Prólogo
Epílogo
Conto
– Eu te disse que deveríamos ter vindo aqui antes. – comenta Felipe.
– Sim, amor. Mas você perdeu os três últimos sorteios. Então, foi justo eu ter escolhido os outros lugares. – responde Bianca fazendo careta.
– Mas olha isso aqui, é espetacular.
Felipe abre os braços para uma imensidão de água. Mal podem conter a animação junto à proa da embarcação. Toda aquela beleza natural os aguarda.
– Claro que é! É demais.
– Quero nadar nesse rio. Olha o tamanho dele!
– Bem-vindo ao rio São Francisco, amor.
– Aqui é o paraíso. O meu paraíso. - diz Felipe com os olhos perdidos no horizonte.
– Olha esse pessoal pescando. Só barquinho velho. – comenta Bianca.
– Vão afundar, isso sim.
O barco chega ao seu destino, na cidade de Sobrado de Quixaba. Um local isolado e de tirar o fôlego de qualquer turista no estado de Pernambuco.
Eles pegam as malas e quando descem da embarcação. Notam alguns estranhos desenhos no casco da mesma. Então, perguntam ao capitão:
– O que seria esses desenhos? – aponta Felipe.
– São carrancas. – responde de maneira gentil.
– E para que diabo isso serve?
O capitão faz uma cara séria e responde:
– É para proteger a embarcação e os meus tripulantes.
– E é só desenhar e pronto? Fácil assim? – insiste Felipe.
– Humm... não sei, não. Mas acho que isso não funciona. – Complementa Bianca. – Seria algum tipo de lenda da região?
– Bom, muita gente acredita. E proteção nunca é demais. Certo? - responde o capitão dando as costas e ajudando outros passageiros a desembarcarem.
– Entendi. – responde Felipe sem acreditar nem um pouco.
Eles se viram e seguem em direção ao Hotel Presente, que fica logo às margens do rio. O calor bate os 35ºC e o céu é todo azul puro. Como há tempos não viam.
Os raios de sol são apenas cortados pelas várias aves que voam majestosamente por aquele local paradisíaco. O hotel era suntuoso, como nas fotos do site.
– Boa tarde, tenho uma reserva em meu nome. Felipe Oliveira.
Só um momento, senhor. Aqui está. Quarto número nove, com vista para o rio São Francisco.
– Esse mesmo! Obrigado.
– Nós que agradecemos, Felipe. Sejam bem-vindos ao nosso hotel. – Diz o gentil gerente. – Esperamos que aproveitem ao máximo sua estadia. Pode contar conosco para o que precisarem.
– Nós iremos, com certeza. – disse Bianca querendo explorar toda a região.
Felipe pega a chave e ambos sobem pelo lindo hotel todo de madeira. Curiosos desenhos e objetos estão espalhados por todo lugar. E chamam a atenção do casal.
– São lindos, mas estranhos. – Diz Bianca. – Acho que são artesanatos da região. Devem servir de proteção também. Vai que algum índio queira te dar uma flechada. – continua.
– Ou ser comido por alguma onça-pintada. – diz Felipe dando risada.
– Acho que vou usar. Não quero ser comida por bicho nenhum.
– Você não vai, Bianca. Fique tranquila. Mas se encontrarmos com uma, espero que você corra bastante.
Apesar de muito empolgados, eles estão cansados da viagem. Ela fora longa e já é quase final de tarde. Decidem então tomar um banho e descansar até o horário do jantar. É apenas o primeiro dia dos quatro que ficaram na região.
No horário marcado, o despertador do celular os acorda. São vinte horas e estão mortos de fome. No jantar eles se deliciam com a comida da região e seus diversos peixes.
– Isso aqui está ótimo, caramba. Quero morar aqui. – comenta Felipe com a boca cheia.
– Então, vamos. – complementa a noiva.
Enquanto jantam, relembram o roteiro dos passeios que haviam programado. Passeio de barco, trilha, escalada, acampar sob a luz do luar, nadar pelo rio, andar de buggy e mergulhar.
Em outra mesa, no canto, chega o capitão da embarcação para jantar também.
– Ei, vamos zoar o capitão? – pergunta Bianca cochichando.
– Vamos!
– Capitão, não esqueça de pintar aqueles desenhos. Eles estão meio apagados. Eu que não quero que o barco afunde no meio do caminho quando a gente estiver voltando. – faz chacota Bianca.
O capitão sorri e apenas responde:
– Pode deixar.
Ficaram mais uns alguns bons minutos saboreando os mais diversos doces. Quando estavam para sair recebem um drinque de um dos funcionários, que também distribui aos demais hóspedes
– Esse é um brinde típico da região. Ele é um pouco forte, mas esperamos que gostem. É uma tradição nossa, para que vocês iniciem suas estadias. – diz o gerente.
Então, todos fazem um brinde e tomam a bebida verde-claro, que tem gosto forte e cheira à especiarias.
Felipe e Bianca se levantam e saem para um passeio nas dependências do hotel. Depois de conhecerem o lugar, vão até às margens do rio.
Se sentam sobre algumas pedras e admiram o lugar. Quando um funcionário passa por perto, perguntam se tem algum problema nadar de noite.
– Ei, existe no rio algum tipo de jacaré ou coisa do tipo?
– Jacaré, não. Por que?
– Estávamos pensando em nadar. – responde Felipe.
– Entendi. Mas não é aconselhável nadar à noite. Existem correntezas, e algumas são fortes. Sem contar os redemoinhos que podem se formar. Esses são mais perigosos.
– Redemoinhos? – pergunta Bianca.
– Deixem para nadar de dia e com supervisão de um dos nossos guarda-vidas. São treinados e sabem os primeiros-socorros. – finaliza o funcionário.
O casal olha um para o outro.
– Não tem problema. Ele trouxe o calção com as... como se chama mesmo? Lá do barco, Felipe...
– Ah, as carrancas...
– Isso!
Ambos caem na gargalhada, que não é acompanhada pelo funcionário. O mesmo pode licença e volta ao hotel.
– Amor, vamos para o quarto. Depois a gente volta. – pede Felipe.
– Quer nadar?
– Claro!
– Eu também! – Bianca está ainda mais animada.
– Então vamos subir. A gente assiste algo e depois desce com aquela garrafa de vinho. O que acha?
– Amor. Por isso te amo. – e dá um beijo no noivo.
Eles sobem de volta para o quarto. Assistem algum filme em DVD, pois era a única opção que tinham. O sinal do celular varia entre fraco e nenhum.
Com aquela paz que a natureza emanava e os inúmeros sons de animais, eles acabam cochilando novamente.
Bianca se vê no rio, ainda vestida. A água está calma e não se ouve nenhum animal na floresta. O vento sopra suave e ela olha em volta e avista seu noivo na margem.
Um estranho ser está lá, também, ao lado de Felipe. Um tipo humanoide tem barbatanas no lugar dos braços, e uma delas está em volta do ombro do seu amado.
Ambos estão apenas com a água pelos calcanhares. Mas Felipe está paralisado, sem reação alguma. Suas mãos estão para trás e seus pés e pernas estão esbranquiçados.
Bianca sente sendo puxada aos poucos para dentro do rio. Aquela estranha criatura está borrada em sua visão, não conseguindo vê-la com nitidez que gostaria. O que a deixa alarmada.
Ela luta contra aquela força. Não quer se afastar de Felipe. Aos poucos percebe seu corpo congelar. Seus braços e pernas estão pesando uma tonelada cada. Se sente exaurida e sem esperança.
Enquanto começa a afundar, uma risada incontrolável sai da boca da criatura. Quanto mais submerge, mais descontrolada e alta a risada fica. Sente uma angústia ainda maior quando vê no fundo do rio várias roupas presas às pedras. Elas estão espalhadas por todos os lados. Sente sua calça sendo puxada com força. Quando olha, um vulto preto com uma enorme cauda a prendeu numa dessas muitas pedras.
– Amor. – Cutuca Felipe. – É uma da manhã. Vamos nadar?
– Não! – Acorda assustada e com os olhos arregalados. – Nossa. Tive um sonho horrível.
– O que foi? Com o que sonhou?
– Sei lá. – Toma fôlego. – Um bicho negro, e enorme, me puxava para dentro do rio.
– Ah, te falei para não assistir aquele filme de terror. É sempre assim. Medrosa.
– Vai se ferrar!
Bianca coça a cabeça tentando voltar à realidade. Pega outro fôlego e vai tomar uma ducha para acordar. Passa as mãos nos olhos enquanto a água cai. Ficou estarrecida por ser tão real.
Ela sai do banho e ambos vestem os trajes de banho. Felipe pega a garrafa de vinho e a abre. Descem sorrateiramente pelas escadas muito bem envernizadas, como se estivessem prestes a fazer algo de errado.
Passam pela sala de estar, recepção e vão em direção ao rio. As luzes em volta da pousada estão todas acesas, mas não há ninguém por lá. Logo estão nas fofas areias novamente. Andam pelas margens se afastando uns cem metros para a esquerda do hotel.
É lua cheia e não há nuvens novamente. O clarão da noite ainda ilumina muito bem a paisagem paradisíaca. Uma sensação de liberdade toma conta deles, que começam a beber e entram no majestoso São Francisco. Está quase tão quente como estava de dia. Pouco a pouco vão rio adentro, se certificando que não peguem uma forte correnteza.
– Vem, amor. – diz Felipe estendendo a mão.
Bianca segue adiante e a água já passa da sua cintura. Felipe a puxa e se beijam sob a luz do lindo luar.
– Essa água está sensacional. – diz Felipe tomando mais um gole de vinho.
– Está mesmo. Ainda bem que viemos nadar aqui. Na piscina do hotel não seria nada parecido. – concorda a noiva.
Felipe entrega a garrafa e mergulha, voltando alguns metros depois.
– Não vá muito longe, amor. – pede Bianca.
– Pode deixar, amor. Olha essas estrelas. A gente não vê isso lá de casa.
– Não, mesmo.
Bianca solta um grito subitamente.
– O que foi?
– Um peixe. Eu bati a mão nas escamas. Que susto!
– Ah, tem muitos por aqui. Aproveita e pesca um para gente – brinca Felipe.
– Engraçadinho. Vou ficar mais perto de você.
– Espere, amor. – disse pedindo silêncio.
– O que foi? – pergunta Bianca sentindo um calafrio.
– Ouvi um barulho. Deve ter alguns peixes aqui atrás. – Felipe sente algo gelado passar por sua perna. – Cacete, bicho idiota. Sai para lá.
Enquanto ambos riem, Bianca vê um rastro na água vindo em suas direções.
– Amor, acho melhor sairmos. Amor? – Nenhuma resposta. Felipe?
Antes que pudesse entender a situação em meio à noite, ela vê Felipe paralisado. Seus olhos estão esbugalhados e a sua boca entreaberta.
– Amor? O que foi??
Quando pensa em nadar até ele, abruptamente Felipe submerge. Bianca não acredita em seus próprios olhos.
– Que porra é essa?!
– Socorro! – Felipe grita desesperado enquanto sobe.
Bianca ouve uma gargalhada num timbre horripilante. E vê surgir atrás de seu noivo um estranho ser. Mais escuro do que a noite e com escamas no lugar da sua pele.
– Atrás de você, amor! – grita a plenos pulmões.
Felipe é dragado para baixo novamente. No entanto, a sombria figura permanece imóvel.
Uma estranha voz, quase humana como aquele próprio ser, diz:
– Aqui é o meu paraíso.
Bolhas de água sobem. E o desespero de ambos atinge o auge.
– Solta ele!!
Felipe consegue voltar à superfície e Bianca grita para irem até a margem. Desesperado, Felipe tentar nadar. Bianca percebe que ele está ofegante e que mal sai do lugar. Ela busca com os olhos, mas não vê mais aquela assombrosa criatura. O que quer que seja sumiu, ela pensa.
Ela se vira em direção à margem, e antes que pudesse dar uma braçada sequer, sente algo em sua perna. Ela congela instantaneamente. Seu noivo se esforça para nadar em sua direção. Como um raio, uma pequena informação atravessa sua memória. Quando pesquisava lugares para hospedar perto do rio São Francisco, lembra de ter lido um comentário a respeito de uma entidade pertencente ao velho chico. E que seria melhor oferecer algo à ele, como uma pinga, antes de entrar em suas águas.
Sem pensar duas vezes ela joga a garrafa do vinho na água. Logo que a garrafa adentra o rio, a entidade à solta e ela consegue se mover novamente.
– Vem, amor!
Desesperada, começa a nadar. E quando olha para trás, não encontra ninguém.