LEÔNTKA

Drama
Junho de 2020
Começou, agora termina queride!

Conquista Literária
Conto publicado em
Bratva

Prólogo

Epílogo

Conto

Áudio drama
LEÔNTKA
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O mundo ideal compreende aqueles que são cegos e os que fingem ser, eu, não me enquadro em nenhum dos dois e deve ser por isso que consegui chegar tão longe, porque meu ódio é mais forte que meu medo e minha convicção mais densa que minhas dúvidas.

Nasci em Solntsevo, o berço da escória dos homens ou a selva dos próprios, onde de dia estavam todos seguindo suas vidas em um frágil e instável estado pacato, mas a noite as feras saiam dos becos e rastejavam pelas ruas revelando a verdade dos demais e daquele lugar, meu pai, um homem velho e amargo também parte do cerco, porém sendo apenas a superfície dele, pois os poderosos se escondem mais ao fundo onde ninguém vê e a justiça não alcança, foi morto após perder a maior carga do negócio e o mais irônico não é a morte motivada pelo que ele tanto amava, ou seja, pelo dinheiro e sim porque perdeu cento e cinquenta mulheres que iriam para o tráfico internacional e mesmo dando sua filha mais nova, a fim de provar que a irmandade estava acima de tudo, para um dos grandes chefes chamado "Trincho" não conseguiu evitar a própria morte e nem a da família, pois minha irmã foi faleceu depois de ser usada por quase todos os membros da Bratva sob o comando do Trincho, ela tinha dezesseis anos na época.

Se você acha que vai encontrar um dos chefes sentados no fundo de sala escura em um lugar úmido com um copo de uísque barato e tabaco á vontade é porque não chegou ao fundo da família, está apenas encontrando os peões que brincam de senhores e se vangloriam fazendo o trabalho mais sujo e pérfido que se pode pensar, porque os verdadeiros reis estão sentados em um dos hotéis cinco estrelas de Moscou, vestindo um termo de grife e fumando charutos importados e bebendo uísque 50 anos, eles são aqueles que constantemente apertam as mãos da população, fazem caridade, deitam no fim da noite ao lado da esposa e criam os filhos nas melhores escolas internacionais, eles são o corpo! Corte a cabeça de uma hidra e mais duas nascem no lugar, isso é apenas para os peões substituíveis, uma vez que se não houver um corpo para gerar mais cabeças de nada elas valem.

Depois de dez anos minhas motivações estão opacas e sumindo, imagino que queira vingança, não pelo meu pai ele merecia o que teve, era uma cabeça podre que precisava ser removida, mas minha irmã, ela representa o que acontece no mundo com pessoas inocentes, elas são usadas e descartadas, então de que adianta manter a virtude, neste mundo onde só a corrupção salva!?

Há seis anos estava amarrada em uma cadeira sangrando pelo nariz e boca, observando um velho gordo se deleitar com o meu sofrimento, ele apenas levantava um dedo e essa era a ordem para provocar a dor, a ordem para me quebrarem costelas, arrancarem unhas e perfurarem qualquer outro lugar que não estivesse quase completamente destruído, meu rosto, aquele era meu rosto antigo, marcado e devastado pela mão da ganância dos homens, pelo divertimento deles. Os motivos que me levaram até lá? Isso não importa, não é necessário dizer por onde andei ou o que tive que fazer para sentar onde estou agora, para ocupar o lugar de quem levanta o dedo apenas para ver sangrar, porque não foi um caminho bonito, não foi como em filmes americanos, eu não tinha família, não tinha dinheiro e muito menos influência e ainda assim carregava nos ombros a dívida pela perda da carga do meu pai e o sofrimento pela forma que se deu a morte de minha irmã, por este motivo digo que não é necessário detalhar passo a passo minha caminhada, apenas guardo o gosto grosso do sangue na minha boca ha seis anos atrás, a dor e a exibição, o sorriso de quem observou e as ordens daquele que ordenou, foi naquela cadeira que tudo começou, foi amarrada que deixei de ter medo, foi apanhando que meu demônio mais insano acordou e foi bem ali que dei início a minha vingança.

Para quem nunca matou antes é difícil na primeira vez, entretanto se você matou por pura necessidade de sobrevivência a adrenalina acaba colocando a culpa em estado de dormência e foi quando isso aconteceu, quando o homem parou de levantar os dedos e levantou o corpo, quando soltaram minhas amarras e ele se preparou para finalizar com as próprias mãos o que havia começado, estava no chão, minha visão marejada por sangue, dedos quebrados e escoriações profundas no rosto, fechei meus olhos por alguns segundos e desejei que tudo terminasse ali, mas não terminou, eu sabia que não terminaria, voltei na cena em que me despedi de minha irmã vendo-a ser levada para longe, arrancada de meus braços direto para a morte, lembro-me do soco que levei na barriga e fiquei inconsciente escutando apenas os gritos dela, o desespero e a escuridão. Agora aquela sombra de um homem com sede de sangue precipitava diante de mim, tentei me arrastar para longe no chão e toda a volta deram risadas, um deles resvalou na bandeja com os apetrechos de tortura e deixou cair um martelo, deixei meu corpo inerte perto do objeto, virei de frente e encarei todos eles, dando um sorriso, estiquei meus braços, convidei-o e ele veio.

Alguns não sabem quando desistir e lutam até a morte, mas na irmandade o respeito era uma das regras mais vorazes e o perdão não era assim tão impossível, não se podia ter orgulho, não se podia esbravejar contra o pai, o líder e sendo mulher, implorar por clemência era algo que enaltecia o ego masculino, você não precisa acreditar que foi derrotada, apenas deixe que eles acreditem, não precisa entregar seu corpo e sua mente dê apenas um e será o suficiente, o respeito é quase tão eficaz como a troca, contudo os dois juntos, unidos em uma mulher jovem que oferece o corpo e pede perdão, aí sim são imbatíveis. Meu primeiro passo foi conquistar a confiança do meu salvador, do homem que degradou meu corpo, mas no último segundo foi fraco o suficiente para acreditar no meu olhar clemente, ele não era ninguém, não tinha poder algum, era só mais um degrau, uma cabeça que eu cortei quando a hora chegou.

Entro no cassino Benguerotzki e olho no campo das apostas de cartas o meu alvo, depois de tanto tempo encontro "Trincho", a mesma escória sem qualquer etiqueta, rodeado por mulheres mais espertas que ele, sendo sugado por elas, eu já sabia que ele tinha dívidas com a irmandade e que não poderia pagar, minha ordem foi bem direta e a minha forma de executa-la muito mais específica, não direi detalhes de como foi exterminar o verme que dizimou minha família, porém para o deleite de alguns loucos por vingança deixo em registro que ele sofreu muito além do mau que provocou. Penso que a ganância sempre será o fim dos fracos, porque os fortes estão além dela, eles acumulam muito além do que ela pede, do que ela suplica, eles transcendem o próprio termo.

Eu cresci nesse meio, me tornei parte dessa escuridão, brinquei com cada um deles como se fossem pequenas peças em minha mão, jamais cometi o erro de demonstrar clemência, nunca subestimei meu inimigo e acima de tudo, honrei cada uma das cinco regras da irmandade, eu sou o monstro que cada um deles criou e também sou a ruína que nenhum esperou. Comecei a ser notada quando expandi as transações para o mundo virtual, fazendo aqueles velhotes nojentos lucrarem muito mais, muitos foram dispensados, cabeças rolaram, porque minha ideia tornava tudo mais fácil, criei uma interface isolada no mundo virtual onde qualquer tipo de transação poderia ser feita sem o menor rastro de onde e para onde, fui a jantares e vi aqueles que nem conheciam o meu nome pronunciá-lo, apertei a mão de homens tão respeitáveis que ninguém sequer imaginária e frequentei lugares com um requinte formidável observando o interesse de magnatas internacionais repousarem sob meu corpo, meu novo rosto, meu nome.

Quinze anos se passaram e estou no hotel mais caro e esplêndido de Moscou, Solntsevo ficou esquecido, ultrapassado, servindo de resto para alguns ratos que se aproveitam do contexto precário, vejo aqueles homens em torno de minha mesa com olhares atônitos enquanto percebem que uma mulher ocupa a cadeira de liderança, abro bem meus olhos e assisto todos eles em cima de mim, apreensivos, sem ego, oblíquos, enaltecendo alguém que nem sequer sabem ao certo a história, sinto vontade de rir na cara de cada um deles, mas mantenho minha postura, um homem de muito respeito se aproxima, omitirei nomes, basta que se saiba que ele é um líder escolhido por seus representantes, do tipo que dá entrevistas e fala sobre direitos humanos, ele aperta minha mão de forma suave e gentil como se segurasse uma pedra preciosa, mas ela estava, a essa altura confesso que gozava o direito que usar pedras e roupas de marca, recebo os cumprimentos, encaro na taça em minha frente o reflexo do meu novo rosto, meus lábios em um batom vermelho cor de sangue, vejo meus olhos que um dia estiveram marejados, dou um sorriso, levanto meu dedo, gesto simples, mas eficaz, todos reverenciam, levantam suas taças e ouço meu nome em coro:

 - MADAME LEÔNTKA!

Ouço aquela sonora, observo cada um dos homens de bem, pronunciando a oração de sua própria derrota, o diabo que eles criaram e que vai com toda certeza levar cada um deles.

Levanto minha taça, este é o meu começo.

Autora: Gabrielly Hannaly de Jesus Cotte

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