Assobio

Terror
Janeiro de 2020
Começou, agora termina queride!

Conquista Literária
Conto publicado em
Sabença dos homens comuns

Prólogo

Epílogo

Conto

Áudio drama
Assobio
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Aquela noite ficaria marcada para sempre na memória de Iza. O cheiro de pólvora no ar, o barulho de disparos e uma gritaria infernal, fizeram-na acordar de seu sono profundo. Seu pai estava raivoso, batia o pé com força a cada passo, já sua mãe tentava acalmá-lo de qualquer jeito.

"Você viu o que aconteceu, Júlia?!", berrou o pai.

"Vi", disse a mãe serena.

"Aquele maldito! Vou matar ele!"

"Já é tarde da noite, vamos resolver isso amanhã. Vai acabar envolvendo mais gente."

"Que ódio! Eu vou lá amanhã ou meu nome não é: Luís Fernando da Silva!"

E então, todos foram dormir.

Pouco antes do amanhecer Iza acordou, desta vez por conta de um terrível pesadelo com um personagem maligno de um filme de terror. A pele com tons de vermelho e o suor escorrendo pelo seu corpo poderiam ter sido indícios de uma longa maratona de caminhada, se fosse o caso. Ao olhar para o lençol florido, cujo qual cobria suas pernas, percebeu uma grande mancha vermelha se formar nele. A única coisa que vinha na sua mente era de ter sido atacada pelo demônio de seus sonhos e ele havia conseguido cortá-la com suas enormes unhas. A jovem gritou alto, sem conseguir se mexer. Ela sangrava cada vez mais, parecia ser uma grande hemorragia. Sua mãe abriu a porta e ao vê-la não precisou de nenhum especialista para saber agir. Pegou da sua gaveta pessoal um absorvente no meio de outros utensílios e voltou para o quarto da filha.

"Você menstruou, Iza. Tá quase uma mocinha", a mãe não tentou nem esconder sua felicidade, muito menos seu sorriso.

"Eu menstruei..."

A garota estava confusa quanto a tudo, não sabia dizer por qual motivo seu corpo teria de sangrar do nada. Havia uma enciclopédia de assuntos aos quais teriam de contar a mais nova moça da casa. Coisas sobre a sexualidade, segredo guardado a sete chaves pelos seus pais por medo de amadurecê-la cedo demais. Agora, todas as correntes teriam de ser tiradas e muito bem explicadas para sanar a dúvida de uma mente aguça, repleta de perguntas. De repente alguém abriu a porta com tanta força que a mesma bateu na parede.

"Demos um jeito naquele maldito, não foi, Guilherme?", disse Luís, o homem da casa, com a mão na cabeça do filho.

O pequeno garoto apenas concordou.

"O que foi que aconteceu?", Júlia perguntou preocupada.

"Papai acabou com ele", Guilherme disse contido.

"Como é? Seu pai acabou com quem?"

"Com ninguém, Júlia, foi apenas uma brincadeira."

"Como assim 'brincadeira'? Responda-me."

Ao notar a cara emburrada da sua esposa, Luís não teve como esconder o segredo.

"Eu ameacei o maluquinho dos Lopes."

"Você bateu num rapaz com demência?!"

"Eu não bati nele, apenas falei com ele."

Júlia o encarou.

"Tá, tá... Eu dei uns tapas," confessou.

"Não acredito. Você nem sabe se foi ele que fez aquilo."

"Eu o vi sair de lá! E na próxima, acabo com a raça dele", disse Luís, sem querer muita conversa. Ao passar pela esposa deu um esbarrão nela.

"É sempre assim. Você tá pior que antes!"

Depois daquela pequena discussão o jantar não foi mais o mesmo, houve troca de olhares em tons de ameaça, indiretas e outras coisas. Era como presenciar uma guerra fria na própria casa. Iza foi a encarregada de lavar todos os pratos depois da refeição, tinha escapado de fazer o serviço no almoço, mas a sua mãe tratou de lembrar da tarefa. Enquanto lavava os pratos, a garota viu a lua enorme através do basculante. No céu limpo ela reinava majestosa, de modo a convidar os casais a namorar sob a mesma. Perdida nas suas próprias reflexões, Iza, acordou do transe, ao ver a silhueta de alguém passar rápido pelo lado de fora. Seu coração começou a bater rápido, pois todos já estavam dormindo a esta hora, restando para si o trabalho de investigar possíveis atividades suspeitas. Pegou um facão na pia da cozinha, controlou sua respiração e seguiu em direção à porta da frente. Ao sair, certificou-se pelos lados que não havia ninguém e que era seguro continuar. Cruzou uma pequena plantação de milho, tendo cautela para não estragar nenhum deles, ou seu pai iria lhe matar. Seus pés descalços afundavam na terra molhada e ela teve dificuldades para manter-se de pé. 

Ela encontrou a porta do estábulo aberta com as correntes ao chão. A possibilidade de seu pai esquecer de trancar o lugar era de zero, ele nunca iria dormir sem ter a certeza de tudo estar seguro. Então, não foi o velho, mas sim outra pessoa. O vento frio parecia querer brincar com as coxas da garota, numa valsa para levar o arrepio por onde passava. Segurou o facão com força ao passar pela porta entreaberta do estábulo. Os cavalos e éguas estavam agitados, como se tivessem visto alguma assombração. Relinchavam e se debatiam como nunca antes, nem mesmo a mais terrível tempestade teria os deixado tão nervosos assim. As crinas de todos eles estavam trançadas e muito bem apertadas. Iza usou toda sua força para desatar os nós, mas era impossível, mesmo para ela acostumada a fazer tranças no cabelo da mãe. De modo estranho tudo ao seu redor começou a ranger, desde as tábuas mais frouxas até as janelas de madeira. Ao fundo de tudo isso, a jovem ouviu um assobio bem próximo ao seu ouvido esquerdo. Girou de encontro ao som mas não havia ninguém. O assobio voltou mais alto, num tom muito mais irritante para o ouvido de qualquer um e ficou cada vez mais fino ao passar do tempo. Iza tentou resistir a forte dor, mas sentiu seu corpo ficar mole, enquanto sua visão aos poucos ia escurecendo. Então, desabou, como um animal abatido depois de levar um tiro certeiro na cabeça.

"Izabella, Izabella..." Uma voz familiar chamou por ela.

"Acho que está acordando", disse outra voz conhecida.

Iza abriu os olhos e deu de cara com seu pai junto ao seu irmão.

"O que faz aqui? Dormiu no celeiro?", perguntou o pai.


"Eu..." A garota apenas deu-se conta das horas corridas quando viu um feixe de luz passar pela janela. "Já é de manhã?"

"Sim."

"Vi alguém passar pelo basculante e encontrei a porta do celeiro aberta. Depois disso não lembro de quase nada."

"Era homem?", perguntou Luís, com a sobrancelha direita levantada.

"Acho que sim, não deu pra ver direito. Mas olha como estão os cavalos, pai", Ela disse apontando.

Luís aproximou-se para verificar - em especial - um cavalo preto, o mais querido da sua coleção, este tinha uma trança longa e firme como todos os outros. Mesmo usando o máximo de sua força masculina, não conseguiu afrouxar um milímetro os nós. E algo inusitado estava marcado em um dos cavalos, uma pequena letra "L".

"Lopes!", gritou perplexo.

"O que foi pai?", o filho menor perguntou.

"Vamos resolver esse problema de vez."

Os dois partiram de lá, indo em direção a fazenda ao lado. Atravessaram a cerca, passaram por um caminho de terra, até darem de cara com um cachorro nada amistoso. O canino rosnou, enquanto seus dentes afiados tornaram-se visíveis.

"Posso ajudar, Luís?", perguntou o proprietário do lugar.

"Damião, vim dar um aviso."

Os dois se encararam.

"Do que cê tá falando?", o outro fazendeiro ria.

"Controle seu filho, é a última vez que peço para ele ficar longe da minha casa."

"Meu filho esteve ao meu lado o dia todo."


"Meus cavalos apareceram trançados. Izabella viu um homem invadir a fazenda, não seria a primeira vez que seu filho faz isso."

"Ele não tem nada a ver com isso!", Damião levantou a voz e pôs uma das mãos na cintura. Seus dedos buscavam sua longa faca importada. "Você conhece a lenda, compadre. Não tenho culpa se tudo meu é melhor que o seu."

"Espero não ter que vim aqui de novo, afinal, nossa parceria acabou faz tempo. Vamos Guilherme."

"Vá pela sombra", disse Damião antes de soltar uma gargalhada forçada.

Luís e o filho se debandaram de lá sem olhar para trás.

"Vamos deixar eles em paz?"

"Talvez, filho, talvez."

O jantar em família mais uma vez foi comprometido por conta da briga na noite passada. Ninguém deu um pio. A sopa estava gostosa, apesar de ter sido feita as pressas, os legumes foram bem cozidos. Ao fim da refeição todos se prepararam para dormir, o famoso toque de recolher das dez. Iza demorou alguns minutos até apagar por completo, algo em sua mente teimava em querer mantê-la acordada.

Passaram-se alguns dias com mais coisas vindo a acontecer, uma delas, em especial, foi encontrar toda a plantação de milho estragada. Foram longos meses desperdiçados que fizeram Luís xingar tudo e todos. Agora os Lopes não tinham concorrência alguma para disputar. Um amontoado de negatividade estava pondo a prova toda sanidade do mesmo. Às vezes ele conseguia controlar, outras, era melhor nem tê-lo por perto. E agora, todas as manhãs eram de muita gritaria entre os adultos da casa, que revelavam uma personalidade explosiva antes escondida.

"Faça aquilo que ela pede, por favor, pela nossa família", Júlia suplicou.

"Você vai dar ouvidos a uma maldita lenda também?! Não vê que é isso que eles querem? Ficar com nossas terras! Aquele maldito filho da puta", disse Luís, sempre num tom mais alto. "Estão todos loucos aqui!"

Guilherme e sua irmã ouviam tudo de suas camas. O pequeno garoto não conseguia esconder o temor expressado pelo seu corpo, tremia os braços sem parar por baixo das cobertas. No fundo ele tinha medo que a raiva do pai desencadeasse um destino ruim e sem volta. Não era a favor das constantes brigas e ameaças feitas por ele para com os demais fazendeiros das redondezas ou, até mesmo, para sua mãe.

"Não se preocupe, Gui, eles sempre param. É só abraçar seu ursinho, tudo irá passar... Cadê ele?" Perguntou sua irmã, ao notar a falta do pelúcia favorito do irmão.

"Acho que o esqueci na varanda." Respondeu.

"Vou pegá-lo, então, assim ele poderá te proteger."

"Tá certo."

Iza desceu as escadas devagar para não chamar a atenção dos pais, pois sempre sobrava para ela boa parte das discussões. Passou pela cozinha, sem ser vista, cortou caminho pela sala - esgueirando-se na estante - e já estava com a cara na porta da entrada. Abriu-a, com cautela, mas tomou um grande susto ao ver um monte de bois caídos na frente da casa. Um deles era imenso, o predileto de seu pai, ganhador de vários prêmios, porém, morto como todos os outros.

"Pai, pai!", gritou a garota.

Os pais pararam com a briga por um segundo.

"O que foi?!"

"Vem ver isto aqui!"

Luís caminhou do seu jeito lento, intrigado com o chamado de sua filha, não gostava de acabar uma discussão tão cedo, ele era feito incêndio em mata fechada, caos corria por suas veias. Aquele sujeito de aparência forte parou de forma brusca e ao ver a cena macrabra diante de seus olhos sentiu uma dor no peito, cuja qual não tinha há mais de anos. Ao conferir de perto, não havia rastro de ataque feito por alguém, era um verdadeiro mistério.

"Não, não..." Soluçou Luís de joelhos e com a cabeça baixa.

"Pai, quem poderia ter feito tal barbárie?", perguntou Iza.

"...Um sujeito que propaga histórias mentirosas. E agora foi a gota d'água."

Ele levantou-se energizado por pura raiva. Os pensamentos em sua mente envolviam a espingarda e em dar um fim a todo o mal que o cercava. Não sabia como iria acabar, mas sabia por onde começar. Certificou-se de que a arma tinha balas suficiente para dar conta do recado. Inflou o peito e saiu de casa sem dizer nada.

"Para onde seu pai foi?", Júlia perguntou assustada.

"Não faço ideia."

"Meu Deus o que aconteceu aqui?!", disse Júlia impressionada ao ver todo o sustento da família indo totalmente por água abaixo.

A cada passo, Luís, recordava uma época de ouro, onde tinha muito dinheiro e podia comprar o que quisesse. Mas os tempos mudaram, perder todo seu gado e sua plantação era como aceitar a morte. Um prejuízo inimaginável para alguém desesperado. Abriu a porteira da fazenda dos Lopes, sem permissão alguma, e seguiu em direção à casa de seu vizinho. Reparou bem na grande plantação de milho estampada na entrada e nos animais fartos, marcados com as iniciais "L"; havia um contraste gritante agora entre ele e Damião. Na varanda, sentado numa cadeira, o proprietário do lugar descansava, mas ao ver Luís se aproximar, levantou-se.

"Achei que não fôssemos nos ver mais. Estava caçando? Pelo visto nem pra isso você serve", debochou ele.

O filho mais velho de Damião, apelidado de forma pejorativa de aluado, surgiu na presença de ambos. Apontou para o visitante e disse:

"Estás marcado. Desdenhaste da lenda, agora ela vem para pegar tudo. A Comadre Fulôzinha chegou!"

Os dois Lopes caíram na risada.

"Dá logo o que ela quer, Luís. Deixa de ser cabeça dura, ou desiste de vez das tuas terras", disse Damião amolando sua faca.

"Foram vocês, eu sabia! E agora ficam contando mentiras para se livrarem das acusações... Não existe porra nenhuma de Comadre Fulôzinha! Acabaram com a minha família! Nada mais justo que eu acabe com a de vocês", disse Luís, ao posicionar a espingarda na cabeça do seu vizinho.

Ao longe, Júlia e Iza ouviram os disparos vindo do outro cercado. Abraçaram-se, torcendo para o menos pior, pois sabiam da possibilidade de um grande desastre.

"Vá fazer suas malas. Ajude seu irmão com as roupas", disse Júlia.

"Para onde vamos?"

"Para bem longe daqui."

Atendendo ao pedido de sua mãe, a garota subiu bem rápido as escadas e foi para o quarto. Imaginava-se num filme de terror, no qual teriam de fugir antes do serial killer voltar a aparecer.

"Temos que nos apressar, Guilherme, vamos viajar."

"Viajar?" Perguntou o menino ainda escondido por trás do lençol.

"Sim. Pegue suas roupas e coloque na minha mochila, okay?"

"Tá."

Os dois reviravam cada canto do quarto para não deixarem para trás coisas importantes além das roupas. Guilherme pegou alguns de seus bonecos colecionáveis e os colocou na mochila.

"Vamos ficar quanto tempo fora, Iza?"

"Não sei, Gui, pode demorar."

"O papai vai?"

Iza ficou em silêncio por um breve momento, pensou em mentir mas o garoto cortou-a com uma outra fala:

"Espero que não, tenho medo dele."

Ela percebeu que não era a única a compartilhar desse mesmo sentimento, morria de pavor do seu pai. O sujeito era como uma bomba relógio pronta para explodir a qualquer momento e infelizmente este momento havia chegado. A mochila já estava bem pesada, os dois preparavam-se para descer. Enquanto isso, Luís voltou para sua casa, com as roupas e parte do corpo ensanguentados.

"Meu Deus", sussurrou Júlia assim que o viu.

"Estamos livres agora", disse ele sacudindo esposa.

"O que você fez, Luís?"

"Acabei com a praga, Júlia, agora poderemos ser felizes. Temos gado e produtos suficiente para ficarmos ricos!"

"Mas todos os nossos bois morreram, nossos milhos estão podres... Não temos nada", disse Júlia afastando-se do marido.

"Digamos que arranjei uns novos. O vizinho não vai precisar mais deles", ele respondeu com um sorriso discreto de um vilão de novela.

"Não, não..."

A distância entre os dois ficava cada vez mais curta. Júlia, então, teve de jogar um objeto contra Luís, mas ele não parou por nada.

"Você também enlouqueceu pelo que percebo, uma pena. Onde estão as crianças?!", gritou.

"Elas vão ficar bem longe de você, seu monstro!"

Como uma fornalha quente em sua cabeça, Luís, foi tomado por uma dor que era alimentada por puro ódio. Fechou o punho e deu um soco no rosto da sua esposa, o golpe pegou em cheio no nariz e parte do olho dela. A mulher foi jogada para trás, batendo a nuca na parede. Nocaute certo.

"Iza! Guilherme! Onde estão vocês?!"

As pobres crianças viram toda a cena escondidas debaixo da mesa da cozinha. Queriam ter defendido a mãe, mas seria uma missão suicida. Agora como irmã mais velha, Iza, tinha que levar os dois para um local seguro, pois seu pai estava surtado e poderia fazer algo de ruim com eles. A jovem segurou a mão de Guilherme, esperou o pai subir as escadas e quando viu uma boa oportunidade para sair na vantagem, não esperou duas vezes. Conteram o choro quando viram sua mãe caída no chão com o rosto todo machucado. Ao passar pela porta da frente, não pararam de correr. Ouviram gritos de seu pai os chamando, desesperado, mas não cederam. Teriam de escolher entre dois caminhos, cada qual com uma consequência. Se optassem pelo caminho de terra poderiam ser alcançados facilmente pelo pai, pois este conhecia cada trajeto, cada pedra do percurso. Então, decidiram arriscar pelo desconhecido, adentrar a mata fechada e torcer para dar tudo certo.

"Não solte minha mão por nada, Gui", disse Iza olhando-o nos olhos.

"Ok."

A mata tinha uma atmosfera assustadora, repleta de árvores enormes que ofuscavam a luz do sol, além de sons estranhos que pareciam vir de todos os lados. Porém, não era hora de pensar nas criaturas imaginárias. Iza tomou uma dose de coragem e entrou na floresta com seu irmão. Corriam com cuidado para não pisar em nenhuma armadilha ou animal peçonhento, em especial cobras. E tinha de estar atenta para não andar em círculos, algo muito fácil de acontecer ali.

"Voltem aqui! Iza! Guilherme!", o grito de Luís ecoava na mata.

O desespero na garota aumentou ao imaginar um futuro no qual os dois irmãos seriam maltratados, assim como sua mãe foi. Em um momento do percurso viu-se presa em meio a galhos pontiagudos de árvores petrificadas e alguns outros com uma porção de espinhos. Apenas uma pequena passagem em forma de túnel, cercada por plantas, dava acesso a outra parte da floresta.

"Aqui estão vocês!", gritou Luís, para a surpresa de todos. "Vamos voltar para casa, crianças!"

"Não!" Respondeu Iza com muita bravura.

"Não sejam teimosos! Guilherme, vamos para a casa com o papai", disse ele com a mão estendida para o garoto.

"Não!", respondeu o pequeno com um berro, resultado de um turbilhão de sentimentos guardados para si.

"Você envenenou a cabeça dele, não foi, Izabella?! 

Luís estava pronto para descontar tudo em sua filha, pela tamanha rebeldia da jovem, porém, um assobio tomou conta do ar, enquanto toda a floresta aquietava-se. O som estava longe, mas por algum mistério algo parecia estar muito perto. Luís sentiu um sopro gelado por trás do seu pescoço, resultando num arrepio uniforme. Ao virar-se, deu de cara com algo próximo do sobrenatural. Uma mulher baixinha, vermelha, dos olhos pretos e com espinhos por todo o corpo, apareceu. Seu rosto era um pouco deformado, possuía cabelos imensos que  arrastavam-se pelo chão, algumas folhas estavam presas aos fios. O clima quente logo mudou para um frio terrível. Iza paralisada de medo, não acreditava que tal monstruosidade poderia existir longe dos seus pensamentos.

"Gui", sussurrou ela, apontando para a passagem. "Vá indo."

Luís pegou a espingarda e atirou na assombração. Descarregou todas as balas nela mas não surtiu efeito algum, apenas deixou-a mais irritada.

"Comadre Fulozinha, você é real!", disse ele.

A estranha não respondeu. Seus cabelos transformaram-se em uma espécie de cipós negros.

"Por favor, deixe-me viver. Eu imploro!" 

A comadre segurou firme em seus cabelos, olhou raivosa para Luís e começou a açoitá-lo. Apenas um golpe desferido nele foi capaz de arrancar um pedaço da sua pele, deixando-a em carne viva.

"Está queimando!" Gritou ele enquanto sua pele caía.

O destino preparou-lhe uma consequência pelos seus atos macabros e de muito sangue inocente derramado. Sem ter havido nenhuma oferenda ou agrado, a dama da floresta decidiu vir ceifar a alma do fazendeiro; tendo ele a convicção de que havia errado em vida quando duvidou, de todos os sinais, da lenda da Comadre Fulozinha.

[...]

Essa foi a história cuja qual Iza passou para seus descendentes, alegando ser verídica. A mesma cuidou do seu irmão e de sua mãe, até os dois falecerem, deixando-a numa derradeira depressão. Mesmo assim, uma vez por ano, leva para dentro da floresta: um pouco de fumo, um pote de mel e uma tigela com papa. É o ritual de agradecimento que serve para acalmar a Comadre Fulozinha, o mais recomendável a se fazer, caso você vá para a zona rural. Fique atento aos sinais, não seja um descrente e ao ouvir um assobio, corra. Você não irá querer dar de cara com ela.


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