Prólogo
Epílogo
Conto
Todos adoram quando surge uma notícia boa, como o início das obras de
revitalização de parques que foram esquecidos ao longo do tempo pela prefeitura.
Porém, deixam de adorar quando a empreiteira responsável e suas escavadeiras chegaram
revirando o solo e trazendo à tona segredos obscuros há muito tempo adormecidos.
Quem mais temia em ser descoberto não tinha conhecimento algum do que
estava acontecendo, jazia inconsciente no leito de um hospital havia alguns meses
após um trauma cranioencefálico.
A visão, de onde me encontrava, era como tivesse mergulhado para dentro de um
dos programas da Discovery sobre o pantanal, com a exceção de alguns detalhes peculiares.
A embarcação por qual estava sentado era uma gôndola e seu gondoleiro trajava uma roupa
diferente do convencional, terno e cartola de um amarelo vibrante. Até aquele instante não
havia reparado que deixara de cantarolar para si e dirigido a palavra para mim.
— Como? Perdão, não prestei atenção ao que disse.
— Se fosse mais atento, tudo poderia estar sendo diferente agora.
— O que quer dizer com isso?
— Você deve, lá no fundo, saber muito bem do que estou falando. Não há nada de
mim que você possa esconder.
— Onde estou? Faz tempo que não converso com alguém.
— Com certeza! Ainda não faz ideia do que aconteceu?
— Momento atrás estava... Não consigo recordar, mas estou aqui, neste pantanal...
— Pântano!
— Claro, desculpa! Devo estar sonhando... – Balbuciei. — Não iria querer viajar até
um lugar como esse...
— Tão inocente, não? Não, mas para esse quesito, talvez. – Soltou uma gargalhada,
virando seu rosto para me encarar, enquanto aproveitava para ver seu semblante: tufos de
cabelo ruivo saiam debaixo da cartola, o cavanhaque e bigode espetados da mesma cor, e seus
olhos eram tomados por um breu profundo. — Não se lembra da última vez que teve consciência
de estar vivo?
— Estou vivo! – Gritei.
Ficara quieto após ter me sobressaltado. Não conseguia entender por que falava
em incógnitas, era difícil de comunicar de forma objetiva e direta. Retornou a cantarolar em
uma língua incompreensível para mim e aproveitei o instante para observar o local que me
cercava. Pendurados nos galhos das árvores estavam diversos ossos; ao longo do “rio” estacas
de madeiras sustentavam labaredas, que só agora havia reparado como ali seria escuro sem
elas; e aquele cheiro de carne queimando causava-me uma sensação de déjà vu.
Por um dos corredores da ala leste do hospital era possível escutar os murmúrios
das fofocas oriundas da copa. A notícia, que havia chegado que nem furacão,
foi que o chefe de polícia estava naquele momento com o conselho do hospital indiciando
um dos pacientes, que encontrava-se em coma, como culpado pelo assassinato
a quem pertencia os ossos carbonizados encontrados meses atrás enterrado em um
dos parques da cidade.
— É impossível que tenha sido ele. – Afirmou uma das enfermeiras enquanto
bebericava um pouco do seu café quente.
— Por que diz isso? Acabou se afeiçoando por cuidar dele desde sua chegada?
Sabe que ele não pertence a essa cidade, encaixa com o perfil que a mídia vem
mostrando, logo mais estarão lá na frente querendo uma declaração.
— Quem está no limbo são pessoas sem pecados, que nunca foram batizadas.
Pobre alma!
— Guadalupe, o homem está em coma, a polícia tem provas... Esqueça essa
história de limbo. Isso não existe. Ele não é inocente...