Prólogo
Epílogo
Conto
Estou em um lugar onde não posso gritar, chorar e lamentar. O medo jamais
seria bem-vindo aqui, não sei onde estou. Vejo pessoas serem castigadas por derramarem
lágrimas, os castigos são severos, suas peles apodrecem aos poucos e quando
elas gritam suas bocas queimam como se estivessem encostando no fogo.
Caminho por esse lugar com pouca iluminação e com um chão mucoso, estou
descalça, tenho impressão de pisar em várias lesmas, sensação nada agradável. Não
sei definir se o que sinto é frio ou calor, visto que a temperatura é aleatória em um
tempo extremamente curto. Um guri deitado e tremendo, está completamente nu,
seu corpo está revestido por um tipo de lodo e seu rosto também está coberto por
algo bastante nojento com uma cor peculiar, parecido com lilás. Aproximo desse
garoto e percebo que em sua barriga tem riscos que formam a palavra “suicídio”.
Observo ele por um tempo e sigo meu caminho sem me importar, estou em uma
situação que não posso nem me ajudar, o que poderia fazer com aquele pobre garoto?
Provavelmente estou em algum pesadelo, depois de entender a ter controle
dessa “realidade”, comecei a me meter em muitas confusões. O estranho é que mesmo
eu sabendo que não posso morrer, tenho medo de perder minha vida. Algo que gosto
até nos pesadelos, é que posso ser eu mesma e não preciso fingir me importar com
ninguém, porque não serei punida e a consciência permanecerá em paz. Algumas
pessoas podem considerar um absurdo sobre minha sinceridade, só que é essa verdade,
elas não conhecem o limite de sua bondade ou maldade, porque existe sempre
algo maior que coloca limites, sejam leis, religiões ou educação.
A maioria dos humanos pode pensar que dominar o sonho, significa ter poderes
ou ser capaz de estar em qualquer lugar. Gostaria de presenciar cada expressão
de desilusão em cada um que descobrisse a verdade, somos frágeis até fora da realidade
que é muito incompreendida.
Conseguimos encontrar algumas coisas pessoais, ocasionalmente encontro
meu diário, quando acho ele, consigo fazer algumas anotações que me impressiona, é
útil em momento que acordamos e não lembramos de quase nada.
Olha só! Um casal apaixonado atravessando uma ponte, tentarei me aproximar.
Cada vez que mais me aproximo, percebo que não se trata de um casal apaixonado
e sim de duas pessoas abraçadas com uma corrente enrolada nelas, como se
fossem obrigados a ficarem juntos para manter as aparências. Decido empurrar os
dois da ponte. Até que a morte os separem, certo?
A ponte que parece tão bela, aos poucos vai ficando velha e sombria, olho
para baixo e lá está o casal se afogando e não morrendo, o amor talvez não seja
eterno, mas o sofrimento pode ser. Bom, pelo menos eles não precisarão manter as
aparências, seja longe ou perto, perceberão que eles estão em desespero. Caramba!
Me sinto uma heroína, mesmo não querendo, penso que ajudar o próximo está enraizado
nos humanos. Continuarei seguindo meu caminho.
Outra vez aparece meu irmão caçula se cortando em meus pesadelos, não importa
quantas vezes tiro a lamina de suas mãos, ele sempre acha uma nova e sempre
encontra um lugar novo para se cortar.
Dessa vez, farei diferente, ajudarei ele a cortar seu corpo e perguntarei como
ele se sente sobre isso. Pego sua lamina e corto todo o seu rosto, braços e pernas. Ele
me olha assustado pela minha ação, pedi para que ele fizesse o mesmo comigo. Em
meu pedido, ele olhou em meus olhos e disse:
— Eu me corto porque me odeio, desconheço minha própria existência, já
você, minha irmã, não tenho coragem de cortar, porque sei o que sinto por você e
conheço o que representa.
Aquelas palavras deveriam me comover, não entendi porque não senti nada
no momento que ele fez aquela declaração. A única coisa que consegui responder:
— Deveria mostrar seu reconhecimento não só neste “Mundo”, maninho…
Esquecerá tanto sua importância, que deixará de existir por amar tanto os outros e
não ter coragem de fazer algo que ajude.
Limpo um pouco as manchas de seu sangue que está em minhas mãos e deixo
ele continuar fazendo o que faz de melhor. O ambiente muda repentinamente, em
poucos segundos, estou em minha sala de aula, de fato, não consigo fugir de tantas
hipocrisias reunidas.
Estou sentada na primeira fileira da direita para esquerda e na carteira da
frente, como uma boa aluna “disciplinada”, claro que não. Costumo sentar nesse lugar
para que eu não precise ficar olhando muito a “beleza interior de meus colegas”.
Podem me chamar de arrogante o quanto quiserem, abomino todos na mesma proporção.
Na verdade, eu odiava, quando não conhecia bem meus sentimentos, hoje,
sinto desprezo e respiro harmonia dizendo o quanto amo estar com todos. É melhor
desprezar alguém quando a pessoa pensa que você tem alguma afinidade e que não
existem motivos de intimidações.
Tenho uma paixão pelo Destino, ele sempre tenta chamar minha atenção,
jogando lembranças que me incomodam de alguma forma. Agora, por exemplo, estou
mais uma vez assistindo o espetáculo da minha “colega de sala” beijando alguém
que eu sentia prazeres e desejos de beijar. Não serei mentirosa, na primeira vez que
fui obrigada rever, chorei tanto, que perdi até o controle da respiração. Enquanto eu
perdia a consciência por falta de ar, eles dois provocavam gradativamente. Acabei
perdendo a consciência, acordei ainda com dificuldades na respiração.
Agora é diferente. Observo essa cena encarando com total indiferença e falo
em voz alta:
— Senhor Destino, quer ver algo inédito? Então mostre algo especial. Quero
sentir prazer, manifeste sua criatividade.
Em pouco tempo, os dois que estão envolvidos em um beijo “apaixonado”
começam a se enxergar como realmente são, criaturas. Eles se assustam, mas suas línguas
e seus lábios já não podem desgrudar. Eles olham para mim, mostrando medo,
aí que fico realmente frenética. Tudo fica tão bom, as pessoas ao redor sem boca,
não podem gritar, seus olhos sangram, tudo aquilo deixa meu corpo quente, o calor
aumenta tanto, que acabo tirando todo meu uniforme no mesmo momento que tudo
acontece.
Por isso sou apaixonada ele, só ele sabe me deixar louca com essa pura criatividade,
sem mesmo me tocar! Existem vantagens de ter o controle, que é poder
descontrolar a respiração por boas causas. O Senhor destino nunca ficou próximo de
mim, já o avistei algumas vezes bem de longe, mas nada que desse tempo suficiente
em me aproximar.
Quando estou conseguindo tirar o máximo de proveito em admirar meus
“colegas” acabo parando em outro ambiente. Um lugar que parece ser a sala de jantar
e para ajudar, me vejo cima da mesa e minha família está presente. Sim, todos estão
assistindo e eu ainda não estou vestida e também estou muito “molhada”.
O Senhor Destino pensou mesmo que poderia me deixar em agonia, coitado…
Lá estava minha família exemplar e com olhares de espanto. Com certeza eu
deveria me envergonhar, mas a única coisa que consegui dizer foi:
— Será que alguém pode me ajudar descer desta mesa?
Ninguém responde nada, todos continuam me olhando com manifestação de
espanto, mas as expressões vencedoras foram dos meus pais. Eles olham para meu
corpo como se não sentissem nada, meu irmão, como sempre, tampa os olhos e sente
pura vergonha alheia. Por alguns segundos, fiquei confusa por parar naquele lugar,
mas depois de um tempo começo a entender. Desço da mesa e sento no colo do meu
pai, viro meu rosto e fixo os olhares diretamente nos olhos de minha mãe, é a melhor
oportunidade de provoca-los:
— O que há com você dois? Quando ofereço meu corpo de boa vontade para
seus prazeres, vocês olham assustados, agindo como pais normais. Vamos lá, mãe,
leve-me para o quarto e sinta prazer em me tocar enquanto convence novamente
meu pai colocar outro filho dentro de mim.
No momento que acabo de falar, o ambiente fica completamente escuro e
começo a flutuar como se o local tivesse perdido a gravidade, não consigo me movimentar
livremente. O ambiente fica completamente silencioso. Depois de alguns
minutos de angústia começo a ouvir uma certa voz misteriosa, as primeiras palavras,
não consigo entender muito bem, mas depois conseguir compreender algumas frases:
“Você está quase pronta para além desse mundo, o ‘Submundo’…” A voz misteriosa
não para de repetir essa frase, me deixa completamente confusa.
Tenho a impressão de perda da consciência, significa que logo acordarei. Eu
poderia ter meu diário e anotar os acontecimentos, infelizmente será um progresso
perdido, porque posso não lembrar de nada. Talvez eu consiga lembrar de algo, só
não conto com isso.
Parece que alguém está me abraçando pelas costas! Sinto um corpo frio encostando
no meu, só que não consigo enxergar nada, tenho uma sensação de como
estivesse sendo abraçada pela própria morte. Enquanto estou sendo abraçada, a voz
que estava longe parecia ser desse ser que está me abraçando e dessa vez me dizendo
outras coisas…
— Aqui está o que você precisa. Cuide melhor das suas anotações. Não se
acostume com esse apoio, pois, na próxima terá que encontrar sozinha.
Sinto em minha mão direita algo sendo colocado, parece ser meu diário…
Sim! É o meu diário. A gravidade parece estar sendo normalizada e já não ouço mais
nenhuma voz e nem a sensação de ser abraçada. As luzes voltam, mas dessa vez são
iluminações de vela, ainda estou na sala de jantar, mas minha família já não está por
aqui. Olho para meu corpo e estou vestida com meu pijama.
Um garoto aparece todo sigiloso, vestido igual o ser misterioso que costumo
chamar de Senhor Destino, seria ele? Ele me encara por alguns segundos, negando
ser o que costumo chamar de “Senhor Destino” percebendo que já estou em total
descontrole deste ambiente, resolvo tentar conversar com ele:
— Quem é você e o que você quer?
Ele reage cinicamente com minha pergunta e continua encarando como se
quisesse me falar algo, mas não diz nada. Não vejo escolha a não ser tentar sair do local
e deixar ele lá, talvez seja só uma distração. Antes de tentar sair, penso em anotar
esse acontecimento no meu diário, quando resolvo abrir, ele reage dizendo que não
poderei registrar este momento.
Esse garoto me deixa completamente embaraçada, revelando que é meu futuro
filho suicida. Ele me diz que costumo repetir algumas coisas quando entro neste
“Mundo”, mas que estou progredindo, porque algumas de minhas ações estão evoluindo.
Bem que eu poderia perder minha consciência agora mesmo e ser poupada
de um momento estranho como esse, mas como não tenho outra escolha, continuarei
ouvindo.
— Nicole, não adianta anotar muitas coisas em seu diário, porque só vai estar
anotado aquilo que queremos que esteja escrito e não pense em agir como se estivesse
no controle, porque você ainda não tem o domínio de quase nada!
O garoto começa a me intimidar de uma forma que me provoca muita raiva,
sinto vontade de esgana-lo agora mesmo.
— O que você quer de mim? Quer me deixar louca? Você não pode chegar
desse jeito dizendo que é meu filho, que irá se suicidar e não explicar absolutamente
nada. Agora você vai esclarecer as coisas que diz, senão darei um jeito de sair desse
lugar agora mesmo!
Preciso ser agressiva com ele para ter algum resultado, mas ele me olha como
se estivesse realmente no controle da situação, um sorriso surge como se ele já esperava
que eu fosse reagir dessa forma. Será que ele é realmente quem diz ser?
— Mãe… Sei o que a senhora passa e conheço o que ainda vai passar. Reconheço
todos os sofrimentos que estão em sua memória, enxerguei a dor que sentiu
em sua alma e seu corpo quando foi abusada diversas vezes pelos seus próprios pais.
Sinto esse seu amor que tem pelo seu irmão e o medo que ele tire a própria vida um
dia por ser obrigado a testemunhar os acontecimentos e não conseguir fazer nada.
Estou com as emoções fora de controle e não sei se estou prestes a chorar ou
gritar, eu só quero sair disso e acordar e não lembrar de nada. As lágrimas caem por
si mesmas, o garoto que diz ser meu filho se aproxima e me abraça. Seu abraço me
causa um conforto que nunca senti antes, sinto até vontade de dizer que o amo.
Ele continua me abraçando e dizendo que em breve terei o controle de qualquer
coisa. Começa a escurecer novamente. A voz misteriosa ressurge dizendo novamente
que “estou quase pronta para o Submundo, mas ainda restam vestígios de
medo e insegurança”…
Acordo em minha cama, ouço a voz da minha mãe me chamando para a cozinha,
meu irmão entra em meu quarto animado por ser o dia do meu aniversário
de dezesseis anos. Vou até à cozinha e lá está minha família completa. Sinto uma
sensação estranha, uma vontade enorme de vomitar só de olhar para aquele bolo
e doces. Sinto uma tontura como se minha pressão estivesse alterada e todos ficam
preocupados, meus tios pedem aos meus pais que eles me levem para o hospital. O
clima fica muito tenso, meus pais pedem para meu irmão me acompanhar no quarto
e me ajudar a colocar algum agasalho e poder sair.
Entrando no meu quarto, vejo o diário do lado da cama e olho as últimas páginas
escritas,“seja forte, em breve você terá o controle de tudo, parabéns pela nova
gravidez”. Não acredito! Isso não pode ter acontecido novamente… Meu irmão se
assusta com minha reação, começo ter uma crise de choro. Ele parece muito confuso
e chama meus pais a entrarem no quarto.
Minha mãe entra no quarto com expressão de preocupada e com uma seringa
em sua mão, ela finge me abraçar e aplica essa seringa em mim.
— Filha, se acalme, eu e seu pai, iremos resolver.
Foram as últimas palavras que lembrei antes de tudo ser apagado…
Estou em um lugar onde não posso gritar, chorar e lamentar. O medo não é
bem-vindo por aqui, não sei onde estou…