Mistério: Assassino de quem morreu?

Sci-Fi
Começou, agora termina queride!

Conquista Literária
Conto publicado em
Mirage: Miscelanea de Narrativas Irreais vol. 01

Prólogo

Epílogo

Conto

Áudio drama
Mistério: Assassino de quem morreu?
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Como se percebe, pelo título, o enigma desse enigmático crime não é o criminoso,

mas a vítima. Afinal quem enfim morreu nessa extraordinária trama?... Embora

valha ressaltar: não se martirize por isso, pois a história é feita de gente morta

e o futuro de gente que vai morrer. E é isso o que iremos investigar em todas as

suas minúcias. Mas como todo bom enredo de mistério e suspense se começa pelos

preceitos morais e éticos dos suspeitos, comecemos então, pelo princípio de, quem

de fato morreu?

Eu precisava passar um fim de semana na casa de minha mãe. Já estavam

insuportáveis as cobranças. Se bem que estava mesmo devendo, pois há bem pouco

tempo eu não passava mais do que um fim de semana sim, outro não, sem visitá-la.

No mínimo ia aos domingos para almoçar. Mas naqueles últimos seis meses a coisa

ficara difícil. E tudo por causa da Luzia. Luzia chegava ao meu apartamento logo as

sextas-feiras à noite. Saia do trabalho e fazia ponte direta. Era um grude. E só voltava

na segunda pela manhã. Isso porque eu a deixava bem na frente da agência onde ela

era articulista de criação. — função que, cá comigo, não sabia nem do que se tratava

— . O fato é que Luzia estava tomando todo o meu tempo dos fins de semana. Era

teatro, restaurante e cama na sexta. Cama no sábado o dia inteiro; à noite cinema

ou um show de rock, restaurante e cama. No domingo, cama até as dez horas com

breakfast e jornal na bandeja, almocinho caseiro, mais cama, e à tarde vernissage;

na volta, pizza e cama. Não necessariamente nessa ordem. Muito embora, a cama

estivesse em qualquer uma das ordens. E quando eu falo cama, subentenda-se sexo,

sexo e mais sexo. E quando falo sexo, falo de sexo vigoroso, forte! De frente, de lado,

de costa, de pé, de falo, língua e dedos. Dedos dos pés e das mãos. Orelha, lóbulo,

nuca, joelhos e profundezas das entranhas. Luzia era o tipo da garota três gês, ou seja,

garota/gata/gostosa. Acrescentando-se ao rótulo o adjetivo “assanhada” com direito

a todas às acepções da palavra.

Pois bem, foi neste entretempo que eu fui me esquecendo de mamãe. E sem

nenhum propósito. Apenas a tal ocupação descrita acima, o conúbio com a citada

dama. Quando dei por mim estava devendo quase seis meses de fidelidade filial. E por

que não dizer, saudade maternal. A roupa que minha mãe tanto esperava para que eu

levasse para ela lavar nos fins de semana já havia virado uma baita conta na lavanderia.

E Luzia consumindo meu ser e meu corpo. Coitado de mim, pobre indigente do

sexo!... Estava um trapo, ultimamente vivia em frangalhos.

Nos últimos dias mamãe não parava de me azucrinar o juízo. Ora por telefone,

ora por telegrama fonado, e-mail nem pensar. Computador para ela era o

demônio em forma de máquina. Por fim, em um sábado, tomou coragem e bateu

em minha porta. Na exata hora em que eu e a Luzia estávamos no bem bom; bem

bom pra ela, pra mim um suplício. Tocou a campainha tantas quantas vezes eu nem

sei. Até que, mesmo exaurido e extenuado do sexo selvagem de Luzia, criei coragem

arranjei forças buscadas não sei de onde. Acredito que à base de pensamento positivo,

e aproveitando o ensejo para me livrar daquele leito eletrificado e da companhia

inebriante, devastadora e insaciável chamado Luzia. Levantei-me e caminhei cambaleante

até o olho mágico da porta. A surpresa não foi pouca, quando com a nesga

do olho espremido contra o outro, o da porta, vi aquela carantonha do tamanho do

mundo; na ponta da venta uma verruga com dois cabelos formando uma antena.

Era a cara cheia de indignação de minha mãe. Mais que depressa olhei para Luzia

e insinuei que ela se fizesse de dormindo embaixo dos lençóis. Abri a porta. E num

espalhafato de falso entusiasmo abracei-a e gritei: Mamãe!... Mamãe! Não, primeiro

gritei depois abracei. O que foi motivo de galhofa por parte de Luzia umas horas depois

na cama, quando me disse cochichando ao meu ouvido; lambendo e mordendo

o lóbulo de minha orelha, nunca ter visto coisa tão hipócrita quanto aquela minha

efusiva e falsa manifestação emocional, não mais que racional. Comentários à parte,

mamãe viera me relatar uns acontecimentos nos últimos dias em sua casa.

Tratava-se de umas pisadelas no telhado da casa durante a noite. Motivo que

a deixava assustada. Eram pisadelas fortes, rangiam como porão de navio preste a

naufragar. Parecia que ia rachar o telhado a qualquer instante. Em outros momentos

eram um som surdo como patadas fofas de urso. Falava mamãe, dramaticamente

horrorizada; e acrescentava: precisava urgentemente que eu fosse passar uns dias em

sua casa para descobrir aquele mistério. Em sua opinião: — e dava outra versão dos

fatos, cheia de sentimentalismo — . Só podia ser bandidos. Ou, no mínimo, algum

homem interessado em sua pessoa. Aproveitando de ela ser uma senhora desprovida

de guarda, de proteção. Pois estava esquecida pelo único e desalmado filho. Um

ingrato. Mas não havia de ser nada. Deus haveria de lhe prover forças para suportar

tanta injúria, e enfrentar com altivez tamanha coisa assustadora. O que lhe preocupavam

eram os nervos, pois estavam num estado deplorável. Por qualquer motivo

entrava em pânico, chorava à toa. Já não era a mesma mulher de quando o filho

morava com ela. O que ela pedia mesmo — intimava — , era que eu fosse ficar uns

dias com ela. Mais tarde, na cozinha, quando fazia uma sopa de ossobuco com tutano

e legumes, pois estava me achando meio anêmico, amarelo opaco como uma papoula

murcha. E acrescentou: onde já se viu! Um filho abandonar a mãe por uma lambisgóia

dessas!... Ainda bem que a Luzia não estava por perto, senão a coisa ia ficar

vermelha. Pois quando pisam nas patas de uma gata como a Luzia, sem querer ela faz

leão morrer de cócegas só balançando o rabo em seu focinho.

Só com muito tato consegui apaziguar os ânimos de mamãe e fiz com que

Luzia batesse um papo ameno com ela. Depois de um longo monólogo da mamãe e

algumas vírgulas de Luzia, mamãe concordou que Luzia poderia ficar comigo em sua

casa. — desde que dormíssemos separados, Luzia no quarto dos fundos e eu no sofá.

Claro que concordamos; pois o que é a noite!, se não o manto do profano e o acalanto

da luxúria, bálsamo para o espírito e consolo da triste carne! Porém, também ditei

minha cláusula: que a nossa permanência seria só para elucidar e resolver o imbróglio.

Marcamos para o outro final de semana.

Assim concordado assim feito. No final da semana seguinte fomos nós, eu

e a Luzia, de mala e cuia para a casa de mamãe. Do portão, já avistamos mamãe no

umbral da porta de faca peixeira atravessada na boca, em estado bélico, a nos esperar.

Das narinas, dois vulcões soltavam tufos de fumaça; das orelhas de abano o ouvido

trinavam apitos de trem fantasma; os olhos fumegavam labaredas de fogo em direção

à minissaia de Luzia e suas roliças e belas coxas de pelinhos dourados. Luzia, por sua

vez era só alegria, seu rosto era só luz de menina extasiada com as cores do jardim, a

pulular como mais uma borboleta a cheirar uma por uma as flores: margaridas, rosas,

copos-de-leite, jasmins, hortênsias, orquídeas... Uma menina tonta cheia de graça e

airosa elegância.

— Teria sido uma fada a semear tão encantador jardim?...

— Não, foi a mamãe mesmo quem as plantou. — perguntou Luzia, respondi

eu.

Como todo e sempre mamãe estava de mau humor. Por mais nítido esforço

que fizesse para se mostrar agradável, era flagrante seu estado de sem sal e sem

açúcar. E para isso Luzia era craque. Fazia que não era com ela. Monta e desmonta a

cozinha, arria as panelas dos armários para fazer pipoca. Põe CDs no som, — os dela,

que trouxe — dança, canta. Mamãe resmunga uma coisa, Ela se faz entender com

outra incongruência qualquer e uma risada. E acrescenta:

— A senhora é muito engraçada!, gostaria que minha mãe fosse como a senhora.

Mamãe por sua vez desembucha com toda empáfia que Deus lhe deu um muxoxo:

— Te esconjuro!... — e fez com o polegar direito três cruzes: uma na testa,

outra na boca, a última no peito. E para persignar-se por completo, completou:

— Vade retro!... Livrai-me Deus, meu Senhor, de tamanha blasfêmia. Amém!

O sábado se foi, chegou a noite. Luzia aproveitou para desarrumar mais

um pouco a cozinha fazendo uns petiscos para acompanhar os filmes que havíamos

alugado, os quais seriam regados a vinho enquanto assistíssemos. Lá pelas tantas a

mamãe se pronunciou mais uma vez com seu péssimo humor.

— Vocês vieram aqui para vigiar a casa ou fazer festa? Desse jeito não vai

aparecer ninguém!

— Ah, a senhora quer que apareça alguém, hã!... — eu disse.

— Eu quero que você dê um fim nisso. — respondeu ela ainda mais raivosa.

Fomos dormir. Luzia no quarto dos fundos e eu no sofá. Tudo como fora

ditado pela eminência, sua senhoria, minha progenitora. Para em seguida ser desdito

por nós, segundo um bem bolado que armamos para o meio da noite logo após os

primeiros roncos da velha senhora. Lá fora a noite estava gélida e fustigada pelos

ventos.

Logo que os uivos da noite se fizeram ouvir através dos ventos soturnos,

nosso enrosco no sofá ressoou gemidos abafados. No telhado dava-se início o desvendar

do esfíngico mistério.

Depressa nos desplugamos e nos posicionamos em nossos respectivos postos.

Ouvimos com grande atenção passo a passo os ruídos vindos de sobre o telhado. Eu e

Luzia de vassoura e rodo nas mãos, trepados em cima de cadeiras cutucando as telhas

de baixo para cima, dando início a um bulício genérico numa desesperada correria

por parte do famigerado “delinquente”. O suficiente para acabar com os roncos da

mamãe. Que, sem tino, corria de um lado para o outro dentro do quarto, ensandecida.

Paramos. Demos um tempo a nossa primeira sessão de massacre. No entanto,

lá em cima, algo se debatia em polvorosa agitação. O que seria aquilo? Seria bicho?

Assombração? Ou, segundo mamãe, alguém interessado nela?

O pior de tudo isso foi quando a coisa acalmou e quietou-se, entra mamãe em

extrema ansiedade a acender as luzes da sala e num misto de constrangimento, consternação

e estupefação, sem contar a contenção para não abrirmos uma escandalosa

gargalhada pela pura cena de nonsense em que eu e a Luzia exibíamos para a mamãe.

Pois, estávamos pelados, de vassoura e rodo nas mãos em cima das cadeiras, estáticos

e nus como manequins em sótão de loja. Mamãe, mumificada, paralisada; com

os olhos esbugalhados, dura e fria como estátua de cemitério. Todo seu pudor fora

afetado, desmoronara, queimara-se diante nossa indecência. No ímpeto, o primeiro

impulso foi taparmos nossas genitálias com a vassoura e o rodo. Inútil, ficamos mais

ridículos ainda. De tanto aperreamento deixamos a postura de manequins e passamos

a fazer mil piruetas numa estapafúrdia coreografia como se estivéssemos dançando

o samba do crioulo doido, na tentativa de ora esconder a bunda, ora esconder

o pau, eu; Luzia, os peitos e a xana. Em meio a esse estardalhaço mamãe correu para

a cozinha em estado de choque.

Quanto a nós, nos vestimos e fomos para fora da casa verificar in loco o desmascaramento

do estrupício. Tudo quedado e tranquilo, só o farfalhar das folhas de

uma ameixeira soava no quintal quebrando a paz da serena madrugada.

Lá dentro da casa, o soluço escandaloso de mamãe quebrava o encanto da

noite dando um ar fantasmagórico ao misterioso clima de terror de filme de terceira

categoria. Só faltava cair um nariz, uma orelha ou uma mão do telhado. Mas não,

tudo acalmara mesmo, restava voltar para dentro de casa, arrumar uma boa desculpa

para tentar consolar a mamãe, dormir e esperar o domingo acordar e verificar o real

acontecido.

Entrei na casa com falta de ar e esbaforido, como se estivesse, como Hércules,

acabado de realizar um de seus doze trabalhos. Ou mesmo a cara do Davi após

a vitória sobre Golias. No mínimo, com cara de espanador quando acaba de tirar o

pó dos móveis, saciado. E, como um furacão, passei pela sala direto para a cozinha,

e falei em bom tom:

— Pronto... Tudo acabado! Acabou-se o mistério, o estorvo se mandou. —

mamãe tentou com a fala balbuciada, entrecortada por soluços de um falso choro,

perguntar:

— O que foi?... O que era?... (soluço)

— Isso eu não sei mamãe, o que sei é que o bicho ou qualquer que tenha sido

a coisa escafedeu-se... Sumiu.

— Eu não acredito!... (soluço) Não acredito!... (soluço) Quero só ver amanhã...

(soluço) Preciso ver pelo menos o rastro desse cão. — falou a mamãe mais

enfezada do que nunca.

— Não mamãe, o cão não era... No muito era um urso. Não passa disso, eu

garanto. — disse eu, enchendo-a de confiança.

— Vamos ver... (soluço) vamos ver. — completou ela em tom de sentença.

Acredito ter sido esta a fala a que desencadeou todo o processo dos acontecidos

daquele dia. E qual foi o significado disso tudo, o leitor há de me perguntar.

Muitos foram os tropeços que sofri em minha vida errante, entretanto nenhum tão

vil quanto aqueles presságios em que vivenciei aos quais faltou uma explicação derradeira

que agora, você leitor exige. O destino é mesmo um grande tecelão dos nossos

infortúnios; no entanto, e de forma mais geral, costuma-se terminá-los contrariando

todas as leis da natureza da vida e com uma falta indecorosa de consideração para

com algum dos partícipes do enredo, da trajetória de nossas vidas. Acontece, porém,

que tenho cá comigo um trunfo para quando descreverem meus culpados atos, os

quais me isentarão dos prováveis remorsos e a inevitável condenação celeste.

Aqui eu vou dar um breque neste relato por um ou dois parágrafos para que

vocês leitores entendam no melhor sentido o título dado a este engodo ou embuste

em que me meti. Na verdade é uma confissão, que a priori peço não comecem por

julgar-me partindo do título. Pois, de cara serei taxativo. Não sou masoquista. Tampouco

assassino! Já cometi várias sandices, menos matar, isso não!

Contudo, como é de ciência, a alma humana sempre serviu de alojamento

para atos vis, tanto quanto aos nobres. Na ocasião dos fatos ocorridos afluía dos meus

sentidos a mais profunda e arraigada vontade do meu ser. Tudo o que é mais latente

em um criminoso se tornara em mim, inexorável. Nem um resquício, nenhuma fagulha,

uma atitude mínima de nobreza não acudiu a mim em socorro da vítima. Algo

muito estranho me consumia, possuía-me com uma força descomunal.

Foi assim que transcorreu aquela interminável meia hora, pela qual me

ocupara na manhã daquele fatídico domingo de maio. Todo o meu bom senso e bom

mocismo estavam degringolando como uma geléia escorrendo por entre os dedos.

Após estes profanos pensares sobre e alma humana pulei da obscena e improvisada

cama numa ansiedade que aflorava os nervos. E, como um Sherlock Holmes,

saí a investigar os arredores da casa acompanhado de minha cara Sra. Watson

— era elementar — em busca de algumas pegadas, alguns galhos quebrados do roseiral,

com os quais mamãe orlava o caminho de pedra-seixo que cortava o jardim até

o portão de entrada. Quaisquer vestígios que fosse. Claro, não chegamos a uma total

perscrutação dos detalhes, pois nos faltavam à indispensável lupa e o imprescindível

pó de perlimpimpim. O cheiro de jasmim e damas-da-noite ainda impregnava o ar

que sobrara da noite serenada.

A aflitiva curiosidade aumentava a cada passo dado em sentido a alguma pista.

Num estalo lembrei-me de um ocorrido na hora do furdunço da noite passada, no

corre-corre do telhado e nas estocadas das vassouras antes de acontecer o silêncio

total. Quando houve um baque e o barulho de algo que caia. “Um corpo que cai”.

Bendita lembrança acorreu-me Hitchcock! Estas pistas já eram por si só irrefutáveis

e evidências a toda prova. Mas onde?... Onde caíra esse corpo? Rodeamos a casa no

sentido das calhas, observando as laterais. Nada encontramos.

A situação estava ficando desesperadora quando Luzia, afastando-se um pouco

de mim, aborrecida com minha lerdeza, foi fazer uma inspeção por conta própria

nas dependências da lavanderia. De repente um grito numa mistura de êxtase e histeria;

era a Luzia completamente perplexa. Imóvel, com as mãos premindo as faces,

amassando o rosto. A fisionomia completava o olhar de pavor, cujo foco era um

balde plástico de cor roxa ao lado do tanque de roupa. Corri em seu socorro.

O fim daquele suplício e a minha salvação chegaram de onde menos esperava.

Lá estava o motivo de tanta arenga. Dentro do balde agitava-se, usando todos os

recursos possíveis para escapar da armadilha da morte na qual houvera se metido.

— ou caído, melhor dizendo.

Um rato guabiru daqueles enormes, da espécie Rattus Rattus. Mesmo sem

pesar, pelo tamanho, daria para imaginar seu peso. Dois quilos, dois quilos e meio?

Não sei. A certeza que eu tinha era a de que ele cavara sua própria cova. Decretara sua

sentença. Debatidiço, lutava em centímetros cúbicos de água de sabão numa alucinada

tentativa de fuga pela parede escorregadia do balde. Se ele escolhera sua forma de

morrer, não sei. Porém, eu dei o veredicto e decretei a sentença.

Só faltava executar a pena com os devidos critérios e requintes por mim estabelecidos.

E logo pus em prática. Aos poucos fui adicionando mais água com sabão

no balde enquanto assistia impassível o condenado se estrebuchar numa desesperada

contenda com a morte tentando galgar o plástico liso do fatídico recipiente. Nunca

tivera tendências para o sadismo, como já disse. Entretanto, naquele dia extrapolei,

saciei toda minha repugnância pela humanidade, pelos deuses, os semideuses,

os heróis, os ídolos, os santos, os anjos; e uma avidez de ir a Brasília matar todos os

políticos, ratos e vermes que por lá pululam; estavam todos impregnados na figura

daquele desinfeliz.

Naquele instante só restava uns poucos milímetros de focinho fora da água.

Acredito que o miserável já não enxergava nem uma pata além do focinho. Mesmo

assim, porque forçava as pontas das patas, dançando numa pirueta infernal o balé

da morte. Agora respirava o máximo que podia em agoniada subida à tona para em

seguida dar grandes golfadas de espuma de sabão. Quando o vi mergulhar em seu último

estertor de morte. As bolhas de sabão flutuaram e ele não mais emergiu. Diante

desse quadro, pincelado de crueldade, regozijei-me. Foi a glória!

É claro, fora um crime sem nenhuma vantagem, apenas o livrar-me de mamãe

e da aporrinhação de tê-la ao telefone ou na porta de minha casa com seu mórbido

mau humor. O que havia, no entanto, de mais torpe em mim houvera se extinguido.

Será!?...

Com esta espontânea e inquisitiva indagação investiguei minuciosamente

todos os recantos do meu espírito; e concluí que o pior estaria por vir. Pois o que

aflorou de minha impoluta alma foi uma exclamação de espanto e horror... Aquele

sórdido e medonho rato seria a mamãe? Meu Deus!...

Enfim se tratara de uma astuciosa trama matricida cheia de sofismas? Uma

elaborada trama, mas sem os erros típicos dos passionais?... E desse modo, premeditada

com esmerada arquitetura? Ao fim de tudo, do desfecho do hediondo e sórdido

crime, dormi com o delicioso carinho das garras aveludadas e o melodioso som do

rom rom de Luzia... E a incógnita.

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