico inteligente, o ambiente tinha

cheiro amadeirado. Senta-se e abre o menu de comando.

Atari tinha sido um nome que adotou depois de

sua primeira experiência com códigos, ainda em seus anos

de formação. Quantos anos tinha naquela época? Cinco?

Seis? Não lembra mais. Mas lembra de sua descoberta: tinha

acabado de receber seu deck e estava ainda se adaptando

a imersão em realidade artificial, usando alguns programas

simples. Um desses era uma calculadora infantil, os números

eram coloridos para atrair a atenção das crianças. Enquanto

fazia uma série simples de cálculos, resolveu, por brincadeira,

criar um cálculo que resultasse em uma cor diferente a

cada linha, segundo a ordem do arco-íris; vermelho, laranja,

amarelo, verde, azul, anil, violeta.

O trabalho foi maior que imaginava, mas a persis-

tência a fez prosseguir. Quando o cálculo estava pronto, fez

a calculadora rodar os números esperando fazer uma animação

de arco-íris. Quando as cores pararam, seu avatar foi

presenteado com um pequeno embrulho. Dentro um aparelho

plástico com a frente em madeira envernizada, um

logo e o nome “Atari” eram visíveis acima. O programador

da calculadora incluiu um emulador de um jogo do milênio

passado. Foi então que percebeu que os números eram uma

linguagem. Pesquisou tudo sobre o console e desenvolveu

um interesse por programação. Atari se tornaria seu nome

de hacker, afinal programadores adoram fazer referências

obscuras.

As imagens dos avatares a cercam enquanto as paredes

de seu quarto se afastam. As imagens titânicas quase o

triplo de sua altura. Ela se levanta e os inspeciona um a um,

os hologramas exibem uma lista com todo o tipo de informações:

parâmetros, estatísticas, história, e explicações detalhadas

sobre as ferramentas nativas. Sua lista é pequena, apenas

sete avatares: Frida Kahlo, Obi Wan Kenobi, Che Guevara,

Joana D’arc, Van Gogh e Zumbi dos Palmares. Mas o nível

de “Fides” de todos eles é bem alto. Finalmente ela pára em

frente ao último avatar que tinha comprado para essa invasão:

Robin Hood. O avatar vinha com uma série de ferramentas

especificamente criadas para a análise e roubo.

Ela seleciona o avatar de Robin Hood e checa os

parâmetros. Tinha conseguido um outro avatar de Robin

Hood anteriormente em um leilão no mercado negro, “uma

bagatela” foi o que pensou. Achou curioso o avatar ser uma

pequena raposa humanoide, não sabia que o ladrão de Sherwood

era um licantropo. Usar o avatar foi humilhante, ele

insistia em começar uma canção esporadicamente e não tinha

nenhuma ferramenta interessante. Completamente inútil.

Ansiosa, desliga o deck e vai dormir, certa de estar

preparada.

O deck a desperta pontualmente, uma vela acesa que

ela sopra para desligar o alarme. Olha pela janela: o sol não

tinha surgido novamente. Ela já se lembra como é sentir o

sol na pele. A luz da estrela apenas apática e doentia passando

pelas nuvens de poluição. Esperava uma manhã mais

gloriosa para o seu aniversário, mas não podia ser exigente.

O clima lá fora não mudaria o fato que agora ela poderia

acessar a matrix diretamente, nada de simulações, nada de

acessos supervisionados.

Levanta da cama e vai na ponta dos pés até a sala.

A mãe já está no aparelho. Ou seria ainda? Uma parte dela

esperava alguns balões, talvez até um bolo. Essa imagem de

aniversário é apenas o conceito de como uma família feliz

deveria ser. Algo que é vendido para as massas em propagandas

de margarina. Ela nunca teve um aniversário com bolo e

doces. Isso não faz a decepção ser menos dolorosa.

Pega a lata de mingau que deixou largada sobre a

bancada na noite anterior. Só tem uma coisa mais nojenta

que mingau de aveia industrializado: mingau de aveia industrializado

amanhecido. A falta de cor, textura e sabor impede

que o corpo dela coloque para dentro a colherada. A comida

gira e embola na boca, ficando mais gosmenta com a saliva.

Por um momento ela teme que a comida vai ficar lá, presa

para sempre. Ela pega um copo de vidro lascado, o fundo

sujo com algumas partículas pretas, e o enche de água da torneira.

O líquido amarelado leva a comida pelo trato digestivo

até o estômago, que a recebe com uma reclamação sonora.

“Café da manhã tomado, hora de acessar a matrix”, ela pensa.

Troca-se rapidamente, verifica novamente a mochila e sai.

Ela corre pelas ruas, o ar ainda está frio, alguns moradores

em barracas velhas, danificadas pelo clima se mexem

incomodados. Ao chegar à lagoa, acha o antigo condomínio

de luxo e entra pela passagem escondida, o deck acomodado

em sua mochila. Pluga o cabo no jack, seus dedos tremendo

e a mão suando, era assim para todo mundo? O segundo an-

tes de apertar o botão parece uma eternidade. Ela entra no

ambiente do deck, escolhe o avatar de Robin Hood e percebe

que tem um novo acesso no seu dashboard, uma porta trancada

com chave. Seu coração se acelera com a novidade. Ela

se concentra no caminho e atravessa o portal para o Matrix,

chegando em um dos hubs de entrada, milhares de conexões

em neon.

Assim que chega à matrix, percebe o erro que cometeu.

Tudo pulsa com uma energia assombrosa, as luzes

a ofuscam, tantos cheiros e vozes se sobrepondo que não

consegue focar. Era quase orgânico. Os construtos a seu redor

eram uma curiosa mistura de prédios e árvores, crescendo

enquanto linhas de programa eram acrescentadas ou

se unindo e transformando quando empresas se uniam. A

simulação da escola era bastante civilizada em comparação

com isso. A matrix era selvagem.

Dados fluíam abaixo de seus pés, o próprio solo negro

parece estranhamente intangível e frágil. Tinha lido

sobre usuários que conseguiam mergulhar abaixo da matrix

através do solo, acessando antigas bases de dados sem supervisão,

a deep web, cheia de informações tão secretas quanto

perigosas. Claro que o anonimato também promovia todo

tipo de coisas grotescas e nojentas.

Enquanto admira o fluxo de informações, avatares

voam acima de sua cabeça: anjos, super heróis, aviões, robôs,

deuses, criaturas aladas, um garoto em um tapete mágico. O

céu é azul, com nuvens brancas que cobrem estranhas luzes

alienígenas - ela se pergunta se aqueles eram usuários ou

programas rondando. Observa um lobo cinzento que parece

estar em uma discussão com um alienígena vermelho de

quatro braços marcados por tatuagens azuis. Um ogro esbarra

em seu ombro e volta-se com um grunhido zangado.

Mais a frente um grupo de vampiros passa, seus avatares em

transformação, de humanoide para morcego. Pequenas criaturas

cheias de tentáculos se arrastam pelo chão, bots criados

para capturar dados. As cores são tão vívidas, tudo tem cheiro,

textura, movimento. Ela quase foge de medo, não estava

preparada para isso.

Ela procura se acalmar, respirar fundo. Organizar os

pensamentos. A matrix é mais que um rio de informações,

é um tsunami. Começa a filtrar os dados sensoriais, as luzes

começam a diminuir e os cheiros desaparecem. Recebe uma

mensagem, um convite para entrar em uma sala de bate papos.

Propagandas começam a lotar sua caixa de spam, agora

que é oficialmente uma cidadã virtual as empresas a vêem

como uma consumidora em potencial. Finalmente controla

o pânico e se concentra na missão a seguir.

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