Prólogo
Epílogo
Conto
Há 5 anos e uma vez ou outra, geralmente aos domingos, eu caminho pela
minha rua. Vou buscar sorvete para a sobremesa. Subo duas quadras, e, na terceira
esquina, dobro à esquerda. A sorveteria fica de frente a uma igreja, que é a própria
esquina, feia de amedrontar! Ocupa meio quarteirão. De lado, divide a calçada de
pedestres com um prédio branco e que parece um hospital abandonado. Combinam-
se num determinado aspecto: são assombrados. Não tenho dúvidas. O tal posto
de saúde possui paredes que em verdade são grades e portas que são portões; pelas
frestas pode-se ver dentro: amontoados de poeira, restos de objetos de uso médico
e de correspondências não sei se dos correios ou do além. Sua pintura é manchada,
mas fora branca um dia; perto do que seria a entrada há uma pichação que nunca me
atrevi a ler. Já a igreja é de prédio mais alto, pintura esbranquiçada mas que fora de
cor de mancha; não possui uma só pichação. Creio que os pichadores intimidaram-se
com os dois anjos imóveis logo ao parapeito do sino da torre, e deram meia-volta
então; dois anjos, duros feitos pedras... de gelo. É construção antiga, de marquises
desenhadas, com porão que dá para a rua assim como suas janelas góticas. As portinholas
do porão foram recobertas por tijolos internos, e as janelas têm grades anti-
insetos, anti-gente, parece. Como é bonita! Outro dia, olhei-a de longe, e notei
que no seu interior há uma árvore imensa e um jardim escondido, talvez. Porém,
sua porta de altura de quatro homens nunca estava aberta. Duvido que ela guarde
moradores, mendigos, loucos... Dos loucos, mais fácil é acreditar que eles tenham
vivido seus últimos dias naquele hospital. Um hospício? Se for, os loucos de lá que
tomaram a igreja, ou os loucos da igreja que pararam no hospício? Penso sempre que
existe alguma relação entre as duas construções. Pensei em transformar esse texto
num conto maior, e inventar uma história de gala, mas não brinco com eles. Temo
que isso se torne uma obsessão e procuro me controlar; tentei outro caminho para ir
à sorveteria, principalmente aos domingos, contudo outro caminho não há. Aquele
sorvete é o melhor da cidade, enquanto que aquele quarteirão é mesmo de gelar os
ossos e o coração! Deve haver nisso alguma relação.