Prólogo
Epílogo
Conto
Meus dias são sempre os mesmos. Uma rotina que qualquer pessoa que me conheça saberia descrever sem errar nenhum passo. Levantar cedo, tomar um café bem quente, colocar minha pilha de papéis em ordem, passar 12 horas dentro de uma sala de aula, comer, ver um pouco de televisão e dormir. Muitos anos repetindo os mesmos ciclos.
Para muitos, sou uma mulher de ferro, mas poucos sabem que por baixo dessa armadura que eles enxergam existe uma bomba que pode explodir a qualquer momento.
Enfim, quem se importa com os problemas de saúde de uma professora com mais de sessenta anos, não é mesmo? Eu amo o meu trabalho, mas às vezes gostaria que a escola cuidasse melhor dos seus professores e alunos.
O calor hoje está insuportável. Não me lembro de ter ouvido falar no jornal que o dia seria tão abafado. Enquanto eles fazem a atividade, eu tento corrigir algumas provas. A dificuldade de me concentrar com toda essa temperatura é maior do que eu poderia imaginar.
Olho para meus pequenos que hoje estão tão quietos. É raro vê-los assim tão concentrados em suas atividades, mas como valerá uma boa parcela da nota não é de estranhar que eles estejam tão aplicados.
Minhas mãos estão escorregadias por causa do suor. Seria bom algo que pudesse refrescar, e, como se algum deles tivesse adivinhado meus pensamentos, sinto uma leve brisa vinda do ventilador. Mas, quando olho na direção da parede em que fica o interruptor, não há ninguém.
O velho aparelho barulhento continua desligado. Como assim? Percebo então que a porta está aberta.
Olho novamente para a sala, e confesso que estou realmente assustada. Onde foram parar todos?
— Ok, queridos, excelente travessura, mas onde estão vocês?
O calor começa a se dissipar. Sinto frio. Decido levantar e olhar no corredor. Para minha surpresa, a escola se mostra deserta. Tudo vazio e todas as portas abertas.
Caminho pelos corredores e observo cada sala de aula. O ambiente parece envelhecido e gasto, como se anos tivessem passado. Os alunos e meus colegas de trabalho não estão em lugar algum.
“O que está acontecendo aqui?”
Dou alguns passos em direção à porta que dá acesso ao pátio. Tudo solitário e um tanto tristonho. O mais estranho é que estava sol, e agora parece que o dia foi engolido pela noite. Como se o tempo tivesse mudado do nada.
Uma luz brilha muito forte pelo corredor vindo da direção da minha sala de aula. Mas, apesar de forte, ela não me incomoda. Eu realmente devo estar ficando doida. Acho que adormeci sobre as pilhas de provas e isso é um sonho.
Dou alguns passos vagarosos na direção daquele facho de luz intensa que parece me convidar a correr para ele. Não posso deixar de sentir a ironia de que seria muito bom poder correr como nos velhos tempos, mas hoje em minha idade e com meus problemas de saúde isso é impossível. A cada passo que dou, parece que me conforto mais de estar sozinha.
Quando chego na entrada de minha sala, a luminescência é tão viva que mal consigo ver o que está à minha frente. Assusto-me ao sentir o toque de uma mão tão pequena a segurar a minha.
— Aninha? Como pode?
Meus olhos se enchem de lágrimas. Aninha foi uma de minhas melhores alunas. O destino fora tão cruel com ela e seus pais. Todos eles morreram num acidente de carro há muitos anos e…
— É isso, então?
— Vai ficar tudo bem, professora. — Sua voz doce e alegre chega até mim. — Viemos buscar a senhora.
Olho em volta e me surpreendo ao ver alguns alunos cujas vidas haviam se extinguido antes da minha. Alguns pais que sempre me foram gratos pelos cuidados que tive com seus filhos. Todos aqui. Na minha frente.
— Não precisa ter medo — Aninha me diz. — Quando estiver pronta, é só fechar os olhos e iremos para nossa nova casa.
De longe, ouço vozes. Choros e lamentos. Reconheço algumas dessas vozes. Sim, são meus alunos de agora. Alguns colegas. Meu tempo se acabou, e eu não tenho medo. Eu estou tranquila.
Só fico triste de saber que muitos vão se lembrar de mim desse jeito. Partindo sem dizer adeus. Mas não fiquem abalados, meus queridos. Nenhum de vocês. Sempre me lembrarei de cada um.
— Estou pronta!
Fecho meus olhos, a luz some e o silêncio me conforta.