A Névoa Além da Luz

Suspense
Fevereiro de 2020
Começou, agora termina queride!

Conquista Literária
Conto publicado em
Sombras de Galway

Prólogo

Epílogo

Conto

Áudio drama
A Névoa Além da Luz
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Sabe… Faz algum tempo que eu me faço uma única pergunta: Por que?

Essa história está chegando ao seu fim… Embora, pra mim, parece que ela nunca acabou… Os sonhos que tenho enquanto durmo, os pesadelos que me assombram enquanto estou acordado, é como se… Eu estivesse impregnado com todo sangue e morte que passou por essa história, eu me sinto manchado por um caminho que eu não escolhi, eu… me sinto arrependido de escolhas que não pude fazer… Eu… Eu me sinto culpado… Às vezes me parece uma punição… É…

Me perdoe…

O que? Bom… Eu havia parado a história logo após Alexey, Brannon, Oliver, Ryan e Thomas voltarem da estranha caverna com Logan. O pescador que encarou o mar e saltou em sua direção e nunca mais voltou. O grupo chegou no cais improvisado da pousada dos Sathler e… foi quando viram a pousada em chamas. A fumaça e o fogo subiam em direção ao céu, como se tentassem pedir ajuda para um deus que parecia ter esquecido de Galway. Dentro do galpão, na pequena igreja que Richard havia construído com seu pai, estavam os corpos de Richard, sua esposa e filhos, mortos. Todos sucumbiram às chamas, Richard preso na cruz que ficava na parede do fundo do galpão. Quando chegaram ainda escutavam seus gritos, quando abriram a porta, viram o desespero no olhar de um homem que presenciou a morte de sua amada família e, aos poucos, gastou o restante do ar em seus pulmões, antes que eles fossem preenchidos pela fumaça preta que consumia o que, um dia, ele chamou de lar.

Brannon estava caído no chão, seus olhos repletos de incredulidade e lágrimas. Ele tentava desviar o olhar de dentro do galpão mas não conseguia. Alexey estava parado atrás dele de pé, talvez ele se permitiria sentir a dor do que havia presenciado até então depois, agora ele precisava, mais do que nunca, descobrir  o que estava acontecendo em Galway e quem fez aquilo com Richard.

-Ei, Brannon, vamos… - Alexey disse enquanto ajudava o jornalista a se levantar - Não podemos ficar aqui. Temos que ir embora.rr

-Alexey… Eles… Por que? - Balbuciava Brannon se levantando

-Eu não sei, Brannon. - Disse Alexey - Mas quem fez isso vai pagar…. Por tudo o que fez.

Oliver, Ryan e Thomas olhavam de longe a cena. Será que eles tinham trazido esse destino até Richard e sua família? Se nunca tivessem ido para Silverstrand, será que Richard estaria jantando a essa hora com sua esposa e seus filhos? Estariam felizes e… vivos?

-Por favor… - Disse uma voz rouca, áspera e ofegante- Por favor….

No mesmo instante o grupo se virou na direção da voz que, de algum modo, chegou até seus ouvidos mesmo com a chuva que caia, o crepitar da madeira em chamas e todo aquele inferno à sua frente. Um pouco afastado dali havia um carro preto parado em cima da grama com a porta aberta e alguém no banco do motorista.

-Espera… Augustus? - Disse Thomas

Thomas apertou o passo na direção do carro seguido pelo restante do grupo. Quando parou do lado da porta aberta, ele reconheceu o homem sentado dentro do carro. Ou o que sobrou dele…

-Cacete, quem é esse? - Disse Ryan

- Augustus… - Disse Thomas - O que você fez?

O homem estava respirando ofegante, metade do seu corpo estava completamente queimado, a roupa grudada em sua pele, sangue pingando pelo seu braço já inútil e um cheiro forte de álcool e gasolina.

-Por favor… - Disse Augustus - Eu só segui ordens...

-Ordens de quem? - Perguntou Thomas

-Te… Ted… - Disse Augustus - Esse homem precisava morrer…

-Você matou um homem inocente! - Gritou Thomas - A mulher dele era inocente! Os filhos dele eram inocentes!

-Eles… Precisavam… - Começou a dizer Augustus

-Não, eles não precisavam. - Disse Alexey de forma seca chegando ao lado de Thomas

-Por favor… Me… Mate… - Suplicava Augustus - A… dor…

-Vai ser um prazer, desgraçado - Disse Ryan empurrando Thomas para o lado e sacando um revólver que carregava consigo

-Não, Ryan! - Disse Alexey segurando o braço de Ryan - Ele merece essa dor.

-Por favor… - Suplicava Augustus - Por favor!

-Vá pro inferno, Син шлюхи - Disse Alexey ríspido

Alexey deu as costas e

virou para o grupo. Ignorando Augustus e seus pedidos de uma morte rápida.

-É melhor sairmos daqui. - Disse Alexey - Nós precisamos voltar para Galway.

Quando eles entraram no carro e olharam para a frente, se lembraram de como um dia atrás quando chegaram naquele lugar estavam pensando em como devia ser bom para se visitar se não fosse por todo esse caos de estranheza e desastre que os perseguia. E eles também repararam que esse é um sonho que vai ficar apenas como sonho.

Ninguém disse nada por um bom tempo. Oliver, que dirigia o carro, apenas deu partida e começou a dirigir de volta para o condado de Galway enquanto a pousada dos Sathler em Silverstrand era consumida pelo fogo e a fumaça.

Depois de algum tempo no carro, Thomas quebrou o silêncio.

-Bom, e o que vamos fazer? - Perguntou Thomas

-Como assim? - Perguntou Brannon

-A gente vai voltar pra Galway, tá, tudo bem - Começou Thomas - Mas vamos fazer o que?

-A criatura na caverna… - Disse Oliver - Ela disse para levar a chave para o mausoléu.

-Chave? Que chave? - Perguntou Brannon

-Olha, pessoal… - Disse Ryan - Eu preciso contar uma coisa para vocês.

-O que foi, Ryan? - Perguntou Alexey

-Eu… Eu não sei ao certo como vim parar em Galway. - Disse Ryan

-Eu entendo, eu também fico me perguntando isso, sabe? - Disse Thomas - De todos os lugares pra ir eu decidi vir pra esse fim de mundo amaldiçoado…

-Não, é diferente. - Disse Ryan - Eu acordei na traseira de um caminhão e um homem me disse pra descer. Eu… não sei porque me mandaram pra cá e nem quem me mandou pra cá.

-Podia ter nos dito isso antes. - Disse Alexey preocupado

-Eu sei. - Disse Ryan - Mas não dá pra voltar no tempo. É o seguinte, quando me deixaram aqui tinham alguns pertences que não eram exatamente meus. Eu… nunca parei pra olhar o que eram, mas…

-Talvez tenham alguma resposta. - Concluiu Brannon

-É. Talvez... - Disse Alexey

-Ei, professor - Disse Thomas - A gente devia estar indo pra lá.

-O que? - Perguntou Oliver

-A estrada pro centro de Galway era pra lá. - Disse Thomas

Era verdade, Oliver inconscientemente estava entrando em uma estrada diferente da que vieram. O professor diminuiu a velocidade e começou a olhar em volta, tentando entender por que tinha ido por esse caminho. Ele não se lembrava de ter tomado essa decisão, mas algo dizia que ele estava indo na direção certa.

E então sentiu uma dor na mão.

-Ah, foi por isso, Oliver? - Perguntou Thomas

E então todos viram.

A cruz onde Sarah McCardell foi crucificada, ainda um pouco longe, mas com certeza era o caminho para o qual Oliver estava levando eles. Curioso, não é? De certo modo foi Sarah, foi aquela cruz que trouxe quase todos até Galway e os colocou no meio de todo esse caos que vivenciaram e, até este momento, ninguém tinha ido até a cruz. E, talvez, mais curioso ainda, é porque ninguém tirou a cruz de lá…

-Bom, já que estamos aqui… - Disse Brannon - Por que não vamos vê-la?

Alexey olhou para Brannon e apenas assentiu com a cabeça, os outros concordaram em silêncio. Eles pareciam cruzar uma barreira de pesar e receio quanto mais perto da cruz eles chegavam.

E enquanto isso, passando pela estrada que o grupo deveria ter pego, a policial Lianna estava em seu próprio carro, dirigindo até a pousada de Richard. Se Alexa tinha falado na fita que podiam ir para lá, talvez Richard soubesse alguma coisa.

-Você é uma policial Lianna. Pelo amor de Deus - Disse Lianna entre os dentes - Que inferno…

Ela deixou o vidro do carro aberto enquanto dirigia, as gotas geladas da chuva batiam e respingaram em seu rosto, assim como o vento frio, ajudando-a a manter o foco. Ainda era tudo muito recente para ela… seus olhos carregavam, além da tristeza e raiva, a determinação de descobrir o que aconteceu com a mulher que amava. Ela não iria descansar até encontrar suas respostas.

Porém ela não esperava por mais uma tragédia. Conforme se aproximava da pousada dos Sathler ela começou a ver a fumaça preta indo em direção ao céu na tarde nublada de Galway.

-Não… Não, não, não, não, não pode ser… - Disse Lianna - Richard, você também não, por favor não...

Quando ela viu a pousada com as chamas começando a ceder ela parou o carro, desceu dele e caminhou sem palavras para a cena que parecia ser um pesadelo. Por sorte, ela não chegou a tempo de ouvir os gritos de Richard. Àquela altura, os corpos da família Sathler estavam em um estado quase que irreconhecível.

-Não! Quem fez isso, Richard? - Disse Lianna segurando as lágrimas

Ela olhou em volta e viu um carro parado perto dali com a porta aberta.

-Marcas de pneu… - Disse Lianna enquanto ia até o carro parado - Parece recente…

Alguém havia saído dali não fazia muito tempo. Seja lá quem fosse não estava tão à frente dela. Mas ainda tinha que checar quem era o carro que havia ficado. Ela iria se permitir ficar em luto quando isso tudo acabasse, mas não agora… Não. Ela tinha um objetivo.

Enquanto Lianna chegava até o carro desconhecido na pousada dos Sathler, Oliver havia acabado de desligar o motor do carro em que estava. O grupo encarava a cruz onde Sarah McCardell havia sido assassinada e crucificada.

-Caramba. - Disse Thomas

-Ela é enorme… - Disse Brannon

-É mesmo. - Concordou Alexey

A madeira da cruz era de um carvalho tão escuro que quase parecia preto dependendo do ângulo que olhavam. De cada lado dela havia uma pequena plataforma de madeira com 3 degraus. Cada passo em sua direção era dado com cautela… A presença da cruz ali era, de certo modo, intimidadora. Os buracos onde pregaram as mãos de Sarah eram bem visíveis e, apesar da chuva, a marca de sangue seco ainda era visível também. O som do vento e do mar pareciam mais alto ali. Na encosta de onde a cruz estava eles podiam ouvir o som violento das ondas se chocando contra as pedras lá embaixo. O vento ululava com rispidez em seus ouvidos e, nenhum daqueles homens, iria olhar para o mar da mesma forma depois do que viram em sua última viagem de barco. Naquele dia nublado, a água escura do mar era apenas um lembrete da escuridão que cercava Galway.

-Tá bom - disse Ryan - É só isso?

Mas não era. Pelo menos não para Oliver.

O Professor podia escutar sussurros, mas não distinguia o que estavam dizendo. A cada passo em direção da cruz os sussurros aumentavam, ele estava perdendo o controle de si, ele não sabia o que estava acontecendo, ele apenas caminhava esticando um dos braços na direção da cruz.

-Tudo bem, Professor? - perguntou Alexey

-Oliver, o que foi? - perguntou Brannon

Oliver não os escutava.

Então colocou a mão na cruz.

E em seguida desmaiou.

No instante em que caiu de costas na grama sentiu a chuva cair com mais força, a luz da tarde foi substituída por trovões que iluminavam o céu. Ele se levantou assustado no mesmo instante e notou que o silêncio daquela tarde não existia mais. Além dos trovões, ele podia ouvir uma mulher gritando.

-Não! Por favor, não! - Gritava a mulher - Me larga! Por favor! Não!

Oliver olhou na direção dos gritos e viu uma mulher sendo levada por algumas figuras encapuzadas que escondiam seu rosto. Ela gritava, se debatia mas não conseguia se desvencilhar das pessoas encapuzadas.

-O que? - Disse a mulher? - O que vocês vão fazer comigo? Por favor, não...

Ela havia notado a cruz.

Oliver olhava de um lado para o outro, ele tentava gritar, pedir ajuda, correr para ajudar a mulher, mas ele não conseguia se mexer, ele não conseguia falar. Ele era apenas um espectador naquele show de horror.

-Coloquem ela na cruz. - Disse uma voz masculina com frieza

-Por favor… - Suplicava a mulher chorosa

Algumas das figuras encapuzadas foram em direção da cruz levando a mulher que parecia ter desistido de lutar. Talvez fosse o choque, talvez fosse algo dentro de si que sabia que não tinha outra saída. E—- Oliver já imaginava quem era aquela mulher, por mais que nada daquilo fizesse sentido.

-Não faz isso comigo… - Dizia a mulher em voz baixa

A voz da mulher estava tão fraca… Oliver queria tanto poder ajudá-la, mas não conseguia fazer nada. Ele olhava para a cena como se não tivesse opção. Algo o impedia de desviar o olhar e de fechar os olhos. Ele estava sendo obrigado a ver aquilo.

Uma martelada

Um grito.

Uma martelada.

Outro grito.

Mais uma martelada.

Outro grito.

A mulher apenas respirava com dificuldade enquanto sentia o próprio sangue deixar seu corpo pelo furo em ambas suas mãos e pés. Escorrendo pelos pregos grossos que haviam acabado de atravessar carne, osso e madeira. Seu sangue manchava a cruz e, em seguida, caia no chão junto com a chuva como se fizesse parte dela.

-Muito bem! - Disse um homem tomando frente - Hoje estamos um passo mais próximo da névoa. Do futuro. Do divino!

O homem jogou o capuz para trás, Oliver reconheceu Ted Phillip instantâneamente, não fazia tanto tempo que Alexey havia mostrado a foto do homem para eles.

-Sarah, Sarah… - Disse Ted caminhando até a mulher na cruz - Você faz parte de algo tão maior que você…

-Deus… - Disse Sarah em voz baixa - Por favor… Me ajude…

-Seu Deus não pode te ajudar aqui, Sarah! - Disse Ted em um misto de insanidade e frieza - Se você ao menos pudesse ver as coisas como vejo, Sarah… Nós iremos mudar o mundo… Quando abrirmos o caminho para que a névoa o cubra… Você é mais uma peça se movendo no tabuleiro. Um sacrifício necessário para que todo o tabuleiro comece a questionar o jogo. A intriga o alimentará e da intriga o portal se abrirá… Ah, Sarah… Obrigado.

Ted se aproximou e beijou os pés de Sarah cobertos de sangue e em seguida se virou para os outros homens que apenas observavam aquilo tudo.

-Podemos não ser muitos, mas somos o suficiente. - Disse Ted - Em breve conquistaremos nossos objetivos… Em breve, o mundo vai enxergar através da névoa. Nós seremos recompensados… Vamos.

E todos seguiram Ted, nenhum olhou pra trás, nenhum se questionou sobre o que havia acabado de acontecer. Era como ver o flautista de Hamelin tocando algumas notas e fazendo com que os ratos o seguissem. Oliver se perguntou se, tal qual a história, ele também levaria todas aquelas pessoas para a morte.

Oliver enfim sentiu-se capaz de se mover. Ofegou como se tivesse passado o tempo todo sem respirar . Ele caminhou sem forças na direção de Sarah que, ainda viva, se mexia fracamente na cruz.

-Sarah… - Disse Oliver

-Você ainda pode impedir isso. - Respondeu Sarah

-Como? - Perguntou Oliver

-Depressa. - Respondeu Sarah.

Oliver sentiu como se suas pernas tivessem perdido a capacidade de sustentar seu corpo. Ele caiu para trás de encontro a grama molhada sentindo a chuva cair em em seu rosto enquanto a visão de Sarah McCardell crucificada cada vez mais sem vida dava lugar a uma visão rápida e distorcida de Galway. Era como se ele estivesse viajando em uma velocidade absurda onde não conseguia se focar em nada, até que…

-Glennan Na Coile - Disse Oliver

-O que disse? - Perguntou Alexey

Oliver olhou confuso ao seu redor, como se tivesse levado alguns segundos para identificar onde ele estava, ou até mesmo quem que ele era.

-Ei, Oliver - Disse Thomas se aproximando - Tá tudo bem?

Oliver deixou a mão pegar um pouco da água da garoa que caia e esfregou o próprio rosto. Com os olhos fechados, ele se concentrou na visão que teve e ficou em silêncio por um instante.

-Eu tive uma visão. - Disse Oliver - Eu vi a Sarah sendo crucificada. Eu vi Ted falando com pessoas encapuzadas e… eu vi a casa número 4 na Glennan Na Coile quando a Sarah falou comigo.

-A Sarah falou com você? - Perguntou Alexey

-Isso não faz sentido, professor. - Perguntou Ryan

-Você também teve uma visão, lembra? - Disse Brannon - Com o martelo, não foi?

-Eu... - Ryan começou a responder mas não continuou

Ryan começou a coçar os braços, Brannon e Thomas pensaram ser por conta da irritação, ou pela própria chuva e as roupas molhadas. Alexey olhou mais desconfiado de Ryan, o homem parecia mais fora de si fazia algum tempo… Nenhum deles era o mesmo de quando haviam chegado em Galway, ele sabia bem disso, mas algo dizia que, talvez, Ryan estivesse escondendo algo que nem ele sabia exatamente.

-Bom… - Disse Alexey ajudando Oliver a se levantar - A casa não fica tão longe daqui. Seja lá o que o professor viu, acho que vale a pena investigar.

-Eu concordo - Disse Brannon

-Eu também - Disse Thomas

-Tá legal. Vamos - Disse Ryan concordando e andando até o carro

-Obrigado, Alexey. - Disse Oliver em voz baixa

-Não foi nada, Oliver. - Respondeu Alexey

Todos deram as costas para a cruz e voltaram para o carro. Cada um com suas próprias incertezas quanto ao caminho que estavam pegando. Quando Oliver sentou no banco do motorista e olhou para frente após dar partida no carro, teve a sensação de ver em um piscar de olhos Sarah na cruz olhando para ele.

-Vamos, professor. - Disse Alexey

E então deixaram o local. A chuva apertando um pouco mais, assim como a urgência daquele grupo em desvendar os mistérios do cinzento condado de Galway.

É interessante pensar quantos daqueles homens estavam preparados para uma resposta. Acredito que ninguém estava verdadeiramente pronto. Toda aquela situação absurda ia além do que qualquer um já tivesse passado, talvez…. Oliver estivesse mais preparado… Ele já havia perdido muito na vida. Quando pensava em seu passado enxergava apenas uma mancha de vergonha e dor… Uma dor parecida que ele viu nos olhos de Lianna quando ela perdeu Alexa. Ele se perguntava como será que ela estaria… Ainda mais depois de ter entregue a fita para ela.

Bom, ele apenas podia torcer que, eventualmente, aquilo trouxesse paz para Lianna. Era a única coisa que estava ao seu alcance naquele momento.

Oliver começou a diminuir a velocidade do carro e parou na entrada da casa onde tudo havia começado. Parecia que havia passado tanto tempo, mas fazia poucos dias que tinham recebido aquele estranho telefonema que reuniu todos que estavam naquele carro.

-Não fazemos ideia do que estamos fazendo aqui… - disse Ryan

-Não mesmo. - disse Thomas - Mas pelo menos é alguma coisa…

-Bom… - disse Brannon - Vamos dar uma olhada no lugar. Às vezes a gente deixou passar alguma coisa quando a gente saiu com pressa aquele dia.

-Então… É melhor irmos logo. - alertou Alexey e abriu a porta do carro.

O casarão parecia encarar o grupo de homens que desceu do carro. O dia parecia muito com a manhã em que foram para lá inclusive. Mas eles já não eram os mesmos. Embora tivessem ainda mais perguntas do que antes, eles estavam mais determinados a encontrar respostas. Como eles mesmos disseram mais cedo naquele dia antes de abrirem a porta misteriosa na caverna na praia:

Não tinha mais volta.

-Tá trancada. - disse Thomas

-Sai da frente. - disse Ryan - Humph.

Ryan não poupou esforços e chutou a grande porta na entrada. O som da madeira rangendo e partindo era abafado pelo som da chuva e dos trovões. Ele escutou os trincos cedendo, a maçaneta caindo junto com algumas lascas de madeira.

-Muito sutil. - disse Thomas em voz baixa

-Mas funcionou - disse Brannon

-Entrem logo. - disse Alexey

Quando entraram, nada parecia ter mudado desde o dia que saíram de lá. O lugar estava um tanto vazio, alguns móveis ainda estavam cobertos por alguns panos e podiam ouvir o som da madeira rangendo por conta da chuva e do vento. Havia apenas uma sensação diferente… Um cheiro, para ser mais preciso.

O cheiro de sangue.

-Acho que a polícia nunca veio aqui. - disse Brannon

-Pois é… - disse Thomas - Ou se vieram ignoraram o defunto.

-Vamos nos dividir. - disse Alexey - É melhor tentarmos sair daqui o quanto antes…

-Pelo menos nisso a gente concorda. - disse Ryan

Um por um tomaram um caminho diferente. Alexey foi na direção do corredor onde haviam encontrado o homem morto uns dias atrás. Brannon estava investigando a sala, levantando os panos dos móveis. Ryan foi para o corredor do lado oposto que Alexey havia ido e Thomas subiu as escadas, onde havia encontrado o cubo.

Oliver foi o último a se mexer depois de entrar na casa. Ele não havia comentado nada, mas sua mão havia começado a pulsar no corte que a criatura na caverna havia feito. Não era dor, era algo… diferente. Era como se a ferida estivesse viva de alguma forma. E então os sussurros voltaram.

Ele não entendia o que diziam, ele não conseguia se concentrar neles, mas, mesmo assim, era como se seu inconsciente pudesse compreender. Ele não sabia para onde ia, mas começou a andar pela casa. Era uma sensação estranha, como se estivesse sonhando acordado. Oliver dava passos firmes em um ritmo lento na direção de uma lareira apagada em uma das paredes da sala. A ferida começou a pulsar com mais intensidade conforme se aproximava.

Quando estava a um passo da lareira, ele se abaixou. Olhou para a madeira velha que estava ali e, atrás dela, um par de olhos se abriu.

-É você… - disse Oliver

O gato que os havia visitado em sua casa dois dias atrás estava sentado no fundo da lareira, seu rabo se movia como uma serpente sem fazer som algum e, quando Oliver se abaixou, ele olhou atentamente em seus olhos.

Oliver viu os olhos do gato se transformarem nos de um humano mais uma vez, mas não era totalmente humano… A íris era de uma cor levemente alaranjada. Seja lá o que fosse aquilo, não era um gato, tão pouco um ser humano.

Por alguns instantes eles ficaram se encarando, o som ao seu redor parecia diminuir, era como se o tempo estivesse lentamente parando. Conforme o som do ambiente era silenciado, ele deu origem a um som agudo, baixo e um tanto quanto abafado que parecia vir debaixo da madeira velha na lareira.

Oliver revirou os pedaços de madeira com calma, conforme fazia isso o som agudo ficava um pouco mais alto, até que pôde ver que tinha alguma coisa ali embaixo. Quando tirou o último pedaço de madeira ele viu algo emitindo um brilho prata um tanto fraco em volta das cinzas velhas da lareira.

Era uma chave.

E uma adaga.

Quando pegou os dois objetos o som agudo parou, ele olhou para a figura felina a sua frente como se esperasse alguma instrução.

Fez-se silêncio, os olhos do gato se transformaram mais uma vez, ficando completamente escuros.

Oliver encarou a sombra nos olhos do gato como se pudesse enxergar alguma coisa ali.

-Quando chegar a hora eu devo...? - disse Oliver

O olho do gato voltou a ser o de um felino e, em um piscar de olhos, o gato não estava mais lá. A chuva voltou a cair, a madeira voltou a ranger e ele pôde ouvir os passos de seus companheiros pela casa.

-Ei, Oliver! - disse Brannon do outro lado da sala - Teve alguma sorte aí? Só achei mofo por aqui.

Oliver não respondeu nada, ele olhou para onde gato estava tentando entender o que havia acabado de acontecer. Em suas mãos segurava uma grande chave prata e uma adaga antiga. Ambos estavam um tanto quanto frios em suas mãos, a chave era grossa e a ponta tinha um formato estranho. A adaga parecia normal, mas era possível sentir que tinha alguma coisa nela… Algum tipo de energia, talvez. Era como segurar algo que tivesse sido feito em um tempo além do que se era capaz de compreender.

Era como segurar uma arma que tirou muitas vidas, ao longo de centenas de anos e, de algum modo, as vidas que essa adaga tirou, ainda estavam ali.

-Oliver, está tudo bem? - disse Brannon se aproximando

Oliver colocou a adaga no bolso interno de seu sobretudo com cuidado e se virou para Brannon.

-Onde achou isso? - perguntou Brannon - Podia jurar que tinha olhado tudo desse lado.

-Acharam alguma coisa? - perguntou Thomas descendo as escadas

-O Oliver achou uma chave - disse Brannon

-Será que é de algum lugar dessa casa? - perguntou Thomas se aproximando

-Acho que deve ser a chave do mausoléu… - Disse Oliver em voz baixa

-Mausoléu? - perguntou Thomas

-O que encontraram? - perguntou Alexey de longe

-Uma chave! - disse Brannon em voz alta

-A… coisa na caverna disse para levar a chave para o mausoléu - respondeu Oliver

-Muito bem, professor. - Disse Alexey se aproximando do grupo.

-Não achei nada por aqui. - Disse Ryan voltando para a sala - Acho que só tem essa chave mesmo.

-Bom - disse Alexey - é melhor irmos então.

-Concordo - disse Thomas - esse lugar tem… uma energia estranha.

Todos começaram a sair. Alexey se aproximou de Brannon e disse em voz baixa para o jornalista:

-O Ryan não parece o mesmo. - disse Alexey

-Eu também notei…Mas pode ser só stress.- disse Brannon

-A propósito… O corpo ainda estava lá. - disse Alexey

-Então ninguém veio pra cá… desde a gente - respondeu Brannon

-Eu não sei, mas… Aquilo não era humano. - disse Alexey

-O que? - perguntou Brannon

Brannon havia parado enquanto Alexey continuou a caminhar e entrou no carro junto com os outros. Ele reparou que o professor olhava de relance para ele… Será que ele tinha escutado a conversa?

-Não era humano? - disse Brannon em voz baixa

Brannon caminhou e entrou no carro ainda sem entender o que Alexey tinha falado. Aquilo não fazia sentido, mas… Não é como se alguma coisa ali fizesse. Sem ninguém dizer nada, Oliver deu partida no carro e começou a dirigir.

-Para onde vamos, professor? - perguntou Alexey

-Para o mausoléu - respondeu Oliver - Ele fica no topo da colina do cemitério no condado.

-Como sabe disso? - Perguntou Ryan

-Eu… - Oliver começou a responder - Apenas sei.

-Que ótimo… - disse Thomas em voz baixa - Um cemitério. Era só o que faltava.

Um pouco longe dali, Lianna também estava dirigindo, porém seu destino era outro. Ela havia visto o frade morto no carro que estava na pousada. Depois do que aconteceu com Alexa ela desconfiava de quem devia estar por trás desses crimes.

-Ted… - disse Lianna em voz baixa - Por favor, que não seja você….

Alexa havia falado para ela que o irmão estava estranho. Lianna insistiu para que ela desse uma chance para ele, afinal, eles eram irmãos e deviam conseguir conversar entre si. Talvez ele estivesse precisando de ajuda.

E agora ela ficava se perguntando se ele não era o responsável pelos tantos crimes hediondos que aconteceram na pacata Galway. Sarah, Alexa, a família Sathler… A pilha de corpos no condado crescia cada vez mais e ninguém sabia o que estava acontecendo.

Alguém precisava pôr um fim a essas tragédias.

E Lianna acelerou o carro em direção a igreja de Galway. A chuva piorava a cada minuto que passava, trovões iluminavam o céu, uma tempestade estava por vir.

Na verdade, algo pior que uma tempestade estava a caminho.

Quando Lianna parou o carro, ela deixou os faróis acesos, pois o céu estava tão escuro quanto uma noite de inverno. Mesmo que estivesse anoitecendo, o silêncio no terreno da igreja não parecia comum. Lianna abriu o porta-luvas do carro, pegou uma lanterna e saiu.

O olhar das estátuas dos anjos e santos ao redor da igreja pareciam observá-la conforme ela caminhava ouvindo apenas seus próprios passos como se fossem pingos da chuva que caia.

-Por que esse lugar parece tão vazio? - Lianna murmurou

Ela foi para o terreno onde ficavam as acomodações esperando encontrar alguém, mas o que ela viu foi algo diferente do que esperava. Todas as portas estavam abertas, uma a uma ela espiou com a cabeça para dentro das acomodações, mas encontrou apenas quartos e salas vazios.

-O que foi que aconteceu? - Lianna se perguntou em voz baixa

Quando Lianna se aproximou do último quarto no terreno, ela começou a sentir medo. Era algo primordial, como o receio de apagar as luzes em um quarto desconhecido, o medo de se perder em um labirinto e nunca mais encontrar a saída, era a sensação de ser perseguida e, em breve, estaria encurralada.

Sua respiração estava ofegante quando ela se deu conta. Estava parada a um passo da porta aberta, sem saber o que a esperava ali dentro.

Ela inspirou fundo e deu um passo à frente.

Lianna não sabia o que esperar, mas o que viu não foi nada que fizesse sentido. A sala não estava vazia, mas tinham mesas e camas de ponta cabeça empilhadas em um canto do lugar. Na parede da frente havia uma imagem, era como se alguém tivesse feito um entalhe na própria parede, mas…

-O que é isso? - Lianna se perguntou

Ela olhava para algo que parecia um enorme olho que cobria a parede inteira. Símbolos foram desenhados ao redor dessa imagem, mas não tinha sequer um símbolo que Lianna reconhecia naquele lugar.

Mas os símbolos pareciam mais do que apenas imagens nas paredes, porque quanto mais tempo passava encarando, mais Lianna não se sentia tão sozinha naquele lugar. Os sussurros foram até seus ouvidos lhe fazer companhia.

E talvez, se fosse outra pessoa ali, esta história teria sido diferente. Embora Lianna parecesse ter perdido as forças para se mexer quando os sussurros começaram a vagar por sua mente dizendo palavras que ela não compreendia, ela apertou a fita em seu bolso.

Naquela fita, a voz de Alexa era mais forte que a dos sussurros. Ela não podia desistir, ela não podia parar. Alexa, Richard, eles não mereceram o fim que tiveram e Lianna ainda estava viva e ela não iria parar até descobrir o que foi que aconteceu com eles.

Ela correu daquele quarto sem olhar para trás. Os sussurros não a seguiram.

-O que era aquilo? - Lianna se perguntou assustada e ofegante

Quando parou de correr, ela se apoiou com as costas na parede da igreja para recuperar o fôlego. Ela mal devia ter passado um minuto naquela sala, mas a sensação era a de que tinha corrido uma meia maratona. Aproveitou a água da chuva e levou uma das mãos, trêmulas, até o rosto e esfregou os olhos em uma tentativa de espantar o cansaço que sentia.

Lianna respirou fundo e quando olhou para a mão que segurava a lanterna, seus olhos seguiram o feixe de luz que saia dela em direção ao chão para revelar algo que não era água da chuva que caía na grama. Ela se recompôs e se abaixou para ver melhor o que era que manchava o verde daquele lugar.

-Sangue… - disse Lianna em voz baixa

Ela apontou a lanterna mais a frente para ver que havia um rastro do líquido escarlate para dentro da igreja. Respirando fundo, ela se levantou e seguiu as manchas até a igreja que tinha sua grande porta fechada. A marca de uma mão ensangüentada era claramente visível no meio da porta.

Lianna entrou na igreja já esperando pelo pior… E foi o que a aguardava.

-Merda… - disse Lianna em voz baixa

Frades e freiras haviam sido, aparentemente, espancados até a morte, seus corpos deixados de qualquer jeito pelo chão que levava até o altar onde o principal nome daquela igreja também estava morto.

Apoiado com as costas no púlpito, a polêmica figura do padre Austin Cramer estava com os olhos ainda abertos com o semblante de medo estampado em seu rosto. Lianna nunca conheceu de forma mais íntima o padre Cramer, mas era uma figura que já havia levado para a delegacia diversas vezes por conta de discursos radicais e apaixonados defendendo que a fé era a maior arma contra o verdadeiro mal e que aqueles em Galway que continuassem seguindo um caminho pagão iriam trazer o fim para o condado.

-Sinto muito, padre. - disse Lianna se aproximando

Lianna fez uma oração em voz baixa enquanto fechava os olhos do padre. Diferente das outras vítimas na igreja, Austin Cramer foi morto por uma facada que o acertou na altura do estômago. A faca ainda estava no corpo dele junto da batina manchada pelo sangue que escorreu da ferida.

As mãos do padre pendiam uma de cada lado do corpo, na mão direita ele segurava uma Bíblia com manchas de sangue e na esquerda uma caneta elegante ainda estava presa entre os dedos e o chão.

-Tem alguma coisa pra mim, Cramer? - perguntou Lianna em voz baixa

Ela tirou a Bíblia da mão do falecido com cuidado e folheou a mesma. Talvez o homem apenas estivesse buscando alguma palavra de conforto de seu deus para aquele fim tão trágico de sua vida. Mas Lianna desconfiava que ele poderia ter deixado alguma pista sobre o que havia acontecido ali por conta da caneta que ainda estava na outra mão do homem.

A primeira página do livro sagrado estava quase toda preenchida, as palavras trêmulas, escritas em tinta preta, validaram a dedução da policial de que aquela era uma mensagem de um homem prestes a deixar a vida. E… Essas, são as últimas palavras de Austin Cramer:

-O mal está entre nós. O mal fez morada no coração das pessoas de pouca fé. Eles querem trazer o demônio para nosso mundo e, para isso, eles precisam de desconfiança e discórdia. As raízes do paganismo em Galway eram mais profundas do que imaginava. O fim se aproxima, mas eu estarei ao lado do Pai enquanto as chamas do inferno transformam Galway em cinzas. O incêndio queimará Galway a partir de seu coração, do portão que os pagãos construíram. O erro deste condado foi não ter me dado ouvidos. Em meus últimos suspiros, eu oro para que aqueles verdadeiros em sua fé encontrem paz no julgamento final deste condado. Austin Cramer. - Lianna leu antes de fechar a Bíblia.

Lianna guardou a Bíblia no bolso de sua jaqueta e olhou em volta uma última vez antes de deixar a igreja. Independente do que estivesse acontecendo em Galway, ela acreditava nas palavras do padre de que o fim, de fato, se aproximava. Mas ela ainda não havia desistido de evitar que o fim fosse Galway ardendo em chamas.

Ela andou apressada de volta para seu carro e pegou seu rádio para entrar em contato com a delegacia.

-Central. Aqui é a Lianna - disse Lianna

-Caramba! - Respondeu uma voz masculina entre o chiado do aparelho - Graças a deus você tá bem Lianna. Você não apareceu na delegacia hoje, eu tava preocupado. Aliás, tá tudo bem?

-Já estive melhor, Connor. - Lianna respondeu - Olha, eu preciso de alguém da perícia e uma ambulância aqui na igreja pra pegar uns corpos.

-O que aconteceu? - perguntou Connor

-Muita gente morreu, Connor- Lianna respondeu - Austin Cramer está entre os mortos. Não sei ainda o que aconteceu.

-Que merda… - respondeu Connor- Tá legal, Lianna, vou ver quem tá disponível pra ir ai. As coisas aqui no condado  estão meio estranhas.

-Como assim? - perguntou Lianna

-A gente recebeu vários chamados de brigas acontecendo por toda a parte. - respondeu Connor - Não temos pessoal pra dar conta de tudo.

-Certo… - Lianna respondeu em voz baixa - Ei, Connor, mais uma coisa.

-Fala - Connor respondeu

-Faz alguma ideia de um “portão pagão” em Galway? - Lianna perguntou

Depois de algum tempo em silêncio ela teve uma resposta.

-Ahn… - Connor começou a falar - Tem o mausoléu dos Gildeon no topo da colina no cemitério. O das estátuas estranhas, sabe?

-Sim. - respondeu Lianna - Obrigada, Connor, tenho que ir.

-Ei, Lianna, tá tudo bem? Precisa que mande alguém pra lá depois—- - Connor havia começado a responder, mas Lianna desligou o rádio.

Antes de sair, Lianna olhou pelo retrovisor para a igreja e apenas rezou em pensamento para que ela não chegasse tarde demais no mausoléu. Lianna tinha a impressão que ela estava no rastro do próprio ceifador, mas sempre atrasada, chegando apenas a tempo de ver a morte que ele deixava por onde passava.

Durante a visita de Lianna à igreja, Alexey, Brannon, Oliver, Ryan e Thomas chegaram ao cemitério de Galway. Quando Oliver desligou o carro e apagou os faróis, um medo primitivo se apossou deles, pois a iluminação ali era precária, o céu nublado com as nuvens carregadas pareciam deixar a noite ainda mais escura do que realmente era.

-É melhor irmos logo. - disse Alexey

-É, mas… - disse Brannon

-Tá tão escuro. - completou Thomas

-E vai ficar ainda pior. - respondeu Alexey - Por isso é melhor não perdermos mais tempo aqui.

-Ele tem razão. - concordou Oliver

-Tá legal… - disse Thomas - Então vamos.

Nenhum daqueles homens havia visitado essa parte de Galway. Assim que desceram pegaram as lanternas que estavam no porta-malas do carro e olharam para o caminho que tinham pela frente.

Passando o grande portão de ferro semiaberto eles podiam ver uma casa simples, provavelmente onde se despediam do corpo do morto antes de fecharem o caixão e o levarem até seu novo lar, sete palmos abaixo da terra. O cemitério em si era enorme, um vasto campo que se estendia por centenas de metros colina acima.

As luzes das lanternas e alguns eventuais trovões mostravam as silhuetas de centenas de lápides e estátuas. Talvez em um dia ensolarado alguém poderia imaginar que aquele era um lugar bonito para enterrar um ente querido, mas… naquele momento, a visão era apenas assustadora.

O portão estava semiaberto, quando o puxaram o rangido fez um calafrio percorrer a espinha de cada um daqueles homens e, com passos tímidos, porém firmes, todos atravessaram o portão para dentro do cemitério. Imagino que na mente dos ou—-... o que passava na cabeça de todos ali era se aquele cemitério seria o local onde suas almas descansariam pela eternidade. Ninguém sabia exatamente o que encontrar ali, ninguém sabia os que esperava mais a frente, eles apenas sabiam que o destino os havia enviado até aquele lugar.

-Onde que fica o mausoléu? - Disse Thomas

-Colina acima. - respondeu Oliver

-Como sabe disso, Oliver? - perguntou Alexey

-Muito suspeito… - disse Ryan em voz baixa

-Eu… - Oliver começou a falar - Eu vi nas minhas pesquisas quando estava tentando descobrir de quem era a mansão… Dos Gildeon, lembram?

-As iniciais que estavam naquele lenço do martelo, não é?. - disse Brannon

-Isso. - respondeu Oliver

-Espera, então está me dizendo que… - Alexey começou a falar

-Que o mausoléu que estamos indo é da mesma família da mansão. - Brannon concluiu

-Que coincidência desgraçada, hein? - Thomas disse com sarcasmo

-Pois é… - concluiu Ryan

Por alguns instantes eles se entreolharam, as luzes das lanternas iluminavam o receio e a sensação de incerteza em seus rostos… Eu me lembro que…

O desconhecido me disse que a chuva estava piorando nesse instante.

-Vamos. - disse Alexey

E todos o seguiram em silêncio, rumo à sombra de uma estrutura maior no topo da colina… rumo ao mausoléu dos Gildeon.

Já era noite, o vento soprava e as sombras que os feixes de luz criavam cada vez que encontravam em seu caminho uma lápide ou uma estátua pregava peças no imaginário já abalado daqueles homens. Depois de tudo o que passaram eles se perguntavam quantas das silhuetas que enxergavam ao redor deles realmente não eram de alguma coisa que queria machucá-los, ou se estavam apenas na companhia um dos outros e dos mortos enterrados ao seu redor.

E no meio da paisagem sonora do lugar que já haviam se acostumado, um ruído diferente surgiu.

-Fiquem de olhos abertos… - disse Alexey sacando o revólver.

Todos pararam e começaram a girar lentamente, apontando as lanternas para o cemitério em busca do estranho som que parecia estar indo na direção deles.

Foi quando viram uma figura familiar passando por eles. A coruja da primeira noite. Aquela que entregou o brinco…

-Sabe, em algumas culturas dizem que corujas trazem mau agouro - disse Brannon

-Como se a gente precisasse de mais. - respondeu Thomas

-Já estou de saco cheio desses animais. - disse Ryan

-É ali. - disse Oliver

-Certo… - disse Alexey - e o que devemos fazer?

-Sinceramente… eu não sei - respondeu Oliver - A criatura apenas disse para trazer a chave para o mausoléu.

-Bem, eu vou ver lá dentro. - disse Alexey - Vocês deviam dar uma olhada em volta pra ver se encontram alguma coisa.

-Tá legal… - disse Ryan e saiu andando

-Eu vou com você, Alexey. - disse Brannon o seguindo

-Thomas, fique de olho no professor. - pediu Alexey

-Pode deixar. - Thomas respondeu

O mausoléu era a maior estrutura daquele cemitério e, provavelmente, a mais antiga. Ele ficava ao redor de algumas árvores no topo da colina e estava coberto de vinhas por toda sua construção de pedra.

Oliver, Ryan e Thomas começaram a dar a volta no mausoléu enquanto Alexey e Brannon passavam pelo portão de entrada, encontrando abrigo da chuva. Do lado de dentro eles viram 3 estátuas de pedra esculpidas nas paredes do mausoléu. Uma era claramente feminina, enquanto as outras duas eram... masculinas, cada estátua em uma parede e todas encarando o chão do lugar.

-Elisa Gildeon. - disse Brannon checando as estátuas - E as outras duas—-

-Pra onde será que vai aquilo? - perguntou Alexey

-Aquilo o que? - disse Brannon apontando sua lanterna para a mesma direção que a de Alexey.

Em um canto do mausoléu Alexey avistou um portão no chão. Embora as barras tivessem espaço para ver o que havia por trás, parecia que nem a luz das lanternas penetravam naquela escuridão.

Com passos cautelosos, Brannon foi até o portão tentar abrí-lo.

-Tá trancado. - disse Brannon - Não dá pra descer. Alguma ideia?

-O que será que tem lá embaixo… - Alexey disse em voz baixa

-O que você disse? - Brannon perguntou indo na direção de Alexey

-Eu disse: O que será que tem lá—— - Mas Alexey parou a frase no meio

Alexey arregalou os olhos encarando o portão, suor descia por sua testa e ele parecia ter perdido a capacidade de falar. Sua respiração estava cada vez mais fraca e suas mãos tremiam enquanto encarava as sombras atrás do portão. Os sussurros o alcançaram.

-Ei - disse Brannon - Tá tudo bem? Alexey, o que é que——-!

-Aaaaaaah! - Alexey gritou

Alexey sacou sua arma ainda com os olhos arregalados e disparou até que as balas acabaram e, mesmo assim, ele não parou de apertar o gatilho.

-Merda… - disse Alexey entre a respiração ofegante - Mas…. O que foi aquilo… Ah, merda. Brannon?!

-O que foi que aconteceu?! - ouviram Thomas gritando correndo na direção da entrada

-Você está bem, Brannon? - perguntou Alexey correndo até sua direção

-Eu tô bem, sai da frente a tempo…. Mas que merda foi essa, Alexey?! - disse Brannon indignado - Você podia ter me matado!

-Eu… - Alexey tentava organizar seus pensamentos - Vi alguma coisa. Merda.

Alexey ajudou Brannon a levantar e acendeu um cigarro dando as costas e andando até o lado de fora do mausoléu.

-Ei, tá tudo bem? - perguntou Thomas chegando na entrada

-Tô - respondeu Brannon

-O que foram os tiros? - perguntou Oliver atrás de Thomas

-Alguém está ferido? - perguntou Ryan chegando com uma pistola em mãos.

-Não… - respondeu Alexey - O Brannon está bem. Eu pensei ter visto uma coisa no portão… Aquela coisa da caverna… Eu… sei lá… humph - e voltou a tragar o cigarro

-Alexey - disse Brannon - sua bolsa.

Quando Alexey olhou para baixo, não era exatamente a bolsa que chamou a atenção de Brannon, mas o que eles carregavam dentro dela.

-O cubo. - disse Alexey

Com muito cuidado, Alexey tirou o objeto misterioso que encontraram em seu primeiro dia em Galway. Ele emitia uma luz esverdeada fraca e símbolos pulsavam por todo o objeto. Nada que nenhum daqueles homens conseguissem ler ou distinguir, apesar de ter certas similaridades com aqueles do mapa que receberam do gato no outro dia.

-É como se algo tivesse algo vivo aqui dentro… - disse Alexey - É incrível...

-E o que a gente faz com isso? - perguntou Ryan

-Deve estar reagindo a alguma coisa nesse lugar - disse Thomas

-Ali no centro - disse Oliver - parece…

-Uma abertura - concluiu Thomas

Alexey deu alguns passos para o centro do mausoléu e parecia ter uma abertura não muito funda do tamanho exato do cubo. Ele olhou para trás onde os outros o encaravam com olhares curiosos do que poderia acontecer.

Sem pensar muito no assunto, Alexey se abaixou, encaixou o cubo na abertura e deu alguns passos para trás.

Por um momento nada aconteceu.

-Será que… - Alexey começou a falar

Até que começaram a escutar o som de pedra raspando bem devagar e, aos poucos, o cubo entrava na terra se tornando parte do interior do mausoléu. A luz verde do cubo foi sumindo devagar quanto mais ele era sugado para o chão. Quando por fim o som cessou, o grupo olhou para os lados esperando algo acontecer.

-Ali. - disse Thomas

No chão, pouco a frente de onde Alexey havia colocado o cubo, a luz verde parecia estar atravessando o chão de pedra iluminando algum tipo de grafia que foi consumida pela luz. Havia algo escrito diante deles.

-Alguém consegue ler essa merda? - disse Ryan que, assim como os outros se aproximou

-Isso parece ser… - disse Alexey em voz baixa

-Gaélico. - completou Brannon

-Você sabe ler isso, Brannon? - perguntou Alexey

-Sim… - disse Brannon se ajoelhando - Ahn… Bidh sinn a ’dìon agus a’ dìon an fhearainn bho ùbhlan agus feur uaine. Bidh sinn a ’dìon bhon fheadhainn a bheir dorchadas…

Brannon começou a sorrir.

-O que é que está escrito? - perguntou Thomas

-Traduzindo seria algo como… Nós guardamos e protegemos a terra das maçãs e da grama verde. Protegemos daqueles que trazem a escuridão.

-E isso é engraçado? - perguntou Ryan

-Não, não. - disse Brannon - é só que… Me pergunto se foi algum Encantado que colocou isso aqui…

-Encantado? - perguntou Alexey

-Fadas. - respondeu Oliver

-Ei, pessoal - disse Ryan - as estátuas.

O grupo olhou ao redor, atrás de cada uma daquelas estátuas uma luz verde e fraca brilhava e tremeluzia, como uma vela contra o vento de uma janela aberta. Oliver andou na direção da estátua da mulher e encostou a mão nela com o corte feito pela criatura da caverna.

-bidh a h-uile dad gu math mo ghaol - disse Oliver em voz baixa e, em seguida, se estranhou com o que havia acabado de dizer

-Encontrou alguma coisa, professor? - perguntou Alexey

-Acredito que esta estátua representa Elisa Gildeon. - Oliver disse em voz baixa - as outras duas estátuas devem ser membros da Casa dos Gildeon. Lembro vagamente de um livro que havia lido quando estava fazendo uma pesquisa sobre a mansão.

-É como se a gente nunca tivesse saído da mansão. - disse Thomas em um tom melancólico

-Bom. - disse Brannon - Imagino que qualquer resposta para as perguntas que temos vai estar lá embaixo. Oliver, você tá com a chave, não é?

Oliver colocou a mão nos bolsos do casaco. Em um deles sentiu a lâmina fria da adaga e no outro a chave, ambos encontrados na lareira da mansão. O professor sabia o que fazer com cada um daqueles objetos e, então, pôs-se a andar na direção do portão.

Quando Alexey olhou para o portão, ele franziu o cenho, jogou fora o cigarro que já havia chegado ao fim mas que ainda estava em sua boca e pegou a whiskeira para tentar afastar a lembrança, ainda bem recente, do par de olhos que o encarou.

-Senhores… - disse Oliver se abaixando ao lado do portão - como foi dito na caverna. Imagino que assim que abrirmos esse portão, não terá mais volta.

-Acho que já perdemos essa chance de voltar atrás faz tempo, Oliver. - disse Alexey

O silêncio foi uma forma coletiva de concordarem com o que Alexey havia dito. Oliver tirou a chave do bolso e abriu o portão.

Um vento gelado passou por todo o grupo no momento em que a grade do portão foi puxada, o frio percorreu a espinha de cada um daqueles homens e, depois de alguns segundos esperando para ver se algo aconteceria, eles decidiram que era hora de seguir em frente.

Uma escada de pedra, um tanto quanto rústica, descia alguns degraus levando até um corredor escuro que, infelizmente, lembrava a caverna que visitaram mais cedo. Seja lá para onde estivessem indo, o caminho os levava para algum lugar mais antigo do que imaginavam.

-Parece ter uma abertura lá na frente. - disse Alexey em voz baixa

-Estão sentindo esse cheiro? - perguntou Thomas

-Parece… água do mar? - disse Brannon

-E sangue... - completou Ryan

Alexey e Ryan já estavam com suas armas em punho desde antes de descerem, adrenalina e medo percorriam seu corpo, os outros carregavam apenas suas lanternas, se agarrando a elas e pela luz que proporcionavam… Um feixe de esperança em meio às sombras que os cercavam.

-O que…. - Alexey falou em voz baixa

O corredor os levou até uma espécie de sala sem cantos, as paredes eram de pedra lisa e, exatamente no centro dela, havia um grande espelho d’água perfeitamente circular. Mas, é claro, que o que chamou a atenção do grupo era o fato de que no lado oposto de onde estavam tinham 5 pessoas crucificadas em cruzes parecidas com a que Sarah encontrou seu fim. Na frente das 5 cruzes havia um homem de pé murmurando palavras inaudíveis.

-Ted. - disse Alexey em tom firme

Eles apenas o haviam visto na foto que receberam, mas era mais que o suficiente para reconhecer o homem diante deles. Ele era quase tão alto quanto Ryan e, no instante que ouviu Alexey dizer seu nome, ele virou.

-Então… - Ted disse enquanto se virava - Vocês vieram…

Embora fosse o mesmo homem da foto, havia algo de estranho naquele Ted Phillip que estavam vendo. O rosto alegre ao lado da irmã na abertura da marcenaria deu espaço a um olhar perturbado. Um sorriso de canto de boca como se estivesse tramando algo ruim. A presença dele parecia ameaçadora.

-Parece com a voz que eu ouvi na igreja… - disse Thomas

-Como sabe de nós? - perguntou Alexey

-Bom eu— - disse Ted se aproximando

-Fique onde está, Ted. - disse Alexey apontando a arma para ele

-Como quiser. - respondeu Ted calmo

-O que é isso? - perguntou Brannon

-É um portal. - Respondeu Ted

-Para onde? - perguntou Brannon

-Bom… Por que não olha você mesmo? - perguntou Ted

-Eu—- -Brannon começou a responder

-Eu te fiz uma pergunta, Ted. - disse Alexey mais uma vez - Como sabe de nós?

-Sinceramente, eu sabia apenas do senhor Owin. - respondeu Ted

-Quem? - perguntou Thomas

-Como você sabe de mim? - perguntou Ryan

-Se acalme, senhor Owin—- - Ted começou a falar

-Não me chama por esse nome - respondeu Ryan

-Claro, claro. Como queira, Ryan - respondeu Ted - Você apostou algo maior do que imaginava em seu último jogo…

-Do que você tá falando? - Ryan perguntou

-Ah, você não se lembra? - perguntou Ted

-Responde, filho da puta. - Ryan disse dando um passo à frente

-Ryan. - disse Alexey

-Bom, você apostou sua vida naquela noite, Ryan. - disse Ted - E você perdeu. As marcas no seu braço são a prova disso.

-Minha vida? - Ryan disse em voz baixa

-Se você quer saber minha opinião… - disse Ted - Você ganhou um propósito maior do que você jamais teria em sua antiga vida. A névoa é seu futuro, senhor Owin. Você verá isso em breve…

-De que névoa você está falando? - perguntou Oliver

-A névoa que irá cobrir o mundo. - Ted respondeu

-Essa névoa tem alguma coisa a ver com Sarah? - perguntou Alexey

-De certo modo. - respondeu Ted - Os fiéis cristãos foram os escolhidos como sacrifícios. Desde que a igreja chegou à Galway, as pessoas esqueceram das entidades… Embora alguns tenham conseguido com que suas histórias caíssem no esquecimento, os olhos nos lembrou delas… E nosso propósito ficou claro. O sangue daqueles que depositaram sua crença em um falso deus iriam alimentar o ritual para que a névoa possa cobrir Galway mais uma vez. Para que aqueles que foram esquecidos sejam lembrados pelo seu poder. Para que os olhos comecem a se abrir mais uma vez. Aquele que guarda o passado, o presente e o futuro é a chave para o verdadeiro despertar dos anciões!

O homem parecia um fanático… Sua fala era apaixonada e insana. Seu discurso parecia tecer as emoções daqueles que o escutavam. Eu me—— lembro… a sensação era… de um medo que parecia maior do que o que poderia se sentir. As palavras que saiam da boca de Ted Phillip criavam imagens que não se podiam compreender. Quando sua voz se calava, sussurros chegavam aos ouvidos. Nossos corpos estavam ali, mas, era como se nossos espíritos estivessem longe. Naquele momento era como se pudéssemos sentir algo olhando em nossa direção, a sensação vinha de todos os lados. Não tinha para onde fugir.

Ted olhava fixamente em nossa direção… Mas, não sabíamos exatamente para o que.

-E os Sathler? - perguntou Alexey em voz alta - e sua própria irmã, seu desgraçado!

-Bom… - Ted começou a responder - A pousada dos Sathler estava em um local de poder. O sangue de sua família alimentou o ritual e… Quanto a minha irmã…. Eu não podia arriscar que ela estragasse tudo. Eu realmente sinto muito…

-Então pelo menos você sente algum remorso - disse Thomas

-Eu realmente sinto muito... - repetiu Ted - Que eu mesma não pude tirar sua vida.

E então um tiro foi disparado.

Ele passou zunindo por nossos ouvidos.

E Ted Phillip caiu de joelhos com um buraco de bala bem em seu coração.

-Chegou… tarde… - Ted disse em voz baixa com muito esforço

Seu corpo, sem vida, tombou de lado.

Como se tivéssemos saído de um transe, olhamos para trás, para ver de onde veio o tiro.

-Você é… - Alexey começou a falar em voz baixa

-Lianna… - disse Oliver

-Desgraçado… - Lianna disse em voz baixa entre os dentes

Lágrimas escorriam de seus olhos, ela segurava a arma ainda apontando na direção de onde, poucos segundos atrás, estava Ted Phillip com vida.

-Brannon… - disse Alexey em voz baixa - Onde ele—- Brannon…

Ninguém nem se deu conta de que Brannon caminhou até o espelho d’água. Talvez nem ele mesmo estivesse fazendo aquilo conscientemente.

-Não faça isso, Brannon. - disse Alexey

-Eu… - Brannon começou a responder - Preciso ver… Preciso saber…

-Brannon! - disse Thomas em voz alta

Mas era tarde demais.

Brannon colocou a cabeça dentro do espelho d’água e… logo em seguida foi puxado para dentro dele. Essa… foi a última vez que o vi…

-Brannon! - gritou Alexey

Ele correu na direção do espelho d’água, mas quando estava se aproximando foi quando ela começou a sair… A névoa.

-Que merda é essa? - disse Alexey

-O que tá acontecendo? - disse Thomas

-O que… é… isso…. - disse Ryan com a voz fraca

Do espelho d’água vinha a névoa.

Da névoa vinham os sussurros.

Dos sussurros veio o caos.

-Y’ai’ng’ngah. Yog-Sothoth. H’ee-l’geb. F’ai throdog. Uaaah.

A névoa cobriu a sala em um piscar de olhos. Não enxergávamos uns aos outros, mas lembro claramente do que ouvi..

-Ahn…. - Ryan começou a gemer de forma estranha

-Ryan, o que você tá fazendo?! - gritava Thomas desesperado - Ryan! Me solta! Por favor, Ryan! Não… Ryan… não, Ryan… por favor…

-Ryan! Thomas! Oliver?! - Alexey gritava

Eu lembro dos sons de Thomas tentando lutar contra Ryan… O farfalhar das roupas… O som dele indo ao chão com a voz cada vez mais fraca… um forte estalo… O som da respiração de Ryan em meio a gemidos estranhos e então tiros abafados.

Fechei os olhos com tanta força… Escolhi as sombras dos olhos fechados a tentar saber se era Alexey ou Lianna que havia disparado… Se Thomas estava mesmo morto… Se Ryan realmente o teria matado… Se Brannon estaria em algum lugar… E foi quando senti uma brisa quente tocando meu rosto.

O caos havia desaparecido.

Quando abri os olhos, estava olhando por uma janela… Reconheci a cidade de Santiago de Compostela. Lembrei do desejo de ver onde São Tiago supostamente havia sido sepultado, de pensar na peregrinação dos Caminhos de Santiago… E lembrei que não estava sozinho ali.

Me virei sabendo exatamente para onde ir. Passei pela sala de estar, meus livros abertos em uma mesa, diversas anotações espalhadas por todos os lados.

Fui até o quarto e lá estava… Exatamente como me lembrava dele.

Não tenho palavras para descrever como sentia sua falta… Como gostaria de vê-lo novamente… Como gostaria de senti-lo novamente…

Foi quando olhei por cima de seus ombros e vi uma névoa passando pela janela.

Talvez ela soubesse exatamente o que eu queria…

Andei até o homem que nunca deixei de amar. Aquele que está morto… por minha causa.

Eu o beijei uma última vez e, sem olhar para trás, caminhei até a sacada do quarto e pulei.

Aquilo não era real.

Por mais que eu quisesse que fosse. Ele morreu por minha causa e não tem um dia que não me lembre do sangue que carrego em minhas mãos.

Estava em queda livre, em direção ao chão e apenas conseguia pensar que aquilo não era real.

Aquilo não era real…

Aquilo não era real…

Aquilo… não era…. real.

Quando meu corpo foi de encontro ao chão, o impacto nunca aconteceu. Eu abri os olhos assustados e me vi de frente para um abismo de escuridão. Sombras me cercavam. Me virei e vi Lianna, exatamente na mesma posição que estava na sala. O rosto marcado pelas lágrimas, o braço erguido empunhando a pistola que havia tirado a vida de Ted e, atrás dela, a névoa vinha em nossa direção.

Eu a chamei.

Ela olhou para mim.

-E agora? - Lianna disse

Pedi que confiasse em mim. Pedi que me seguisse.

E pulei no abismo de escuridão. Os sons aos poucos eram abafados assim como minha visão. Podia apenas rezar para que Lianna tivesse me escutado.

Aquilo não era real…

Aquilo não era real…

Aquilo… não era…. real.

Respirei fundo e, quando me dei conta, estava de volta na sala. A névoa já não era tão densa e não cobria mais todo o lugar. Embora parte de mim desejasse que cobrisse, pois assim não teria visto aquela cena trágica…

No espelho d’água havia apenas a lembrança de Brannon. Sangue escorria do corpo sem vida de Ted em direção à água. Alguns passos à minha frente estava o corpo sem vida de Thomas com as marcas do estrangulamento em seu pescoço. Do seu lado estava o corpo de Ryan ensanguentado… Perfurado por diversos tiros.

Do meu lado, Lianna havia largado sua arma e estava apoiada na parede com os olhos arregalados e lágrimas ainda percorrendo seu rosto.

-Me desculpa, Alexa… eu senti tanto sua falta… - Ela dizia quase em um sussurro

Do meu outro lado, Alexey respirava forte e com dificuldade apontando a arma para o outro lado da sala na direção daquela coisa que havíamos visto na caverna.

-Alexey—- - eu disse

-Professor… Fico feliz que ainda seja você… - disse Alexey - É melhor sair daqui. Acho que sabe o que fazer…

-Como você—? - eu perguntei

-Acho que não temos tempo para isso, Oliver. - Alexey respondeu

-Obrigado. - eu disse

-Anda logo, professor. - Alexey disse

Eu assenti com a cabeça, me virei para Lianna, tentei sacudí-la, chamá-la, mas ela não estava ali.

-Eu te amo, Alexa… Eu te amo - Lianna sussurrava

-Oliver. - disse Alexey me apressando

Olhei para Alexey uma última vez e me virei para correr.

-Це кінець для нас… - disse Alexey

Corri o mais rápido que era possível. Olhando para meus pés, podia ver a névoa tentando me alcançar. Subi os degraus e fechei o portão. Escutei o som dos tiros ecoando pelo corredor de pedra e o som de um miado ao meu lado.

O gato olhava fixamente para mim com aqueles olhos humanos. Eu sabia o que fazer.

Ele caminhou até o portão e ficou em cima da fechadura. Atrás dele eu vi aquela… Coisa caminhando rapidamente em nossa direção com a névoa atrás dele cobrindo o corredor inteiro… Vários globos luminosos surgiam em meio a névoa… Lentamente eles se abriam, como olhos…

Eu puxei a adaga que havia encontrado na mansão. O corte em minha mão que aquele ser na caverna havia feito pulsava, como se me guiasse para o que deveria ser feito.

E eu a deixei agir.

Um sangue que não era vermelho escorreu do gato pelo portão e, pouco tempo depois, ouvi uma pancada forte de algo grande se chocando contra ele. Gritos desumanos de frustração chegavam a meus ouvidos.

Caí de costas e me arrastei pelo chão com o pouco de força que me restava, escutando aquela sinfonia que parecia sair direto de um pesadelo. Rezava para que aquele portão não cedesse..

E ali fiquei até que os gritos e as pancadas pararam. Pelo portão, pude ver os olhos daquela coisa me encarando… Até que ele começou a desaparecer em uma escuridão que voltou a tomar o que estava por trás daquele portão. De repente, não havia mais coisa, não havia mais névoa, apenas trevas.

Me levantei algum tempo depois… Não sei quanto tempo havia passado para falar a verdade. Olhei para o chão e as palavras em gaélico que fizeram Brannon sorrir uma última vez continuavam a brilhar fracamente com aquela luz verde de um cubo que já não era mais possível de ver.

Eu, sinceramente, não sei o que aconteceu. Não sei o que teria acontecido se as coisas tivessem sido diferentes. Existem várias perguntas que permanecerão sem respostas, já que aqueles que poderiam respondê-las não estão mais entre nós.

Alexey… Branon… Ryan… Thomas… Lianna… Sarah… Alexa… Os Sathler… Tantas mortes… Um rastro de sangue que manchou nossas vidas...

Se fomos vítimas do acaso, pessoas no lugar errado na hora errada… Ou se estávamos destinados a passar por isso… Eu nunca saberei.

Eu pensei por algum tempo que Ryan tivesse a resposta… Me lembrei de quando estávamos naquele carro e ele disse que veio para cá com alguns pertences que não eram dele. Mas… quando fui procurar esses pertences no hotel onde ele estava hospedado, não havia mais nada em seu quarto. Se ele tinha as respostas, alguém as levou embora de Galway.

E essa é a história do que aconteceu em Galway no ano de 1984...

E agora… Continuarei sendo um estranho para mim… Irei reviver as memórias que, muitos dias, sequer lembro serem minhas… Continuarei contando esta história que, muitas vezes, nem lembro ter vivido… Continuarei existindo nas sombras que Galway lançou sobre mim... Para tentar impedir que o que aconteceu com Alexey, Brannon, Ryan, Thomas, Lianna e tantas outras vítimas se repita…

Me lembro das últimas palavras que Alexey disse… Pelo menos as últimas que ouvi: “Це кінець для нас”. Não foi a primeira vez que ele disse essas palavras e me lembro de quando perguntei o que elas significavam… Ele tirou um cigarro do bolso e me chamou para fumar com ele e me disse. “Bom, professor, isso significa ‘É o fim para nós’.”... Parece que era mesmo, meu amigo.

Escute…

(grito e martelada)

Eu gosto de me concentrar no som do mar…

(grito e outra martelada)

O vento trazendo sussurros aos meus ouvidos…

(Ted: Ponham ela na cruz)

Este.. silêncio… Esta paz….

Eu sinto falta disso.

(PAN PANANAN)

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