Prólogo
Epílogo
Conto
Consegue escutar? As vozes nas sombras? Os sussurros que o vento traz aos ouvidos? O mar? Eu escuto faz algum tempo… Os gritos em meio às chamas, os lamentos… Lembranças que parecem não me pertencer. Lembranças que em certos momentos não gostaria de ter… Seja lá de quem forem essas lembranças… Quem essas vozes e sussurros buscam… Tenho pena do pobre coitado.
Galway não é mais a mesma… e acho que nunca vai voltar a ser o que já foi um dia. Alguém me disse isso? Acho que não…
Esse lugar tem uma energia estranha, eu estava evitando vir para cá, mas foi necessário para continuar contando a história do grupo que veio parar no condado de Galway… Estamos pisando sobre a pousada de Richard Sathler. Um homem que nasceu e cresceu um pouco afastado do condado, mas ainda dentro das terras de Galway. Criou sua família aqui, brincou com seus filhos, acolheu viajantes mas ignorou as sombras que o cercavam.
Alexey, Brannon, Oliver, Ryan e Thomas conheceram Richard. A continuação da história que estou contando em breve vai chegar a esse momento. Se minha memória não estiver me pregando peças, acredito que a história havia parado pouco tempo depois de Oliver ter conversado com a visão de Alexa em chamas em sua banheira. De Alexey ter apontado a arma para um gato, com olhos de gente, que havia lhes deixado uma espécie de mapa antes de desaparecer na chuva fina que caía na noite mais escura daquele condado.
O vento frio soprava para dentro da casa de Oliver que ainda estava encarando a escuridão na cidade.
-Ei, Oliver… Acho melhor fechar a porta. - Disse Thomas
Oliver ouviu a voz de Thomas como se fosse alguém o chamando de muito longe. Ele levou algum tempo até se virar e ver que todos o encaravam com olhares preocupados.
-Vamos, Oliver. Feche a porta, nada de bom vai vir daí de fora. - Disse Alexey guardando a arma tentando manter o tom de voz firme
Ainda em uma espécie de transe, Oliver fechou a porta com um movimento lento e foi se sentar em uma das poltronas na sala. Alexey foi em direção da janela procurando qualquer indício de alguém os observando, enquanto Ryan e Brannon foram até Thomas para ver o que o gato havia deixado para eles.
-O que é isso? - Perguntou Brannon
-Parece um mapa… - Respondeu Thomas
-Mapa de onde? - Disse Ryan esticando o braço pedindo o mapa para Thomas, que o entregou.
-Eu não faço ideia… Só tem uns símbolos esquisitos - Disse Thomas entregando o mapa para Ryan
-Precisamos ir para Silverstrand… Encontrar um homem chamado Richard - Oliver disse em voz baixa
-É o mesmo Richard da fita? - Perguntou Alexey
-Imagino que sim… - Respondeu Oliver
-Querem ir agora? - Perguntou Ryan, aparentemente irritado sem entender o mapa e acendendo seu charuto
-Eu não sei se--- - Brannon começou a responder mas foi interrompido por Alexey
-É melhor descansarmos por hoje. - Disse Alexey - Essa noite está mais estranha e escura que o de costume…
-Eu realmente não quero voltar pra igreja a essa hora… - Disse Thomas enquanto largava o mapa em cima da mesa
-Descansem aqui. Tem 4 camas no andar de cima e eu posso ficar no sofá - Disse Oliver
-Não, professor. - Disse Alexey - Pode ir descansar na sua cama, eu prefiro ficar aqui embaixo.
Alexey notou que Oliver ainda parecia estar em choque. Seja lá o que ele tivesse visto no andar de cima, aquilo parecia ter abalado o âmago do pobre homem. Sem muita conversa, todos notaram depois daquele momento de silêncio o quanto estavam cansados. Brannon havia caminhado por mais de uma hora na escuridão do condado até chegar ali. Thomas estava mentalmente exausto depois do que quer que tenha acontecido na igreja. Ryan havia saído às pressas de seu quarto de hotel depois de receber o martelo com sangue. Alexey tinha a impressão de que estavam sendo vigiado a todo momento… Ainda mais depois de receber uma fita cassete e uma foto.
Naquela noite, nenhum dos homens na casa de Oliver conseguiu dormir direito. O próprio Oliver se perguntava se, as vezes, ele estava em um pesadelo ou apenas se estava encarando as sombras em seu aposento por muito tempo. Sua mente divagava por lembranças de um passado que ele tentava esquecer a cada dia que passava… Talvez ele apenas estivesse pagando o preço pelo o que aconteceu em Compostela… Talvez… ele ainda esteja…
No quarto de hóspedes, Thomas olhava de sua cama pela janela, encarando a noite escura que assolava Galway, os pingos de uma garoa ganhando força se chocavam contra a janela, o vento sussurrava por alguma pequena fresta palavras que ele não entendia e tentava ignorar. Quando fechava os olhos, ele se via relembrando o que aconteceu na igreja… Quem era o homem que estava falando com Augustus? O que aconteceu com ele quando foi voltar para seus aposentos? Os últimos acontecimentos não faziam sentido algum e ele não sabia se tinha mais medo de tirar alguma razão destes acontecimentos do que deixar que continuassem sendo mistérios.
Brannon, que estava na cama de baixo do beliche de Thomas, havia desistido de tentar dormir fazia algum tempo. Olhava fixo para cima, não que conseguisse enxergar alguma coisa, mas o som da madeira rangendo do estrado do beliche o mantinha desperto para a realidade. Ainda sentia o calafrio de sua caminhada do hospital até a casa de Oliver. Sentia que alguma coisa nas sombras do condado devia estar tentando entrar na casa naquele instante.
Na cama do outro lado do quarto, Ryan estava deitado de lado olhando fixamente para a parede. Ele não conseguia tirar o martelo de sua cabeça, o sangue escorrendo do pano em suas mãos e… nada daquilo era verdade? Ele se questionava se estava perdendo a cabeça… Pelo o que os outros falaram, ninguém chegou até Galway como ele… Levado na traseira de um carro desconhecido, com alguns pertences que nem eram dele no meio de alguns itens pessoais. Quem queria que ele estivesse ali e por que?
No andar debaixo, Alexey estava deitado no sofá com um cigarro aceso na boca enquanto apontava a arma na direção da porta, como se esperasse alguém entrar lá a qualquer instante. Ele pensava que alguma coisa de seu passado o estava perseguindo, mas isso não fazia mais sentido, algo estranho, talvez até sinistro estava acontecendo ali.
-"Do que você está fugindo?"... - Alexey disse em voz baixa.
Foi o que o homem perguntou em russo para ele naquele telefone público na manhã em que os eventos estranhos começaram a acontecer. Desde então ele havia visto um homem morto em uma mansão na qual ele foi convidado para ir. Encontraram um cubo misterioso. Receberam, de uma coruja, um brinco que encaixava no cubo. Aparentemente um gato deixou uma fita cassete, uma foto e um mapa para eles.
-нічого не має сенсу - Resmungou em voz baixa apagando o cigarro em um cinzeiro na mesa
Colocou a arma embaixo do travesseiro e continuou encarando a porta. Aos poucos o som ritmado das gotas da chuva, que parecia ganhar força, se chocavam contra a casa hipnotizando cada um dos homens ali dentro, aos poucos a realidade e o sonho pareciam se misturar cada vez mais. A água parecia ganhar cada vez mais volume e aos poucos eles sentiam o mar olhando para eles e, quando alguém tentava encarar o mar a sensação era de que eles eram tão pequenos e inferiores… O medo crescia, algo estava acontecendo, algo estava se manifestando… alguma coisa---
Alguma coisa não estava certa.
Enfim… Quando a luminosidade começou a aparecer pelas janelas, todos ali se levantaram quase que imediatamente. Alguns conseguiram dormir um pouco mais e outros menos. Trocando olhares cansados, eles se dirigiam até a cozinha para preparar algo para comer. Oliver insistiu que eles se sentassem à mesa que ele levaria o café. Ele ainda era o anfitrião daquela casa e, pelo menos sobre isso, ele ainda tinha o controle.
-Não quer ajuda mesmo? - Perguntou Brannon
O professor apenas fez que não com a cabeça. Brannon aproveitou o momento de espera e foi até a mesa onde abriu um de seus cadernos e começou a copiar o mapa que haviam recebido na noite passada.
-Conseguiu alguma coisa? - Perguntou Thomas se sentando a mesa
-Não. - Respondeu Brannon - Não faz sentido nenhum.
-Nada faz sentido nessa merda de lugar. - Disse Ryan resmungando sentado a mesa
-Não parece com nenhum alfabeto que eu conheça… - Disse Alexey olhando por cima do ombro de Brannon que estava com o mapa aberto em cima da mesa
-Com um pouco de sorte, isso vai fazer algum sentido quando a gente falar com o tal Richard na pousada. - Disse Brannon
-Ou a gente só vai sair de lá com mais perguntas… - Disse Thomas
-Vamos apenas torcer para que tenham algumas respostas. - Disse Oliver levando o café ao mesa - Sirvam-se, eu vou sair para alugar um carro.
-É verdade, professor, bem pensado. - Disse Alexey - É melhor não depender de táxis.
Oliver estava pegando alguns de seus pertences para sair quando olhou para a secretária eletrônica. A fita de Alexa ainda estava lá… Uma última mensagem para Lianna que, talvez, ela nunca tivesse tido a oportunidade de escutar. Ele olhou na direção da mesa onde os outros estavam comendo para ver se alguém estava olhando para ele e então pegou a fita da secretária tentando não fazer barulho e saiu apressado de casa.
Ela merecia aquilo. Deus sabe como ele gostaria de ter uma fita daquelas…
O professor andou pisando em poças no condado cinzento e chuvoso de Galway. O vento gelado e a chuva no rosto trazia uma sensação de estar vivo que ele precisava sentir depois da noite passada. Ele caminhou sem rumo a princípio, apenas precisava caminhar. Depois de alguns minutos ele procurou um táxi que o levasse até a estação de trem. Ele lembrava de ter visto um lugar pequeno que alugava carros quando chegou no condado.
Depois de algum tempo, ele estava voltando para o centro de Galway em um Skoda S100 de 1971 prata. Oliver não entendia nada de carros e a pessoa responsável não tinha muitas opções. Por fim ele escolheu a opção que parecia mais confortável para acomodar todos eles.
Oliver queria ir para a pousada o quanto antes, mas… ele tinha que fazer uma coisa antes de voltar para casa.
Ele fez um desvio com o carro em direção a delegacia de Galway.
Oliver estacionou o carro na rua ao lado da delegacia. Depois de toda a loucura que vivenciaram, tantas perguntas e incertezas… Ele não sabia se a polícia seria confiável e preferiu que não vissem o carro que estava dirigindo.
Por alguns minutos, Oliver ficou dentro do carro escutando a chuva que caía do lado de fora enquanto segurava a fita com a mensagem de Alexa. Ele sabia que Lianna merecia ouvir aquela mensagem… Mas era um risco que ele estava correndo. Se ela começasse a perguntar sobre o conteúdo da fita? Se depois ela fosse atrás dele?
Ele colocou a fita dentro do bolso interno do sobretudo e saiu do carro, era melhor fazer aquilo logo antes que mudasse de ideia.
Dentro da delegacia, Lianna estava sentada atrás do balcão, com uma das mãos segurava uma xícara de café e com a outra brincava com uma caneta passando por entre os dedos. Ela estava sozinha naquele andar da delegacia naquela manhã. Ela não conseguiu dormir direito… Ela iria demorar para ter uma boa noite de sono novamente depois dos acontecimentos do dia anterior.
O corpo de Alexa, sem vida, caído no chão. O sangue sendo levado pela chuva. O desconhecido que atirou contra ela morto dentro do carro. Nenhuma identidade, um carro que não era de Galway.
-Quem foi que fez isso Alexa… E por que? - Disse Lianna em voz baixa
Lianna queria descobrir o que havia acontecido. Quem teria matado Alexa e por que? Sua mente não conseguia se concentrar, ela esperava que o café fosse o suficiente para fazer com que seu corpo ignorasse o cansaço, mas parecia não estar funcionando. Ela nem notou quando Oliver entrou na delegacia e demorou para ver o homem parado na frente do balcão perguntando se estava tudo bem com ela.
-Desculpa - Disse Lianna colocando a xícara de café de lado - Eu… Estava com a cabeça cheia. Em que posso ajudá-lo?
-Imagina… Não se preocupe. - Respondeu Oliver - Lianna, não é?
-Isso. Algum problema, senhor…? - Disse Lianna
-Eu… Eu… Acredito que isso chegou até mim por engano. - Disse Oliver colocando o pano com a fita em cima do balcão
-Uma fita? - Perguntou Lianna tirando a fita do pano
-Espero que isso te ajude. Eu--- - Oliver começou a se enrolar - Estou com pressa e... Eu sinto muito.
-Ei, senhor! Espera! - Disse Lianna em voz alta
Mas Oliver já tinha saído apressado.
Lianna encarou a porta da delegacia se fechando e depois olhou para sua mão que ainda segurava a pequena fita que o homem havia deixado com ela.
-Quem é você? E o que tem aqui? - Disse Lianna em voz baixa
Na casa de Oliver, o grupo havia encontrado um guia do condado de Galway para ver o melhor caminho para Silverstrand. Thomas havia encontrado o cubo escondido no armário de bebidas e ficou sentado virando ele de um lado para o outro olhando as estranhas inscrições… Brannon escreveu em uma página que às vezes se preocupava que o cubo tivesse algum tipo de influência sobre Thomas. Afinal, ele o encontrou na mansão… Depois de algum tempo esperando, escutaram o motor de um carro parando na frente da casa de Oliver.
-É o professor. Vamos. - Disse Alexey.
O grupo pegou seus pertences, incluindo o mapa, a foto de Alexa e Ted e o cubo. Colocaram na maleta de Brannon junto com seus cadernos e saíram de casa em direção ao carro enquanto Oliver descia para abrir o porta-malas.
-Eu vou na frente. - Disse Ryan entrando pela porta do passageiro
Brannon e Thomas entraram no banco de trás enquanto Alexey ficou do lado de fora com Oliver enquanto ele fechava o porta-malas.
-Entregou a fita para ela? - Perguntou Alexey
Oliver ficou em silêncio. Ele pensou que ninguém tinha visto ele.
-Vamos, professor. - Continuou Alexey - Não estou aqui para julgar.
-Sim. - Oliver respondeu em voz baixa
-Bom, espero que isso não nos cause problemas. - Disse Alexey - Mas não adianta ficar pensando nisso agora.
E então ele entrou no banco de trás, se juntando a Brannon e Thomas. Oliver ficou parado por alguns instantes na chuva pensando se tinha feito a coisa certa…
-Anda! Não temos o dia todo! - Ryan falou em voz alta buzinando
Oliver despertou de suas incertezas e entrou no carro dando partida. Ryan puxou o mapa que tinha no bolso e começou a dar as direções para o professor que dirigia o carro na chuva de Galway.
Quanto mais se afastavam do centro do condado, mais tinham uma sensação estranha… Não era exatamente alívio, mas o ar era diferente para onde estavam indo… É como se alguma coisa estivesse vigiando seus movimentos, seguindo seus passos. Eles se sentiam… insignificantes. Peças pequenas em um tabuleiro de xadrez de um tamanho inimaginável.
-Vira aqui à direita. - Disse Ryan - Lá no final é a estrada principal que vai pra pousada.
A viagem prosseguiu com a voz de Ryan indicando o caminho para Oliver que dirigia em silêncio. Thomas olhava pela janela vendo a paisagem mudar quanto mais dirigiam. As casas do condado foram deixadas para trás e, agora, boa parte da estrada eram terrenos vazios, algumas poucas propriedades afastadas, o mar ao fundo. Foi quando ele viu ao longe a cruz onde Sarah McCardel havia sido crucificada.
-Por que fizeram isso com a Sarah… -Thomas Disse em voz baixa
-O que disse? - Perguntou Alexey
-Nada… - Respondeu Thomas - Só tô admirando a paisagem.
-Humph - Resmungou Alexey
Alexey também estava olhando o caminho que faziam. Memorizando curvas, locais de referências e coisas do tipo. A verdade é que ele estava tentando manter a mente ocupada para não ficar pensando no cubo no porta-malas. Ele estava com uma sensação estranha a respeito dele… Não era seguro deixá-lo na casa de Oliver sozinho depois dos acontecimentos recentes, mas ele também não se sentia a vontade de levá-lo por aí. De todas as perguntas que tinha feito para si desde que chegou em Galway, boa parte tinha alguma explicação lógica para o que estava acontecendo. As mortes eram apenas um reflexo do lado podre da humanidade. As crucificações eram uma possível manifestação nefasta dos responsáveis por tal crime. Mas aquele cubo era diferente… Ele não parecia real. É claro que ele podia tocá-lo e senti-lo, mas… Ele não parecia ter sido feito por mãos humanas e isso o deixava desconcertado.
Brannon estava revirando por algumas anotações em seus cadernos, checando na paisagem se encontrava algo que pudesse bater com os sinais daquele estranho mapa que
eles receberam na noite passada. Eventualmente ele apenas deixou de lado essa ideia, porque a estrada não era das melhores, sua cabeça estava começando a doer por tentar se concentrar na leitura. Então passou a olhar pela janela se concentrando nas gotas de chuva contra o vidro do carro. Torcendo para que conseguissem algumas respostas com o tal Richard na pousada em Silverstrand.
-Acho que é ali. - Disse Ryan
-Parece que sim. - Respondeu Alexey
Mais a frente eles viram algumas casas simples em um trecho mais aberto da estrada. O local lembrava uma pequena praça… Pode-se dizer que, neste ponto, o passado encontra o presente… Estou parado no mesmo lugar que eles estavam vendo pela primeira vez. A esquerda eles viram 3 casas pequenas. Todas fechadas e aparentemente abandonadas.
A direita havia uma casa um pouco maior, um letreiro de madeira dizia "Pousada Sathler". E ao lado desta casa tinha um pequeno galpão com sua porta fechada.
-Bom, então vamos. - Brannon falou e desceu do carro
-Espero que já estejam servindo o almoço. - Disse Thomas descendo do carro
Todos pegaram seus pertences e caminharam até a pousada.
-As casas estão abandonadas? - Perguntou Brannon
-Estranho isso… - Falou Alexey em voz baixa.
-É melhor torcer pro Richard estar em casa - Disse Thomas
Thomas estava ajeitando o colarinho e deixando o crucifixo à mostra. Aos poucos, todos subiram os 3 degraus que os levaram até a pousada.
-O lugar é bem bonito. - Disse Brannon
-É mesmo… - Concordou Oliver em voz baixa
-Olá? - Falou Alexey um pouco mais alto
-Estou indo! Só um instante. - Uma voz masculina gritou mais a frente
A pousada ficava próxima de um penhasco com vista para a praia. Uma porta na lateral da pousada dava acesso a uma longa escada de madeira que ia até um pequeno cais improvisado onde um barco de porte médio estava ancorado lá embaixo. O mar estava um pouco agitado e o vento fazia a pousada ranger.
-Bom dia, desculpe a demora. Como posso ajudá-los? - Disse o homem.
Um homem de mais ou menos 1,80m, cabelo bagunçado, óculos de lente redonda vestindo uma camisa social e calça jeans apareceu de uma porta de trás do balcão da recepção
-Bom dia, o senhor é o Richard? - Disse Brannon tomando a frente do grupo
-Ah, sim. Sou eu - Richard respondeu limpando seus óculos. - Desculpe, eu conheço vocês?
-Não, não. Mas gostaríamos de conversar com o senhor se não tiver problemas - Continuou Brannon - Eu me chamo Brannon, sou do jornal de Dublin
-É um prazer, Brannon. - Richard respondeu apertando a mão dele - Confesso que estou até curioso para saber como um jornalista vindo de tão longe soube de mim. Ah, vocês estão todos juntos?
-Sim, sim. - Disse Brannon
Richard ergueu as sobrancelhas em um olhar curioso quando viu o estranho grupo. Ele já estava sem entender o que um jornalista de Dublin queria com ele, mas ver ele junto de pessoas tão diferentes entre si o fazia pensar se ele tinha feito algo de errado.
-Onde estão meus modos... Estão com fome? Eu estava preparando o almoço pro único hóspede da pousada, mas caso quiserem almoçar são 4 libras irlandesas por pessoa. A área de refeição fica em frente seguindo o corredor. - Disse Richard
Todos se entreolharam. Eles passaram quase 2 horas na estrada, estavam no começo da tarde e uma pausa para sentar e comer faria bem. Então assentiram com a cabeça.
-Então pode fazer 6 pratos. - Disse Alexey - Almoce conosco.
Richard sorriu com o convite, fez que sim com a cabeça e entrou pela porta atrás do balcão novamente. Oliver tirou algumas notas do bolso e colocou em cima do balcão. O grupo se dirigiu pelo corredor até um cômodo com 3 mesas de madeira e com janelas grandes.
-Tá legal, qual é o plano? - Perguntou Thomas acendendo um cigarro e olhando pela janela
-A gente precisa descobrir o que ele sabe sobre a Alexa - Respondeu Brannon
-Naquela fita parecia que ela já tinha conversado com ele antes - Alexey falou
-É. Tanto que ele falou que elas podiam ficar aqui. - Disse Brannon, pensativo - O que acha, Oliver? Oliver?
O professor não estava prestando atenção ao diálogo dos outros. Ele estava olhando atentamente pela janela. A claridade de um céu nublado, a chuva que caía do lado de fora, as ondas do mar se agitando cada vez mais… A visão era linda e assustadora ao mesmo tempo. A pousada rangia com o vento soprando contra a madeira, o som da chuva e das ondas fizeram com que Oliver fosse levado dali. Aos poucos sua mente era levada para o meio daqueles sons… Como se tivesse algo por trás daquilo.
-Professor, o senhor está bem? - Perguntou Alexey colocando a mão no ombro de Oliver
-Eu… estou bem. - Oliver respondeu - Só me distraí com a vista.
-Se você diz. - Respondeu Alexey
Alexey parecia desconfiado de Oliver. Ele encarou o professor por algum tempo até que ouviram o som de passos no corredor.
-Raramente tenho tantas pessoas na pousada ao mesmo tempo - Disse Richard entrando no cômodo - Espero que a comida esteja do agrado de vocês. Peixe com batatas e o tempero da casa.
Um a um agradeceram Richard conforme ele colocava os pratos nas mesas. Eles não sabiam ainda naquele momento, mas essa era uma das últimas refeições que fariam com um pouco mais de tranquilidade.
-Estava uma delícia, Richard - disse Thomas
-Fico feliz que tenham gostado - Disse Richard - Mas… Estou curioso para saber o que vieram fazer aqui.
-Bom. - Disse Brannon se ajeitando na cadeira - Estamos aqui por causa da Alexa.
-Ahn? Ela está bem? - Richard parecia preocupado
-Ela… - Brannon começou a falar
-Ela está morta. - Disse Oliver em voz baixa.
-O que disse? - Richard se virou para Oliver
Richard olhou para o restante do grupo esperando para ver a reação deles. Infelizmente seus rostos confirmavam que o que Oliver disse era verdade.
-Como? - Perguntou Richard - Quem são vocês?
Brannon tomou a dianteira da conversa apresentando ele e seus colegas. Ele foi sincero com Richard, mas omitiu os fatos mais estranhos que vivenciaram nos últimos dias. Não disse nada sobre o corpo que encontraram na mansão nem do cubo misterioso que encontraram. Não falou sobre a visão de uma Alexa em chamas na banheira na casa de Oliver. Nem eles entendiam pelo o que estavam passando para tentar explicar esses acontecimentos para outra pessoa.
-Deve ter sido o irmão dela - Disse Richard - Só pode ter sido ele…
-Por que acha isso? - Perguntou Alexey
-Ele é um sujeito estranho. - Richard começou a responder - Bom, ele não era sempre assim pelo o que falam. Não conheço ele tão bem assim.
-Como você conhece ele? - Perguntou Brannon abrindo um caderno de anotações
-A Alexa sempre gostou de vir pra esses lados de Galway… - Richard começou a responder claramente emocionado - Eu a conheci ainda criança. Essa pousada está na minha família há 3 gerações, sabe? Os Phillips sempre vinham pra cá algumas vezes ao ano. Mas depois de um tempo só a Alexa vinha pra cá. As vezes ela trazia a Lianna junto. Elas gostavam de ir ali onde ficavam os barcos… Tem uma praia seguindo uma viagem de 1 hora de barco mais ou menos que as vezes a gente ia... Ela é muito gentil… Era…
Richard suspirou levando a mão ao rosto. Alexey levantou, encheu metade de um copo com o que ainda tinha na sua whiskeira e o colocou na frente de Richard.
-Eu sinto muito, Richard. - Alexey disse dando dois tapas no ombro do homem - Sei como se sente. Peço desculpas por te dar essa notícia assim e não te deixar passar pelo seu luto… Mas, entenda… Nós precisamos entender o que está acontecendo em Galway.
-Claro, claro… - Disse Richard pegando o copo com a bebida que Alexey o serviu e dando um gole - Bom… O que vocês querem saber?
Naquele instante, Ryan e Thomas notaram que havia um homem parado na entrada da sala de refeição. Ele era grande e corpulento com cabelo escuro e bagunçado, uma barba tão grande e tão bagunçada quanto seu cabelo e encarava o grupo. Thomas olhou para Ryan e em uma conversa silenciosa ambos foram na direção do corredor.
O homem não tentou fugir nem nada parecido. Apenas recuou alguns passos e andou calmamente até a recepção da pousada, seguido por Ryan e Thomas, que deixaram os outros conversando com Richard.
Quando chegaram na recepção, o homem se sentou em uma cadeira e, enquanto preparava um cachimbo para fumar, falou com Ryan e Thomas.
-Vejo que não sou mais o único hóspede aqui da pousada. - Disse o estranho
-Estamos apenas de passagem. - Disse Ryan - E você?
-Algo do tipo. - O estranho respondeu - Aliás, o nome é Logan
-Ryan - Ryan disse e sentou em uma cadeira do outro lado acendendo um charuto
-O barco lá embaixo é seu, Logan? - Perguntou Thomas
Thomas reparou que as roupas que Logan estava usando pareciam bastante com as de alguns marinheiros com quem negociou no passado.
-Sim. - Logan respondeu
-É um belo barco. - Acrescentou Thomas
-O que veio fazer aqui? - Perguntou Ryan
-Vocês querem ouvir a verdade? - Perguntou Logan
-É tão difícil de acreditar assim? - Perguntou Thomas
O cheiro de tabaco começava a se misturar com o cheiro do mar e de terra e grama molhada. A madeira rangia com o vento da costa na pousada enquanto era suavemente alvo da chuva que continuava a cair. Depois de fumar o cachimbo, Logan voltou a falar.
-Sabe como costumam usar a expressão "História de pescador" para mentiras? - Disse Logan
-Só não é pior que a dos políticos. - Respondeu Thomas
Logan deu uma risada fraca e voltou a falar
-Bom… A minha é verdadeira. - Logan disse - Por mais estranha que ela pareça. Faz um bom tempo já que estava no mar… Eu saí de Doolin para pescar, passar uns dias no mar perto das ilhas e depois voltar. Num fim de tarde com mais neblina do que a fumaça desse cachimbo eu comecei a escutar uma voz… Era como se o mar estivesse me chamando. Fui pro convés pra ver o que estava acontecendo… Não tinha ninguém. Era só o vento e a água batendo no casco do barco. O mar parecia até mais calmo do que imaginava pra ser sincero… Mas eu fiquei ali por um bom tempo, alguma coisa queria que eu ficasse por ali, sei lá…
Logan fez uma pausa para fumar mais do cachimbo. Ryan e Thomas sentiam como se estivessem dentro daquela história. Thomas segurava um cigarro apagado sem tirar os olhos do marinheiro. Ryan estava na ponta da cadeira fumando seu charuto, aguardando pacientemente a continuação da história. Era como se estivessem ouvindo um pedaço de uma história que fazia parte do que eles estavam passando em Galway. Será que era assim que outra pessoa se sentiria se eles contassem sobre os acontecimentos estranhos que vivenciaram?
-Enfim - Logan continuou - Depois de um tempo sem enxergar nada a neblina começou a melhorar. Na frente do barco, uns bons metros de distância eu vi uma praia e o que parecia ser a entrada de uma gruta ou uma caverna. Aquilo me chamou a atenção, sabe? Era pra eu estar bem longe de terra firme quando vi esse lugar. Eu fui voltar pra cabine pra checar o mapa, tentar entender onde é que eu tinha ido parar. Foi ai que eu ouvi… De novo…
-O que? - Perguntou Thomas um pouco apreensivo
-O mar me chamar. - Respondeu Logan sério.
Um silêncio se fez naquele momento e, por um instante, o som do mar pareceu maior que o da chuva. Será que Ryan e Thomas também ouviram o mar chamando por eles naquele momento?
-E o que era? - Perguntou Ryan apreensivo
-Eu fui pra lateral do deque e olhei pro mar- Continuou Logan - E tinha uma sombra imensa embaixo do barco. Na hora eu pensei que era uma baleia ou alguma coisa assim… Mas essa sombra não se mexia. Eu fiquei encarando aquele negócio por um bom tempo, não conseguia desviar o olho… Nem sei se eu pisquei aquela hora… O problema foi quando a sombra me encarou de novo.
-Como assim? - Perguntou Thomas
-Heh. - Logan deu uma risada fraca tentando afastar o medo talvez - Sei que parece mentira, mas eu só lembro que essa sombra piscou. Era um olho. Quando eu olhei praquilo minha mente só… desligou. Eu acordei com o barco batendo naquele cais improvisado ali embaixo. Fiquei um tempo deitado no convés ainda pensando no que tinha acontecido. Até que criei coragem e levantei pra ver onde eu estava.
-Você não lembra de ter chegado aqui? - Perguntou Ryan
-Não... - Logan respondeu em voz baixa - Só lembro de ouvir o Richard gritando perguntando se tinha alguém no barco. Faz 3 dias desde que cheguei, dormi a maior parte deles… Ouvindo o mar me chamar…
Logan ficou em silêncio olhando pela janela. Ryan ficou pensando na história que ouviu por algum tempo… Ele mesmo não sabia porque estava em Galway. Apenas havia sido levado para esse lugar. E, por mais que nada o impedia de ir embora, ele continuava em Galway. Cada vez mais sendo puxado para um jogo que ele nunca pediu para fazer parte, mas continuava jogando.
-Eu queria ir até aquela caverna. - Logan disse
-Por que? - Perguntou Thomas sério
-Acho que vou encontrar algumas respostas naquele lugar. - Logan respondeu - Ou pelo menos vou parar de ver ele cada vez que fecho os olhos… Sinceramente, acho que eu não quero ir lá. Mas eu preciso.
Thomas e Ryan se entreolharam sem saber o que dizer. Para a sorte deles, Brannon apareceu no corredor chamando os dois para conversar. Eles até falaram alguma coisa para Logan, mas ele estava tão distraído em seus próprios pensamentos que nem sequer virou a cabeça. Seus olhos estavam fixos na janela, encarando o mar no horizonte… Ou a entrada da caverna que não deixava sua mente em paz.
-O que foi? - Perguntou Ryan
-Bom - Começou a responder Brannon - Parece que temos uma pista pra onde ir.
-Onde? - Perguntou Thomas
-Parece que tem uma entrada pra uma caverna ou algo do tipo em uma praia perto daqui. - Brannon folheava algumas anotações enquanto falava - O Richard disse que, as vezes, via o Ted, o irmão da Alexa, pegando um barco de noite. Que provavelmente ele ia pra lá, porque não tem mais nada por aqui.
Ryan e Thomas se olharam assim que Brannon mencionou a palavra caverna. Muito provavelmente o destino, ou seja lá o que tinha levado eles até Galway, continuava a agir de forma misteriosa.
-Tudo bem com vocês? - Perguntou Brannon
-A gente estava conversando com o outro hóspede da pousada enquanto isso - Disse Thomas
-E ele também falou de uma caverna em uma praia. - Completou Ryan
-O que mais ele disse? - Perguntou Brannon
-É melhor falar pro pessoal pegar uma bebida… - Disse Thomas dando alguns tapas no ombro de Brannon e voltando para a recepção
-Ei, Logan. Parece que você vai ter companhia se quiser ir mesmo praquela caverna mesmo. - Thomas disse se aproximando do marinheiro
-Hum… - Foi a única coisa que Logan respondeu
-Quer contar sua história pro pessoal? - Thomas perguntou enquanto acendia um cigarro
Logan se levantou, bateu o cachimbo em um cinzeiro na recepção e acenou com a cabeça para Brannon e Ryan no corredor. Em seguida Thomas começou a caminhar para o cômodo no fundo onde haviam comido… Os outros chegaram poucos segundos depois. Cruzaram com Richard no corredor que estava voltando para a recepção e encontraram Alexey e Oliver conversando em um canto olhando pela janela para o mar.
Mal dava para ver a olha nu, mas bem distante, uma pequena praia em uma encosta rochosa em meio a um mar que se agitava conforme a chuva piorava no dia que caminhava para o meio da tarde. Mesmo de longe aquela entrada na encosta, que não passava de um pequeno borrão preto, passava uma sensação estranha… Seria medo? curiosidade? Um pouco dos dois? Brannon chegou a fazer um esboço em um caderno… Aqui… Enfim…
-Pessoal, esse é o Logan. - Disse Thomas - Acho que vão querer ouvir a história dele.
-Bom - começou Logan - Como eu disse pro amigo de vocês….
O marinheiro sentou em um canto suspirando fundo e contou para Alexey, Brannon e Oliver a mesma história que havia contado pouco tempo atrás para Ryan e Thomas. Mais uma estranha coincidência na vida daquele grupo. E… uma simples ida a um tipo de caverna em uma praia passou a ser algo mais assustador do que eles estavam imaginando.
-Eu sugiro irmos amanhã. - Disse Logan
-Sim… - Disse Alexey pensativo - Está ficando tarde mesmo.
-Partiremos amanhã depois do café. - Respondeu Logan - Espero que tenham uma noite de sono melhor que a minha...
Logan levantou, acenou com a cabeça para o grupo que acompanhava o sol se pondo no horizonte em silêncio e saiu.
-É bem bonito aqui. - Disse Brannon
-Deve ser bom poder aproveitar a vista sem as merdas que a gente tem passado - Disse Ryan mal humorado
-É… - Concordou Brannon
-Bom, é melhor tentarmos dormir. - Disse Oliver - Acho que, assim como eu, vocês não dormiram bem a noite passada.
Era verdade que eles não tiveram uma boa noite de sono, mas a ansiedade do que estava por vir e as, várias, perguntas que ainda tinham, escondia o cansaço que seus corpos e mentes realmente sentiam. Cada um daqueles homens escolheu lidar com isso de uma maneira diferente.
Ryan decidiu ir para um dos quartos que haviam pago. Os outros notaram que, desde que aquele martelo havia sido entregue em seu quarto no hotel, algo havia mudado nele. As vezes ele estava mais distante, pensativo, irritado. Depois de ter ouvido a história de Logan, ele quis ficar sozinho.
-Como… Por que eu vim parar nesse lugar? - Disse Ryan irritado fechando a porta do quarto e deitando na cama.
Ele levantou as mangas da camisa tateando as marcas no braço dele, tentava se lembrar de alguma coisa daquela noite de jogos em que perdera a consciência e acordou na traseira de uma caminhonete em Galway. Ninguém daquele grupo que se formou tinha uma história sequer parecida… Isso significava alguma coisa?
-Acho que vou precisar dar uma olhada naquelas coisas que vieram comigo quando acordei aqui…Quando voltar pro hotel... - Disse Ryan
Ryan acabou pegando no sono pouco tempo depois.
Enquanto isso, Oliver passava seu tempo tentando se distrair lendo um livro. Fazia tempo desde que o professor não fazia isso e...muita coisa passava pela sua mente naquele instante. A fita que havia entregado para a policial na delegacia, as incertezas do que estava por vir, tudo pelo o que passaram e… Enfim, ele precisava de algum tempo para tentar distrair seus pensamentos.
Brannon e Alexey estavam conversando do lado de fora da pousada ao lado da escada de madeira que dava para o cais improvisado enquanto fumavam. Olhavam para os arredores, algumas várias pequenas casas vazias que Richard disse que pertenciam a pescadores. Mas eles só iam para lá em época de pesca, nos outros meses o lugar parecia um pequeno vilarejo abandonado.
-Não dá pra enxergar quase nada… - Disse Brannon
-Pois é. - Respondeu Alexey - Ahn?
Eles ouviram o som da porta da entrada da pousada se fechando. Alexey, por instinto, colocou a mão no coldre da arma.
-Shh - Alexey disse
Alexey fez um sinal com a mão para que Brannon ficasse em silêncio e andaram devagar na direção do som.
-É o Thomas? - Disse Alexey em voz baixa relaxando um pouco a mão no coldre
-Acho que é… - Respondeu Brannon - O que ele tá fazendo?
Eles viram Thomas colocando um lampião no chão enquanto mexia em um molho de chaves abrindo o pequeno galpão que ficava ao lado da pousada. O som do rangido de madeira da grande porta abrindo parecia mais alto do que realmente era por conta do silêncio naquele lugar. Thomas pegou o lampião na mão e entrou. Alguns segundos depois luzes começarem a ser acesas no galpão.
Alexey e Brannon decidiram acompanhar para ver do que aquilo se tratava.
-Por essa eu não esperava - Disse Brannon quando chegaram na frente do galpão
-Pois é. - Disse Alexey
Eles entraram no galpão que, na verdade, era uma espécie de capela. Seu interior não era muito bem iluminado, parecia maior por dentro do que por fora com 6 bancos de madeira em duas fileiras e uma grande cruz de madeira na parede do fundo. Parado na frente da cruz olhando para Alexey e Brannon estava Thomas ajeitando o crucifixo no peito.
-Sabe como é - Thomas disse indo na direção deles - As pessoas mais religiosas enxergam mais o crucifixo e o colarinho do que a pessoa que está usando eles. Ele me chamou pra conversar e me falou sobre o galpão. Ele e o pai construíram isso uns 20 anos atrás… Disse que desde que o pai faleceu ele manteve o lugar fechado. Perguntou se eu não queria vir aqui rezar um pouco.
-Você pelo menos é religioso? - Perguntou Alexey
-Sinceramente, não. - Respondeu Thomas - Mas pensei que não faria mal nenhum. Talvez até trazer um pouco de paz de espírito pro Richard.
-Isso é gentil da sua parte - Disse Brannon que começou a andar pelo lugar - Ei, pessoal… Vem dar uma olhada.
-O que foi, Brannon? - Perguntou Alexey
-Ali em cima… Não parece com aquele símbolo do mapa? - Perguntou Brannon
-Parece… - Respondeu Thomas chegando mais perto
Na parede atrás da grande cruz de madeira, pintado com tinta preta estava um dos símbolos presentes no mapa que receberam na noite passada. Brannon estava folheando um dos cadernos que estava no seu bolso. O mapa original estava em sua maleta na pousada, mas havia feito um rascunho dele para preservar o original.
-Aqui. - Brannon disse entregando o caderno para Alexey - O que será que isso significa?
-Eu não faço ideia… - Disse Alexey
Alexey comparava o símbolo desenhado no caderno com o que estava pintado na parede na sua frente. Seja lá o que era aquilo, tinha algumas semelhanças com as inscrições do cubo. Mas tinha uma outra coisa que Alexey notou enquanto olhava o caderno
-Aqui, olha. Se isso for mesmo um mapa e esse símbolo marca este lugar… - Disse Alexey - Então essa caverna também está marcada nele.
-Como assim? - Perguntou Thomas
-Aqui - Alexey entregou o caderno para Thomas - a caverna estaria na mesma direção que este outro símbolo.
-Coincidência, né? - Disse Thomas
-Ajudaria se a gente soubesse o que isso significa. - Disse Brannon
-Podemos perguntar se o Richard sabe de alguma coisa antes de sairmos amanhã - Disse Thomas
-Quem sabe conseguimos alguma resposta pra variar. - Disse Alexey
-Quem sabe… - Disse Brannon em voz baixa.
Eles ficaram por ali por mais algum tempo. Mas decidiram que seria melhor tentar descansar o máximo que pudessem, já que o dia seguinte estava cercado de incertezas. Uma pequena viagem de barco até uma caverna em uma praia parecia um tipo de perigo maior do que eles haviam encarado até aquele momento… E eles tinham razão.
Mesmo não sendo religioso, Thomas apertou o crucifixo antes de fechar a porta da capela improvisada. Talvez quando tudo aquilo acabasse ele realmente considerasse reavaliar sua fé.
A noite passou com uma sinfonia da madeira rangendo com o vento, o som do mar e das ondas se chocando na encosta onde a pousada ficava.
No dia seguinte, acordaram um pouco antes do sol nascer e foram até a sala de refeições, não saberiam quanto tempo levariam para ir e voltar então se alimentaram bem, um autêntico café da manhã irlandês bem servido e xícaras de café.
-Um bom dia nunca começa sem café - Disse Richard servindo as xícaras
Logan foi o último a chegar para comer. Estava com olheiras, não parecia ter dormido muito bem. Não era um bom sinal para aquela manhã… Mas, verdade seja dita, ninguém ali havia dormido verdadeiramente bem. Talvez o quanto antes pudessem passar por isso, teriam mais chances de voltarem a ter noites de sono em paz.
-Ei, Richard - disse Thomas - Tem um minuto?
-Claro - Richard respondeu - O que foi?
-No galpão a gente viu uma inscrição na parede perto da cruz. - Disse Thomas
-Uma inscrição? - Disse Richard intrigado
-Isso - Disse Brannon se intrometendo - Era algo… diferente. Parecia com o nó celta só que… mais antigo, talvez? Meio rústico.
-Eu… - Richard começou - não me lembro de nada assim. Depois vou dar uma olhada pra ver o que pode ser.
-Obrigado. - Respondeu Thomas
Aos poucos eles se levantavam e agradeceram Richard pela refeição. Depois que passaram em seus quartos para pegar seus pertences eles se encontraram na escada de madeira que descia até o barco. Eles viram Logan dentro da cabine principal.
-Ei, pessoal. - Richard disse se aproximando - Levem com vocês, café nunca é demais.
-Obrigado, Richard. - Disse Oliver aceitando a garrafa
-Eu preciso voltar agora. - Richard disse - Minha esposa deve voltar com as crianças daqui a pouco e preciso limpar a pousada. Façam uma boa viagem e voltem com segurança.
-Pode deixar. - Disse Thomas acenando para Richard
Eles se despediram de Richard e começaram a descer a escada de madeira que soltava fortes rangidos a cada passo daqueles homens. No horizonte enxergavam apenas o mistério e ansiedade do que encontrariam, o dia estava nublado com uma garoa fraca. Parte do mar se escondia atrás de uma neblina.
-O Logan está com cara de quem não dormiu bem. - Disse Oliver
-Assim como qualquer um de nós. - Disse Alexey em voz baixa
Logan tinha um barco de pesca não muito grande, mas era mais que o suficiente para receber aquele grupo. A madeira do casco um dia havia sido azul escuro, mas a tinta já estava desgastada e, se um dia aquele barco teve nome, já não era mais legível. Subiram um por vez no barco. Quando todos estavam a bordo, Logan falou em voz alta.
-Muito bem, senhores. - Disse Logan - Espero que todos saibam nadar e espero mais ainda que isso não seja necessário. Devemos chegar até a praia em duas horas.
-Parecia mais perto lá de cima - Disse Brannon
-Infelizmente isso não é uma viagem de carro. - Continuou Logan - Tenho que desviar a rota por segurança. Até chegarmos lá tenho alguns poucos pedidos para que essa seja uma viagem segura. Primeiro: Acredito que não vão precisar fazer nada além de apreciar a vista. Mas, caso precisem, sigam minhas instruções. E segundo: Não olhem para baixo do barco.
-É sério? - Perguntou Alexey
-Sim. - Disse Logan - Eu prefiro não correr nenhum risco. Se estiverem de acordo, podemos começar a viagem.
Alexey olhou para o restante do grupo, todos pareciam se lembrar da história que Logan havia contado no dia anterior... Sobre o olho embaixo do barco. Ninguém o questionou. Apenas assentiram com a cabeça
-Ótimo. - Disse Logan
Com isso Logan soltou a corda que prendia o barco ao cais, se dirigiu à pequena cabine e ligou o motor. Pouco tempo depois, a pousada de Richard começava a ficar cada vez mais distante e, olhando para a frente, uma imensidão de um céu cinza de encontro a neblina que cobria o mar. Aquela visão podia muito bem ser um reflexo de como aquele grupo se sentia naquele momento… Um caminho sem visibilidade em busca de respostas enquanto eram cercados de medos, incertezas e dúvidas.
Pouco mais de uma hora de viagem depois, eles começaram a entrar em uma neblina densa, o vento que soprava gelado e o som das ondas se chocando contra o casco do barco ficavam cada vez mais em silêncio. Era como se estivessem passando por um momento de calmaria no mar, com o único problema que ninguém ali estava calmo. Logan acendeu algumas lanternas no barco que pareciam não fazer diferença alguma.
Por um instante, eles mal enxergavam uns aos outros. O silêncio do mar ao seu redor era absurdo, o vento que parou de soprar deu espaço à um som baixo e grave que parecia ir direto para a mente deles. Eles não sabiam se aquele som vinha de fora ou de dentro da própria cabeça.
Foi quando o barco pareceu passar por cima de alguma coisa. Um pequeno solavanco.
-O que foi isso? - Perguntou Ryan
-Fiquem calmos. - Respondeu Logan que saiu da cabine - Ignorem as vozes… Não olhem para o mar.
Oliver fechou os olhos e respirou fundo. Alexey se concentrou no deque do barco tamborilando com os dedos no isqueiro em sua mão. Thomas colocou a cabeça entre as mãos e se abaixou. Ryan passava os dedos pelas marcas no braço, era como se aquelas marcas conversassem de alguma forma com o som grave em sua cabeça. Logan caminhou de volta para a cabine em silêncio, olhou para a agulha do barco e virou o timão. O som da madeira rangendo parecia uma avalanche no meio daquele silêncio todo.
Brannon estava quase olhando para o mar quando o som da madeira o despertou de uma espécie de transe e ele virou a cabeça com força e respirando ofegante, ele não se lembrava dos últimos minutos. Se é que se passaram apenas alguns minutos. Quanto tempo eles estavam naquela névoa? O que teria acontecido se tivesse olhado para o mar?
Ele olhou para a frente e Alexey o encarava. Ele parecia curioso com o que havia acontecido… Mas não disse uma palavra. Apenas colocou a mão no bolso e puxou um cigarro oferecendo para Brannon.
-Obrigado. - Disse Brannon em voz baixa enquanto Alexey acendia o cigarro.
-É ali. - Disse Logan em voz baixa
Todos se viraram para a frente do barco para onde Logan apontava. A névoa que havia começado a se dissipar mostrava, além dos rostos preocupados de cada um dos homens ali presentes, uma pequena praia mais a frente, eles podiam ouvir as ondas se chocando contra a areia, cascalho e pedras na margem… Mas não era o que mais chamava a atenção deles.
Uma grande fenda se abria na encosta da montanha naquela praia. Seu interior era escuro e intimidador, mas estranhamente convidativo.
-Pensei que fosse sentir mais medo - Disse Thomas
-Deve ser porque ainda não entramos - Respondeu Alexey
-O que é só uma questão de tempo agora - Disse Oliver
-Só uma questão de tempo… - Disse Ryan em voz baixa
O barco seguiu o que pareceu ser o trecho mais longo da viagem. A sensação de algo que estava tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe era real naquele instante. Era como se lutassem com a sensação de simplesmente pular do barco e nadar para tentar chegar mais rápido. Era um instinto que contrariava a razão. Era uma luta interna que cada um ali estava travando, mesmo que não estivessem cientes disso naquele momento.
Logan baixou a âncora quando o barco estava próximo o suficiente dá margem para que fosse uma viagem mais simples com os botes. O vento soprava gelado em seus rostos trazendo os pingos da chuva com mais força, despertando aqueles que ainda não haviam se recuperado por completo da névoa. Todos desceram dos botes e puxaram eles mais para dentro da praia.
-Então é isso. - Disse Brannon
-É… Exatamente como a vi pela primeira vez - Disse Logan
-Não vamos perder tempo. - Disse Ryan
-Ele tem razão. - Respondeu Alexey
-Tá tudo bem? Oliver? - Perguntou Thomas
-Ahn? Sim… Sim. Já estou indo. - Respondeu Oliver
-Tá legal então. - Disse Thomas
Oliver havia sido o último a andar na direção da fenda. Esse tipo de coisa o fazia lembrar de um passado que, não importa o quanto tentasse, simplesmente não conseguia esquecer. Passou a mão sobre o rosto cansado e começou a seguir os outros, antes que ficasse para trás. Quando Logan deu o primeiro passo na direção da fenda, sentiram um frio percorrer suas espinhas por um instante. Olhando nos olhos de cada um, todos souberam que aquela foi uma sensação compartilhada por todos.
E todos também souberam que era tarde demais para voltar.
Quando cruzaram a entrada daquela caverna foi como se tivessem atravessado um portal. O vento uivava em seus ouvidos no início da travessia como se ele também estivesse se espremendo para passar da entrada mais apertada. Logan pegou 3 lanternas de uma mala que trouxe do barco, deu uma para Ryan, outra para Alexey e ficou com a 3a.
-Fiquem juntos. - Disse Logan
-Não parece ter muito espaço pra gente se separar aqui - Disse Thomas
Era verdade. Pelo menos nos primeiros minutos dentro da caverna eles andavam por um caminho estreito, pisando em areia, pedra e água da maré que insistia em subir. Conforme o som do mar e da praia se distanciavam. O mundo lá fora passava a ser apenas uma lembrança com o passar do tempo.
-Que lugar será que era esse? - Disse Brannon olhando ao redor
-Lembra um pouco do que vi em fotos de Marble Arch - Começou Oliver
-O que é isso? - Perguntou Ryan
-Uma caverna em Fermanagh na Irlanda do Norte - Disse Oliver - Nunca estive lá mas as fotos eram incríveis.
-Bom, professor - Disse Alexey - Espero que você consiga sair daqui com essa mesma opinião.
-Buraco de merda. - Resmungou Ryan em voz baixa
Conforme caminhavam, a caverna parecia se abrir mais. Agora conseguiam andar até 3 pessoas lado a lado. O chão passou a ser mais firme, pisando em rochas molhadas pela água do mar. Vez ou outra se assustavam com uma onda maior que se quebrava na praia subindo, momentaneamente, o nível da água naquele lugar. Seguiam no interior escuro do penhasco da praia perdendo a noção do tempo. Não sabiam se estavam sequer andando em círculos se alguém perguntasse. Até que…
-O que é aquilo? - Disse Alexey apontando a lanterna
-Parece um caminho - Disse Logan
-Parece apertado - Disse Brannon
-Concordo - Disse Thomas
Todas as lanternas agora estavam apontadas para uma abertura discreta na parede. Logan foi na frente seguido pelos outros homens. Cada vez mais em direção ao coração daquela caverna.
Quando saíram do outro lado, estavam em um espaço amplo e circular. Havia um pequeno caminho de uns 10 metros coberto de musgo e cascalho que dava para uma grande porta. De cada lado da porta havia um pequeno altar de pedra com velas acesas.
-Isso começou a ficar mais estranho. - Disse Thomas - Tem uma porta ali
-Isso é incrível - Disse Oliver
-Claramente pensamos diferente, professor. - Disse Alexey em voz baixa observando o ambiente
-Vejam - Disse Oliver - Acredito que os altares são para oferendas. O posicionamento deles indicam que é uma figura de respeito. Seja por medo ou por adoração… O número de velas pode ser ao acaso, mas 7 é um número de grande espiritualidade por algumas religiões…
-Oliver. - Disse Alexey - Tente não fazer tanto barulho.
Oliver apenas balançou a cabeça e voltou a analisar um dos altares. Os outros estavam seguindo os feixes de luz das lanternas ao redor. O teto era alto, as pedras pareciam mais lisas. Mas além dos altares e da porta, uma outra coisa chamava a atenção de Brannon.
-Vocês notaram que o barulho do mar parece que praticamente sumiu? - Disse Brannon
Os outros se viraram para o jornalista e olharam pelo caminho que haviam feito. Realmente ali dentro não dava para escutar o som do mar, a menos que se concentrassem muito nisso.
-Faz quanto tempo que entramos nesse lugar? - Perguntou Ryan
-Não mais que uma hora. - Respondeu Alexey - Eu acho.
-Alguém aponta a lanterna para a porta - Disse Oliver
O professor parecia ter esquecido o que o levou até aquele lugar. Seu lado acadêmico tomou a dianteira e analisava o ambiente todo com os olhos aguçados pela curiosidade. Logan apontou o feixe de luz da lanterna para a porta.
-O que você viu, Oliver? - Perguntou Thomas
-Aqui em cima, estão vendo? - Disse Oliver apontando com um dedo para cima da porta - São símbolos mas… não sei exatamente o que são... Estas runas. O Y com uma espécie de olho no meio… É um mau presságio. Algo maligno pode estar por trás desta porta. Algo que não é daqui. Este símbolo eu não reconheço. - Disse Oliver tateando a parede.
-Parece gaélico. - Disse Brannon se aproximando.
-Parece aquele símbolo no mapa do gato. - Disse Thomas puxando o mapa de seus pertences - Aqui. Não parece?
-É verdade. - Disse Ryan se aproximando
-Sabe o que está escrito, Brannon? - Perguntou Alexey
-O símbolo não… mas tem algo aqui embaixo… Caírdeas… - Disse Brannon em voz baixa - significa amizade. E tem um outro símbolo que parece com algo que os irlandeses usavam nos livros quando falavam dos Pookas.
-Fadas? - Disse Oliver
-Então é algo bom, né? - Disse Thomas - Fadas não podem ser ruins.
-Não exatamente. - Disse Brannon - As histórias dos Pookas são bem variadas. Alguns dizem que podem trazer boa sorte. Outros dizem que trazem azar. Podem ajudar ou atrapalhar viajantes perdidos, sabe? Depende muito do lugar que a história é contada. Mas no geral sempre falam que são criaturas traiçoeiras.
-Que ótimo… - Disse Ryan
-Mas não parece ter sido feita pelo o que colocou a runa em cima da porta. Parece mais… recente. - Disse Oliver - Cavalheiros… Sinto que assim que abrirmos essa porta, não terá mais volta.
-Faz tempo que tenho isso em mente, professor. - Disse Alexey - Será que devemos entrar?
-A gente não chegou até aqui pra voltar. - Disse Ryan
-Humph.. Então tá, né? - Disse Thomas
Eles se olharam por um longo período de tempo em silêncio. Até que Oliver girou a maçaneta velha e abriu a porta que ecoou pela caverna com um longo rangido.
-Tá escuro aqui… - Disse Brannon
-Eu não tô enxergando quase nada - Disse Thomas
-Tenham cuidado. - Disse Alexey
Lá dentro era ainda mais escuro do que do lado de fora. Uma névoa cobria parte do chão e havia um gotejar incessante lá dentro. Os feixes das lanternas examinavam as paredes de pedra e musgo que cobriam o lugar que, por mais estranho que pudesse parecer, tinha um cheiro doce no ar. Uma mistura de mel, com flores silvestres e almíscar.
-Espera. Tem alguma coisa ali. - Disse Alexey
-Onde, Alexey? - Perguntou Oliver
-Ali no canto. - Disse Alexey
-Ah… - Uma voz rouca e grave veio de um canto do lugar
Imediatamente as luzes iluminaram na direção da voz. Elas revelaram uma… coisa. Era difícil de definir o que era aquilo. Era grande, parecia fazer parte da parede… Era como se fosse uma pessoa que fazia parte de uma raíz muito grossa de uma árvore muito antiga coberta de musgo. O que se movia como se fosse um braço era uma mistura de galhos, rochas e ossots.
-Que merda é aquela? - Perguntou Ryan
-Eu…. - Oliver tentou falar alguma coisa mas ficou sem palavras
-Não temos muito tempo… - Disse a voz rouca
-Quem… Ou o que é você? - Perguntou Alexey
-Algo há muito tempo esquecido…. - Disse a voz rouca
-Não temos tempo para o que? - Perguntou Logan
-Conversar… - A voz respondeu - Eu aguentei o máximo que pude. Agora, enfim, hei de descansar depois de tanto tempo.
-Você está morrendo? - Perguntou Oliver se aproximando
-Cuidado, professor. - Disse Thomas
Oliver deu alguns passos na direção da criatura. Os outros estavam receosos demais, imóveis, paralisados em um misto de surpresa e espanto.
-Todos estamos…. - Respondeu a criatura - Não é mesmo? Pelo conceito de vida que vocês conhecem, a morte é tão natural quanto o ar que respiram.
-Por que estamos aqui? - Perguntou Oliver
-Ah…. - Respondeu a criatura - As sombras estão crescendo… Elas vieram do mar e estão cobrindo tudo mais uma vez….
-Isso já aconteceu antes? - Perguntou Alexey
-Sim… - Respondeu a criatura
-O que é que está acontecendo? - Perguntou Oliver
-Alguém está abrindo o portal… - Disse a voz - Alguém está convidando a cria da névoa para o mundo.
-Cria da névoa? - Perguntou Oliver
-Vão precisar disso… - Disse a voz
Parte da coisa se abriu… Como galhos se retorcendo em um pedaço de rocha. Um brilho azul era refletido pela luz das lanternas. Uma pequena esfera estava a mostra.
-O que é aquilo? - Perguntou Logan
-Parece ser o outro brinco. - Disse Thomas em voz baixa
-Mas como ele veio parar aqui? - Perguntou Ryan
-Do que vocês estão falando? - Perguntou Logan
-É complicado. - Respondeu Thomas
-Uma amiga me trouxe… - Respondeu a voz - Vamos… Pegue.
Oliver esticou a mão na direção do brinco. Ele o pegou com cautela o trazendo para perto de si.
-Se aproxime… - Disse a voz
-Oliver. - Disse Alexey
-Levem a chave para o mausoléu. - Disse a voz - Não tem muito tempo.
Em um movimento rápido, um galho fez um corte na mão de Oliver que, instintivamente, recuou. Sangue pingava de sua mão no lugar do corte. A outra mão do professor segurava firme o brinco.
-Depressa… - Disse a voz
A criatura começou a definhar, os galhos se retorciam e apodreciam rapidamente. Pequenas pedras caiam naquele canto. Um forte sentimento de pesar tomou todos ali presentes. Seja lá o que fosse aquilo, eles presenciaram o fim de algo muito antigo.
Oliver estava parado a alguns passos da criatura quando começou a sentir medo tomar conta de seu corpo. Todos sentiram quando o cheiro doce daquele lugar começou a ser tomado por algo podre. Todos ouviram quando do corpo da criatura morta começou a se formar algo.
-Espera… tem alguém ali. - Disse Alexey
Todos viram quando, em um piscar de olhos, uma pessoa estava parada diante deles.
As lanternas piscaram, o gotejar cessou.
O tempo parou ao redor deles. Uma voz ecoou em suas mentes.
-Vejo que está fugindo do passado… Você tentando esquecer o amor… E você está apenas atrás de uma história… Você chegou aqui e se viu em uma situação bem diferente do que imaginava. E você… Apenas quer entender como se encaixa nisso tudo. Sem saber nem porquê, nem como você faz parte disso. E você veio porque foi chamado...
De repente, o gotejar voltou a cair. As lanternas voltaram a funcionar. O tempo pareceu voltar ao redor deles.
Onde antes não havia nada, agora havia uma pessoa parada. Mas tinha algo de errado… Era como se fosse um boneco… a coisa era pálida quase cinza, não tinha mamilos, umbigo, genitália. Ela estava olhando para o chão até a luz de uma das lanternas ir de encontro ao seu rosto. Olhos vazios, dois buracos onde devia ficar o nariz, uma boca completamente deformada.
-Q… Quem é você? - Disse Alexey
-É a mesma sensação que no barco… - Disse Logan assustado
-Agora que você falou… - Disse Brannon
-É verdade… - Disse Thomas
-Oliver, vem pra cá - Disse Ryan.
-Você tem nome? - Perguntou Oliver
-N…. - A coisa parecia estar aprendendo como falar - Não.
Era como se mais de uma voz tentasse sair ao mesmo tempo da coisa.
-O que você quer? - Disse Alexey sacando a arma
-Libertar… Preciso. - A coisa disse
-Libertar quem? - Alexey começou a puxar Oliver pela camisa
-Criador. - A coisa disse e começou a farejar o ar - Carregam… coisa do inimigo.
-Quem é seu criador? - Perguntou Alexey
-Veio… - A coisa disse - Da névoa sem nome.
-Quem é o inimigo? - Perguntou Oliver
-Matar. - A coisa disse e deu um passo para frente
-Vamos embora. - Disse Brannon aflito
-Дерьмо. Vamos, depressa! - Disse Alexey
-Mas--- disse Oliver
-Que merda é aquela?! - Gritou Ryan
-Agora! SAI! SAI! SAI! - Gritou Brannon
A criatura dava passos lentos na direção deles, enquanto todos correram para fora fechando a porta atrás deles, ofegantes.
-O que é aquela coisa?! - Disse Thomas
Batidas começaram a vir da porta.
-Para… - Disse Brannon com as mãos na cabeça
-Eu não sei… - Disse Alexey
-O que… O que foi aquilo? - Disse Logan
-Não… Não… Não… Para… Chega… Não… Para…. - Disse Brannon em voz baixa
As batidas começaram a ficar cada vez mais fortes.
-Aaaaaaah! - Gritou Brannon dando um soco na porta.
-Brannon? Brannon? Brannon! - Gritou Alexey
Brannon nunca sentiu o impacto daquele soco. No instante em que sua mão encostou na madeira, Brannon foi completamente submerso em água. Ele olhava ao redor no que parecia ser um lugar muito profundo no mar. A água era escura ao seu redor, quando flashes de luz como trovões muito distantes iluminavam lembranças, algumas das quais não eram dele. Algumas eram daqueles homens, amigos se podia chamar assim. Havia morte ao redor deles.
Um ribombar abafado seguido de um clarão chamou sua atenção para baixo. Ele virou o corpo e viu uma sombra imensa embaixo dele. Sem saber como ele sentiu o condado de Galway. Ele sabia que algo havia sido escondido. Ele sabia que algo estava se alimentando da discórdia que crescia naquele lugar. Algo precisava ser impedido.
A sombra começou a, lentamente, se abrir.
Brannon conseguiu enxergar apenas de relance o que parecia ser a íris de um olho quando sentiu ser puxado com muita força. Estava atravessando aquele mar de escuridão, sem saber se estava se afogando, sem saber o que estava acontecendo. Quando ele abriu os olhos, estava sendo arrastado por Ryan e Logan pela fenda, para fora da caverna. Ele começou a engasgar e tossir, expelindo uma grande quantidade de água pela boca. Ryan e Logan o soltaram e foram na direção dos botes.
-Brannon, você está bem? - Disse Alexey
-Tudo está conectado de alguma forma, Alexey… - Brannon começou a falar - Algo está se alimentando da discórdia em Galway. Nós temos que impedir isso. Temos que fazer alguma coisa, Alexey. Nós precisamos---
-Ei, ei, ei, calma, Brannon. - Disse Alexey - Vamos resolver isso. Aqui. Consegue andar?
-Precisamos fazer alguma coisa, Alexey… - Brannon disse se levantando
Alexey olhou para os outros, todos pareciam abalados de alguma forma. Oliver estava parado ao lado de Brannon servindo como apoio para que o jornalista não caísse. Thomas parecia ser o menos afetado, mas talvez fosse apenas sua forma de estar em choque. Ele próprio não fazia ideia do que havia acontecido naquela caverna. Logan não havia dito uma palavra depois que a criatura começou a falar com eles. Parecia estar agindo por impulso, mas era difícil de imaginar o que estava passando em sua mente. Ryan estava acenando para eles irem para os botes. Seus olhos, claramente, arregalados. Apenas queria sair dali o quanto antes.
Entraram no bote conforme a chuva aumentava. O mar estava mais agitado, mas chegaram até o barco sem problemas. Ficaram todos em silêncio enquanto Logan ligava o motor deixando a praia cada vez mais longe… Um lugar que esperavam nunca mais ter que voltar.
Por uma boa hora, ninguém falou nada. Estavam colocando seus pensamentos em ordem, tentando entender o que havia acontecido. Aquilo foi… mais do que esperavam.
Alexey se levantou depois de uma hora de viagem, deu dois tapas no ombro de Brannon que estava enfim se recuperando do choque. Se abaixou do lado de sua mala, pegou o cubo e se virou para o grupo.
-Oliver, o brinco. - Disse Alexey
Oliver tateou os bolsos internos do sobretudo. Quase havia se esquecido que a criatura antiga na caverna havia entregado o brinco azul para ele. Tirou-o do bolso, olhou para Alexey e o levou até ele.
Alexey pegou o brinco e, com cuidado, o aproximou da abertura no lado oposto de onde haviam colocado a pequena esfera vermelha. Teve a impressão que fazia muito tempo desde o dia em que se conheceram e estavam sentados na casa de Oliver. Suspirou cansado e colocou o brinco no cubo.
Assim como da primeira vez, puderam ouvir uma série de cliques vindo de dentro do cubo. Como se algum mecanismo estivesse em funcionamento. Quando enfim os cliques pararam o cubo ficou estático por um momento. Até que uma nova série de cliques começaram ainda mais rápidos. Até que um som mais forte, como um cadeado destrancando, soou e linhas verdes começaram a surgir na superfície do cubo. Símbolos estranhos pulsavam como se algo estivesse vivo ali dentro.
Alexey admirou o cubo em sua mão por mais de um minuto, até que ouviu a porta da cabine do barco se abrindo e, rapidamente, colocou o cubo de volta na mala. Esperava poder ver aquilo com calma em um lugar mais seguro do que em um barco em alto-mar.
-Tudo bem, Logan? - Perguntou Alexey
Logan se dirigiu até a ponta do barco sem dizer uma palavra.
Ele chegou até a ponta e se virou para o grupo.
-Senhores… - Logan começou a falar - Sinto muito.
-Não, não, não, não, Logan - Alexey falou apressado quando percebeu o que estava acontecendo - Espera!
-Não faça isso! - Gritou Thomas
Escutaram o som do corpo se chocando contra a água e correram para a lateral do barco. Quando olharam para o mar, não viram nenhum sinal do corpo de Logan, apenas uma sombra imensa passando por baixo do barco e desaparecendo lentamente.
Alexey correu para a cabine, havia um papel ao lado dos controles de navegação… O mesmo símbolo que viram em cima da porta na caverna desenhado ali.
-E agora… - Disse Alexey em voz baixa.
Ele não fazia ideia como navegar aquele barco e duvidava que algum dos outros homens tinham tal conhecimento. Ele saiu da cabine e olhou para o grupo que estava tão perplexo quanto ele.
-O que faremos? - Perguntou Thomas
-Dá pra enxergar o cais daqui - Respondeu Ryan
-A gente pode ver até onde o barco vai, pegamos os botes e remamos até lá. - Disse Alexey
-Parece um bom plano. -Disse Brannon em voz baixa
-Concordo. - Disse Thomas
-Que merda, Logan. - Resmungou Ryan
Eles acompanharam o trajeto do barco, até que decidiram que seria mais seguro pegar os botes para terminarem a viagem. Quando chegaram na margem, mal tiveram a chance de respirar com calma quando olharam para cima na direção da pousada e viram uma fumaça preta dominando o céu.
-O que é aquilo? - Disse Thomas
-Estão ouvindo isso? - Disse Alexey
Estava fraco, mas eles conseguiam ouvir os gritos abafados e distante de um homem.
-Richard? - Disse Ryan
Brannon disparou escada acima seguido pelos outros homens. Quando atingiu o último degrau, viu a pousada dos Sathler em chamas. As chamas subiam em direção dos céus se transformando na fumaça preta que ia em direção do mar.
-Alexey! O galpão! - Gritou Brannon
Ele correu para o galpão ao lado onde ficava a capela improvisada que viram na noite anterior. Os gritos do homem estavam vindo de trás da porta fechada do galpão também em chamas. Brannon abriu a porta as pressas e depois desejou que nunca tivesse feito isso.
-Não.... -Disse em voz baixa Brannon caindo pra trás no chão
Richard Sathler estava crucificado na cruz atrás do altar ainda vivo. Gritava com toda sua força. Sob seus pés estavam os corpos sem vida e chamuscados de sua esposa e filhos. Todo o galpão ardia em chamas assim como a pousada. Brannon não conseguia segurar as lágrimas, os outros que chegaram depois estavam em choque quando olharam para dentro do galpão…
-Quem fez isso? - Disse Alexey em voz baixa
**
-Ah… - Suspirou Lianna chegando em sua casa a noite
-Bom… - Disse Lianna depois de deixar sua arma e distintivo em cima da mesa - Esperei o dia inteiro para isso…
Lianna caminhou até a secretária eletrônica e colocou a fita que o estranho havia lhe entregado de manhã.
-Lianna… É a Alexa.
Lianna suspirou de susto caindo para trás
-Alexa? - Liana disse chorosa enquanto escutava a voz de seu falecido amor falando pelos pequenos falantes da secretária eletrônica
- Olha, desculpa por hoje cedo, tá? É só que isso tá muito errado, sabe? Sinceramente… Eu não sei o que tá acontecendo com meu irmão, eu não acho que ele--- Eu não sei mais… Acho melhor a gente ir embora. Galway não é mais a mesma…
-Alexa… Me perdoa - Lianna disse sem conter as lágrimas - Me perdoa...