Prólogo
Epílogo
Conto
Era uma noite agitada na taverna. As pessoas queriam saber as notícias da guerra; muitos diziam que aquela seria a guerra mais sombria de todas, e alguns falavam que seria o fim do elfos, dos anões e dos humanos.
— Estou dizendo — falou um homem alto, que não parava de balançar sua caneca de cerveja. — Esses malditos anões ainda vão botar tudo a perder. Eles estão mais preocupados em salvar a porcaria das suas pedras do que nos ajudar nos Campos de Rath.
— É porque vocês humanos não utilizam metade do cérebro que têm. Sem essas pedras que você chama, nós não podemos fazer nenhuma armadura ou armas. E, embora sua cabeça deva ser dura o bastante para aguentar um golpe de machado de um goblin, a maioria de nós não tem tanta sorte assim — comentou um anão de cabelos ruivos.
— Cuidado com o que você fala, anão! Eu adoraria ter um motivo para quebrar você em dois — disse o homem.
— Eu adoraria ver você tentar — retrucou o anão.
A maioria das pessoas já estava dando espaço para os dois começarem a trocar socos. O combate terminaria quando a primeira gota de sangue fosse derramada: essa era a regra da taverna, e todos deveriam obedecê-la. Mas antes que o primeiro golpe fosse dado, um garoto entrou pela porta do estabelecimento.
— Por Deus, garoto! Feche logo essa porta, está entrando um frio maldito aqui — falou um dos homens que estava perto da entrada.
— Desculpe, desculpe — apressou-se em dizer o garoto. Ele era jovem e meio atrapalhado. Usava roupas puídas e tinha os cabelos na cor da palha.
— Thomas, você sabe que eu não vou lhe vender nenhuma bebida. Mesmo que você invente que é para os seus pais — disse o taverneiro quando o garoto chegou ao balcão.
— Eu sei, Andrés. Eu queria comprar leite, na verdade. Só você está aberto com esse tempo, e meu irmãozinho está muito doente. Minha mãe achou que um pouco de leite de cabra com hortelã poderia fazer bem para ele — respondeu Thomas.
— Isso eu posso vender para você. Espere um minuto, vou buscar o leite lá no fundo — respondeu o taverneiro.
— Leite... Que tipo de pessoa vem a uma taverna pedindo leite? — comentou o homem que falara mais cedo sobre os anões.
— O tipo de pessoa que está preocupada com a sua família — respondeu o garoto, simplesmente.
— Você tem coragem, garoto — disse o homem, dando um sorriso sarcástico. — Um rapaz jovem e vigoroso como você deveria estar nos exércitos nos defendendo. Mas espere... Você não foi aceito porque tem medo de sangue, não é, pequeno Thomas? Você parece um bebê, nem pelo na cara tem ainda.
O comentário provocou algumas risadas pela taverna.
— Posso ter medo de sangue e não ser muito útil em uma batalha — começou Thomas. — Mas pelo menos eu não finjo que lutei em vários fronts e depois fico me vangloriando desses feitos em uma taverna quando na verdade fui expulso do exército no primeiro dia porque não consegui nem embainhar uma espada direito.
— O que você disse, moleque?! — gritou o homem, agarrando Thomas pela camiseta. — Fale isso de novo, e eu juro que arranco todos os dentes dessa sua boca imunda!
— Solte-o — falou uma pessoa sentada ao bar. Ela usava uma capa com capuz que escondia por completo seu rosto. Também parecia que ela era a única pessoa que estava sozinha na taverna e, a julgar pela quantidade de garrafas perto dela, tinha bebido mais que a maioria.
— Não se meta, ou vai sobrar para você também — advertiu o homem.
A pessoa encapuzada se levantou e segurou a mão do homem que agarrara a camiseta de Thomas. Ela era mais baixa que o homem, mas tinha um aperto de mão firme.
— Eu disse para você soltá-lo.
O homem largou Thomas e desferiu um soco contra a pessoa de capuz. Mas esta já esperava por isso. Ela moveu a cabeça para a frente e acertou bem no meio do rosto do homem com a sua testa.
— Seu desgraçado! Você quebrou o meu nariz! — gritou o homem, enquanto levava uma de suas mãos ao nariz para conter o sangue que escorria. — Eu vou matar você. Peguem-no!
Uma mão agarrou a capa da pessoa, mas ela conseguiu se livrar sem nenhuma dificuldade. Contudo, agora ela estava sem capa e todos ficaram surpresos de ver que se tratava de uma mulher. Ela tinha cabelos pretos na altura do ombro e olhos verdes. Levava uma fina cicatriz prateada no seu olho esquerdo, mas isso não manchava sua beleza. Ela tinha uma postura altiva e um olhar mais profundo do que o próprio tempo.
— Vou querer isso de volta, se você não se importar — disse a mulher para o homem que segurava sua capa.
— Você não sabe com quem está se metendo, não é? — voltou a falar o homem que estava com o nariz quebrado. — Você até que é bonitinha. Pena que vamos ter que machucar esse lindo rostinho agora que você quebrou o meu nariz.
Com isso, mais quatro homens se juntaram aos outros dois que estavam perto da mulher e a cercaram. Ela não fez nenhum sinal de que estava preocupada; até parecia que estava entediada com aquela cena toda.
E, então, um dos homens atacou.
A mulher reagiu rápido demais para ele, acertando uma cotovelada no seu rosto. Outros dois se jogaram para cima dela, mas ela lidou com eles sem nenhuma dificuldade, quebrando o braço de um e acertando uma joelhada no diafragma de outro, deixando-o sem ar.
— Parem de brincadeira e acabem logo com isso! — bradou o homem com nariz machucado.
Depois de se recuperar um pouco, todos partiram para cima da mulher. A luta acabou em um piscar de olhos. Os seis homens se encontravam agora no chão, cada um deles com várias contusões e membros quebrados enquanto a mulher estava totalmente ilesa.
— Vou ficar com isso — disse ela, abaixando-se para pegar sua capa das mãos de um dos homens.
Ela virou-se para voltar a se sentar no seu lugar, como se nada tivesse acontecido. Mas parou no caminho, sentindo uma leve vibração no ar. Quando se virou, o homem com nariz ensanguentado estava com uma faca a centímetros do seu rosto. Ela não procurou se defender, não tentou se mover. Na verdade, ela não fez nada, pois percebeu que o homem estava imobilizado naquela posição.
— Eu pensei que havia sido claro sobre as regras deste local — falou uma voz atrás da mulher. — Após a primeira gota de sangue de um dos lados, a luta acaba. Vocês me desrespeitaram.
O taverneiro havia voltado e dissera aquelas palavras para os homens que agonizavam no chão e, especialmente, para aquele que quase apunhalara a mulher. Contudo, algo nele estava diferente. Sua aparência frágil agora parecia uma memória de um passado distante, e seus olhos um pouco cansados mostravam um brilho e uma ferocidade sem par. E até mesmo as luzes da taverna pareceram brilhar mais intensamente.
— Desculpe, taverneiro. Nós não queríamos...
— Vocês não queriam! — interrompeu o taverneiro. — Vocês vêm aqui todos os dias perturbar a maioria dos meus clientes e eu não ligo, deixo vocês bancarem os valentões porque eu não me importo muito. Agora, eu sempre pedi a vocês que respeitassem as minhas regras e hoje vocês violaram uma delas. Sabe quão fácil seria para mim quebrar todos os seus ossos enquanto eu te prendo desse jeito? Ou talvez eu devesse fazer você beber vinho e acender fogo dentro do seu estômago? Isso seria divertido. Por que não experimentamos? — disse o taverneiro, pegando uma garrafa detrás do bar.
— Por favor, nos desculpe. Nós não queríamos... Prometemos nunca mais fazer isso... Eu não sei o que deu em mim, eu só...
— Fora! Todos vocês! E, se vocês pisarem de novo na minha taverna, eu juro que será a última vez que vocês terão um pé! — gritou o taverneiro.
Os homens que estavam no chão ajudaram uns aos outros a se levantar e foram embora o mais rápido que conseguiram, mancando e fazendo caretas de dor por conta dos seus ferimentos. O homem de nariz ensanguentado agora conseguia se mover livremente, livre do poder do taverneiro. Ele estava com tanto medo que andava sem se dar conta de aonde estava indo, esbarrando em tudo e em todos até sair da taverna.
— Perdoem-me, senhores. Por favor, continuem apreciando as bebidas e divirtam-se. Já vou levar uma rodada grátis de cerveja para todos — disse o taverneiro, voltando à sua expressão normal.
O restante dos membros da taverna ficou feliz ao ouvir “bebidas grátis”. Todos se levantaram e começaram a fazer brindes à saúde do taverneiro. A mulher, porém, voltou para o seu lugar e continuou bebendo.
— Obrigado — falou Thomas para ela. — Eu não sou muito bom de brigas, então mesmo bancando o valente para cima deles provavelmente eu iria levar uma surra. Obrigado mesmo.
A mulher fez um aceno com a mão, simplesmente, sem desviar sua atenção do seu copo.
— Você faz parte daquele grupo, não é? — disse o rapaz em voz baixa, se aproximando dela. — As setes lâminas de Lorthes. Eu vi o seu colar quando você escapou daquele cara que agarrou sua capa. É você, não é?
— Você está ouvindo muitos contos de fada, criança — respondeu a mulher.
— Não são contos de fada! Eles são reais. Elderin uma vez lutou sozinho contra 100 goblins. Sílica defendeu sozinha os portões de MayField, e Arya apagou um grande incêndio com apenas o balançar das suas mãos. Eles defenderam o nosso mundo na última guerra, comandaram exércitos e foram honrados por reis. Eles...
— Eles estão mortos! — cortou a mulher. — Eles estão mortos, garoto. Esses três que você falou e Kyla morreram. E tudo para o quê? Eles acreditavam que estavam lutando por um motivo nobre, que protegeriam o nosso mundo da maldade que tentava corrompê-lo. Mas acontece que isso não está muito certo, não é? Sim, nós vencemos a guerra, mas olha o nosso estado agora! Fome por todo lado, mais e mais casos de violência, roubos, estupros. Reis lutando uns contra os outros por pedaços de terra, e cada vez mais pessoas morrendo por suas causas egoístas. Isso me faz perguntar se tudo o que eles fizeram valeu a pena. Se todo o sangue e lágrimas que cada um deles derramou realmente significou algo. E agora... Agora estamos de novo no começo de uma outra guerra, sobre a qual muitos reinos não se importam! Eles só querem saber deles mesmos, como se os goblins fossem respeitar as fronteiras dos seus lindos castelos.
Thomas ficou um tempo pensando no que responder.
— É verdade que a situação nos reinos não anda boa — começou. — Mas eu não acho que o sacrifício deles foi em vão. Minha mãe me contou que eu era muito doente quando criança e os médicos não conseguiam fazer nada para curar minha doença. Ela pensava que cada tosse minha seria a última, que eu engasgaria no meu próprio sangue. Mas um dia eles passaram pelo nosso vilarejo e minha mãe pediu para que eles curassem seu filho. Nenhum deles era médico, mas cada um tinha um poder especial e minha mãe acreditava que algum deles poderia me curar. E foi o que Kyla fez. Ela começou a cantar uma canção, e naquela hora eu senti como se o vento que entrava nos meus pulmões fosse a própria vida e que cada vez que eu expirava era como se uma parte da doença deixasse meu corpo. Então, depois daquele dia, eu nunca mais fiquei doente.
Ele continuou:
— Talvez você ache que eles não fizeram muito. Mas eles salvaram a minha vida e para mim eles são heróis que lutaram bravamente por todas as pessoas no reino. E ainda não acabou. Você disse que quatro deles morreram, mas ainda sobraram três. Você e mais outros dois!
— Por que você insiste em dizer que eu sou um dos sete?
— Pelo jeito que você luta, pelo colar no seu pescoço. E porque até agora você não negou que faz parte deles — disse Thomas, dando um sorriso.
— Você é meio espertinho, hein? — falou a mulher. Ela ficou um tempo olhando para o seu copo antes de continuar, como se estivesse lembrando de um passado que mal se recordava. — A Kyla sempre foi muito gentil com todo mundo, especialmente com crianças. Ela ia gostar de saber que você realmente sarou. Ela não sabia se daria certo, a magia dela nunca foi muito precisa. Iríamos passar a noite no vilarejo por sua causa, mas um corvo chegou pouco depois dizendo que os goblins tinham atacado uma cidade no norte. Então, saímos correndo para lá.
— Eu sabia! Quatro dos sete membros das lâminas eram mulheres. Então, você deve ser a Miahra. É verdade que você tem duas espadas, uma feita pelos anjos e outra pelos demônios?
— Não — Miahra disse, rindo. — As pessoas acham isso porque uma delas é preta como carvão e a outra parece que foi feita de pérolas, mas elas foram criadas por pessoas deste mundo. É até um pouco engraçado, não acha? Somos chamados de sete lâminas de Loreth, mas usávamos oito espadas. Bom, você pode dizer que eram sete já que a espada de Kyla era feita de vento, então não dava para ver muito bem.
— E onde elas estão? Será que eu poderia vê-las?
— Elas estão enterradas assim como os meus companheiros que já tombaram, garoto.
— Mas elas são suas espadas. Elas são uma parte de quem você é!
— Uma parte de quem eu era. Eu já disse, garoto. As sete lâminas de Loreth estão mortas. Nós falhamos.
Thomas colocou uma de suas mãos no ombro de Miahra, timidamente.
— Eu não consigo entender a dor pela qual você passou quando perdeu seus companheiros. Vocês riram juntos, choraram juntos, sangraram juntos. E a morte deles deve ter devastado você mais do que tudo neste mundo, mais do que qualquer corte de espada poderia fazer. Mas vocês não falharam. Você ainda está aqui, e seus dois outros companheiros não morreram. Vocês estão aqui para carregar os desejos e sonhos dos outros quatro. Viva por eles, lute por eles. Lute pelo mundo em que eles acreditaram.
Por um tempo, Miahra ficou olhando para Thomas. Ele era só um garoto, mas disse coisas que muitos nobres e reis jamais pensariam em falar. Ele era um pouco irritante com o idealismo dele, mas falava com o seu coração.
Miahra lembrou-se do passado. Ela nunca gostou da bajulação da corte e nem o código distorcido dos cavaleiros.
A guerra do passado era diferente desta. Os reis que sentavam nos tronos naquela época eram mais justos e com o coração mais puro. Eles se importavam mais com o seu povo do que com os tesouros dentro de seus castelos. E por isso eles lideraram os exércitos em muitas batalhas. Mas, assim como seus companheiros, muitos deles haviam morrido na última guerra.
Seus herdeiros não aprenderam nada com seus pais. Eles cresceram em meio à paz e foram ensinados que o mundo nunca mais passaria por algo como aquilo de novo. Eles viraram governantes avarentos e egoístas, deixando o povo passar fome enquanto aumentavam cada vez mais os impostos que o povo deveria pagar para eles.
Eles foram educados errado. Os goblins não haviam sido completamente derrotados. Eles esperaram por muito tempo, mais tempo que seria aceitável para a sua raça, mas esperaram mesmo assim. Esperaram o momento certo de realizar um novo ataque contra o reino. Desta vez, eles estavam mais organizados, mais estratégicos, mais objetivos.
Quando as forças dos reinos começaram a ser derrotadas, muitos reis pediram ajuda para os últimos três membros das lâminas. Mas as lâminas estavam partidas. Cada um dos sobreviventes tinha perdido mais do que seus companheiros; eles perderam algo que nenhuma palavra poderia expressar. E, no momento de mais sofrimento deles, o mundo virou as costas para eles. Todos se esqueceram das lâminas, pensando que eles já tinham cumprido o seu papel e que agora deveriam existir apenas na história. Então, foi o que eles fizeram. Os últimos três membros decidiram deixar Lorthes e esquecer dos problemas do mundo.
Miahra, porém, sempre acreditou que havia algo de bom nas pessoas. Ela sabia que ainda podia haver bondade nos seus corações, mesmo eles tendo mostrado provas do contrário. Ela decidiu andar pelos quatro cantos do mundo procurando um local em que ainda existia pessoas que buscavam um mundo melhor, que pensavam em coisas além de si mesmas. Mas ela não encontrou ninguém assim. Era como se eles tivessem vencido a última guerra e a perdido ao mesmo tempo, porque perderam algo mais precioso que suas vidas. Então, ela desistiu de procurar. Ela queria apenas se esquecer de tudo, enterrar todas as suas memórias no fundo da sua mente e até mesmo se esquecer de quem era. Havia dias em que ela nem lembrava mais qual era o seu nome. Ela se tornara um fantasma que ainda estava vivo. Era assim que ela se sentia. Até agora.
— Thomas! Para de encher o saco da senhorita e vá logo levar isso para o seu irmão antes que eu te coloque para fora — disse Andrés, entregando uma garrafa de leite para ele.
— Desculpe, Andrés. É que, bem... ela é... bom, eu vou indo. Obrigado, Andrés, e até mais.
— Minhas desculpas, lady Miahra — disse o taverneiro. — A senhorita acabou tendo que lutar e ainda por cima o garoto ficou perturbando você. Ele é um bom rapaz, só é um pouco sonhador demais.
Miahra ficou um tempo olhando para o seu copo de vinho, vendo como a luz das velas mudavam a cor da bebida.
— Sua técnica continua impressionante como sempre, Andrés. Quantos anos você tem mesmo?
— Ah, milady, vamos dizer que eu já vivi verões demais e que ainda eu tenho muitos outros pela frente.
— Sempre enigmático, você. Escute, preciso que você feche a minha conta. Quero acertar tudo com você hoje.
— Claro, milady. Mas posso perguntar o motivo de a senhorita querer fechar a sua conta hoje? Se é por conta da confusão que houve, eu sinto muito. Garanto que isso não voltará a acontecer.
— Não é por isso, Andrés. Você sabe que eu não deixaria de tomar seu vinho por qualquer coisa.
— Então, por que, milady?
Miahra olhou para a taverna. Ela estava mais vazia agora; apenas algumas pessoas ainda continuavam bebendo naquela noite de inverno. Mesmo assim, a taverna nunca parecera tão viva para ela. Ela sabia que sentiria falta daquele lugar; nunca formara nenhuma amizade com as pessoas que passavam por lá, mas era como se aquele local fosse uma segunda casa para ela. A cacofonia das conversas, o som de canecas batendo umas nas outras, pessoas rindo e chorando algumas vezes, canções sobre heróis do passado, uma comida ruim mas ao mesmo tempo gostosa... Todas essas coisas eram especiais para Miahra. Ela sentiria falta daquele lugar, mas sabia que precisava estar em outro lugar no momento. O mundo precisava dela.
— Vou dar novos motivos para as pessoas cantarem canções na sua taverna, Andrés — ela disse, dando um sorriso para o taverneiro, que retribuiu o gesto.
— Ah, entendo. Nesse caso, boas aventuras para você, milady, e espero que você possa contá-las para mim pessoalmente quando retornar.
— O que te faz pensar que eu vou voltar?
— Nem a morte seria capaz de separá-la deste lugar, lady Miahra — ele disse, dando um piscada de olhos para ela.
— Você tem razão, Andrés. Até breve, então, velho amigo.
***
Enquanto andava de volta para casa, Thomas pensava no seu encontro com uma lenda do passado. Vê-la daquele jeito era algo deprimente; ela não se parecia em nada com o que as canções falavam. Ela estava sozinha, debruçada sobre um monte de garrafas como se quisesse apenas morrer, mas a morte continuava frustrando seus planos. Porém, Thomas também viu outra coisa antes de sair da taverna. Talvez fosse só a sua imaginação, mas, antes de ele ir embora, ele viu um brilho diferente nos olhos dela. Era a luz de um fogo quase extinto, mas que lutava desesperadamente para se manter vivo. Quando se lembrou disso, ele olhou para as estrelas do céu noturno e sorriu. Mesmo nas noites mais escuras, ainda existia luz. Nós só precisávamos nos esforçar para encontrá-la.
***
Chegando em casa, Miahra foi até o seu quarto. Era um quarto simples, apenas com uma cama e também um baú. Ela o abriu usando o colar que carregava no pescoço. Dentro dele, havia uma cota de malha ainda manchada de sangue, algumas folhas maltratadas pelo tempo e, no fundo de tudo isso, duas espadas. Ela vestiu a cota de malha, guardou as folhas e ficou um longo tempo encarando aquelas armas. Não sabia se ainda merecia empunhá-las. Era quase como se elas tivessem sido feitas para outra pessoa, para alguém que não era ela naquele momento. Porém, ela sabia que elas precisavam voltar ao mundo; ela precisava voltar ao mundo. Ela precisava ser Miahra das duas lâminas novamente.
E foi isso o que ela fez.