Prólogo
Epílogo
Conto
Preparava a mistura: uma xícara de farinha de milho, duas de açúcar (muito
doce, pensou), uma de leite quente, outra de óleo, meia de chocolate amargo, quatro
ovos, uma colher de sopa de fermento, óleo e fubá para untar. Quarenta minutos a
cento e oitenta graus, no forninho elétrico pré-aquecido.
Rudolf van den Stein era assim, digamos, bem-acabado, esmerado, aplicado,
apurado, aprimorado, quando tencionava algo.
Fechou a porta da cozinha. Um pouco da janela também. Era motivo de chacota
por estes cuidados com o soprar do vento, mas e se o bolo sem glúten desanda?
Não! Abriu rapidamente o aparelho. Esquecera do principal: meia xícara de
nozes e amêndoas, ao natural, picadas por igual, com sua super afiada fina faca pontiaguda,
da qual até ele tinha considerável receio. Ficava na bainha original, como
viera na revista, cuja função primeira seria partir tomates cereja, que ele detestava.
Já a cor...
Destemido, obstinado por leitura, Padre Vieira lhe supria:
“É a guerra aquele monstro, que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas,
e quanto mais come, e consome, tanto menos se farta.”
Dos próprios escritos, o preferido, inspirado na ex:
“Lobos Cerebrais
Agonia, não respirava, pensava, pensava, enlouquecera? Enlouqueceria?
E seu cérebro borbulhava larvas e demônios, não conseguia respirar, e sua
ânsia lhe arrancava os cabelos, com caspas, e jorravam minhocas em frenesi, gemendo,
e viravam setas que fincavam e dilaceravam. Não, borbulhavam gosmentas
serpentes picantes com seus uivos felinos, então eram gigantes, então se foram e
ficou o vazio (ou o oco).
E pipocavam, devoravam o cérebro e se instalaram no vazio.
E seu cérebro se abriu em dois, de um lado minhocas, do outro serpentes,
larvas ao fundo que borbulhavam nas fezes, e iam enlouquecendo, e se consumindo,
e pensando se e que e para que tal coisa, saiam pelas orelhas, nariz, iam garganta
adentro.
Porque falava sem pensar, ficava nervosa, e depois não dormia, demônios
vociferavam, reverberava olhos ao chão — lhe escapuliam e se apoderavam de tudo,
natureza viva virou morta, e brotavam, escalpelavam, e via pessoas.
Loucura.
Era preciso parar o cérebro, que vinha, se apossava, e lhe dilacerava, cortava
em fatias, que cozinhava.
Lagartos repicavam, triplicavam, rebentavam.
E as imagens iam mordicando, tomando conta, e lhe picavam o cérebro, açoitavam,
e ela gritava, e arrancou a cabeça, que fervia num tacho de ferro enorme.”
A torta, no entanto, era para a atual. Extravagante, espantosa, colossal, estupenda,
enigmática Gertrudes!
Arrepia-se imaginando-a deliciando-se na guloseima e sussurrando: horrendo,
assombroso, pasmoso, disforme, perverso, cruel aberração abominável!
Desarvora na sexta-feira úmida, nebulosa, só ele na estradinha. Vagueia lento,
esbarrando no cascalho, esgueirando-se entre os arbustos. E uma ânsia lhe toma,
e seu ar consome, e seu corpo arde, as unhas rebentam, a cabeça lateja, e vê, no breu,
Gertrudes! Só ela, ela, ela... E corre desvairado, corre feito onça, o lindo lobo de pelo
preto liso reluzente. E avança, e a seiva e a saliva escorrem da mandíbula rubi, e a fera
fenece frente a donzela.
E ela, encantada, polvilha geleia e Rudolf devora o bolo e sucumbe estatelado
com a receita dela!