Prólogo
Epílogo
Conto
I
Eles souberam que o peixe fisgara a isca assim que as janelas começaram a vibrar naquela manhã. A marcha de centenas de Botas Brancas era um toque de recolher eficaz, há décadas ninguém ousava permanecer nas ruas durante uma operação de busca, porém era a primeira vez que sentiam prazer, ainda que perverso, ao acompanhar detrás das cortinas o avanço dos soldados. Eles sitiaram o bairro, dividiram-se entre as ruas para evitar fugas, enquanto um grupo prosseguia e diminuía o raio do cerco rumo ao apartamento de um único jovem, um que tomara soníferos para recebê-los. Não enfrentavam oposição pública, os civis, contudo, estavam mais quietos do que o habitual e os militares experientes sentiam o cheiro de engodo. Ordens são ordens afinal, e aquela, nas palavras da própria presidente, era especial. Os homens subiram as escadas em fila indiana, as armas destravadas em punho. Arrombaram a porta do esconderijo e mergulharam um a um em sono profundo, caíram como moscas.
“Devagar!” alguém ordenou. “O alvo está aqui e está inconsciente!”
Poucos funcionários do governo acreditavam nos rumores, a prova, no entanto, vestia pijama e roncava na cama. Diziam que ele era inofensivo desperto, já enquanto dormia se transformava em um buraco negro, levava consigo aqueles que estivessem próximos para seus sonhos subversivos, um suposto processo de lavagem cerebral que suscitava ideais ilegais. A lenda viajava pelo país, um símbolo antagonista nascia entre os dissidentes. Sua fisionomia vulgar mascarava a singularidade, a imagem indolente entre o lençol provocava a cólera dos soldados que se detiveram na entrada do quarto. Apenas um homem entrou após o gesto do superior e perdeu a consciência logo no primeiro passo. O tiro despertou todos, o alvo sorria e os demais continuavam atordoados.
“Prometeram um serviço de quarto discreto”, ele desafiou. “Onde está meu café da manhã? Eu pedi ovos e suco de laranja.”
Queriam machucá-lo, nocauteá-lo com uma coronhada, mas sabiam que também desmaiariam. Puxaram-no à força da cama e o conduziram aos empurrões sob a mira de fuzis. Os moradores daquele prédio agora se juntavam aos dos outros para se despedir da esperança personificada, sem tristeza ou remorso, uma vez que ele estava exatamente onde desejavam. O inimigo carregava uma bomba-relógio para o covil.
“Eu sei o que sonhei e eles viram a mesma coisa”, os soldados que caíram confirmavam a experiência e convenciam quem se distanciou.
“E o que importa? Não era real”, alguns menosprezavam o encanto, temorosos em cruzar a linha da punição.
“O que importa? Nós invadimos outro mundo, dentro da cabeça daquele cara, nos encontramos ao longo de uma estrada de tijolos amarelos! Era real, tão real quanto a estrada em que estamos.”
“Eu não vi estrada nenhuma, para mim foi bem sem graça. Tive tempo só para perceber que estava no meio de um campo de flores e dormi de novo... Dormi em um sonho! Tanta exaltação por causa de um mágico sonso e suas miragens engenhosas.”
“Concordo, pura bobagem. Havia uma fera na floresta, rugia para me afugentar. Tenho certeza de que ele controla o espetáculo, algum tipo de hipnose.”
“Alguém também viu a cidade brilhante? Era incrível, esse magrelo é um gênio.”
“Podemos ser acusados de traição por essas palavras. Guardem seus pensamentos para si, ou melhor, esqueçam o que sonharam.”
O trajeto até os palácios do governo levaria horas, o comboio militar avançava em alta velocidade. Os soldados no veículo precisavam manter o alvo acordado, jogavam água em seu rosto e batiam palmas sempre que o piscar de olhos demorava um segundo a mais do que o necessário.
“Deixa o Traficante de Ilusões tirar um cochilo”, divertia-se o galhofeiro da unidade, a curiosidade era tentadora. “Vamos viajar, injetar um pouquinho dessa droga nas veias. Um de nós fica aqui para vigiar. Não haverá outra oportunidade depois da entrega, a presidente vai usá-lo toda noite sozinha.”
“Cala a boca”, um companheiro censurou. “Não funciona assim. Todos dormiríamos, inclusive o motorista. O sono que você quer seria eterno.”
“Talvez valesse a pena, mas o Soneca que vire o bichinho de estimação da mandachuva. Irá amansá-lo para seu bel-prazer ou dissecá-lo para o bem da segurança nacional. Está me ouvindo, prostituta? Estamos te levando para o bordel.”
O bordel era o complexo magnífico em que residiam os líderes no Distrito Federal. Todas as construções eram públicas dentro das fronteiras de Progresso, aos poucos o país aboliu a propriedade privada, e todas, assim como as ruas e os parques, brilhavam devido à limpeza maníaca. Os cidadãos, sem exceção, eram funcionários do governo, uma vez que a iniciativa privada também sucumbiu, e trabalhavam sob um regime que tomava de volta a remuneração através de serviços e produtos oferecidos por empresas estatais. De alimentos a cosméticos, de educação a entretenimento, tudo levava o selo de aprovação dos Três Poderes e nenhuma criação estrangeira entrava em território brasileiro. O povo permitiu se embriagar com devaneios sociais, apesar das ruínas políticas que se repetiam pelo mundo, enquanto nutria as ambições de homens maquiavélicos.
“Hora de olhar debaixo da cama.” O carro parou e a porta abriu, outra tropa o escoltaria até o Tribunal Superior. “Que experiência desagradável seria cair nos seus sonhos agora que dormirá com os bichos-papões.”
“Eu soltaria o lobo para que não houvesse sequer um carneirinho para contar, mas aposto que não há um lobo em você. É apenas um coelhinho assustado que não controla a própria arma.”
“Ouvi-los faz parte da pena?” perguntou o criminoso aos militares. “Porque, se fizer, atirem em mim já.”
Divertiram-se e a reclamação encorajou novas ofensas até a entrada do tribunal, ele inclusive riu das mais engraçadas, porém sabia que aquela descontração escondia a comichão da violência. Sua existência instigava uma revolução que há meses era impensável, não estavam acostumados a perder companheiros para um inimigo até então insignificante. Soltaram as algemas antes de lhe desejar boa noite e satisfizeram seu ódio ao vê-lo amedrontado diante dos juízes, que também eram os doze ministros, no entanto, enganaram-se: o pavor da sentença pouca responsabilidade tinha sobre sua repentina paralisia, a idade avançada dentro daquelas togas o espantava.
“Sente-se neste banco, por favor”, disse com cordialidade a mulher que agia como uma mestre de cerimônias. “Como devemos chamá-lo, senhor?”
“Quantos anos vocês têm?” Ele jamais vira velhos, apenas imaginara os efeitos do tempo sobre o corpo.
“O senhor está aqui para responder perguntas, não para fazê-las. Diga seu nome para prosseguirmos”, ela insistiu.
“Cervantes, Dick, Dickens, Márquez, Hemingway, Orwell, Wilde, Wells, Steinbeck, Shakespeare, Assis...”, ele proferia sem pausas, a respiração falha.
“Calem este homem!” Despertava nos juízes as reações que previa. “Como ousa blasfemar diante da Excelentíssima Senhora Presidente da República?!”
“Dumas, Poe, Kafka, Hugo, Huxley, Shelley, Lobato, Saramago, Verne, Bradbury...” O sopapo da mulher, a primeira na cadeia de comando, encerrou o alvoroço. “Escolham um! Eu sou todos eles! Vocês conhecem esses nomes, não precisamos nos apresentar!”
“Ótimo, então eu escolho O Idiota. Acho que foi Tolstói quem escreveu esse”, replicou a presidente. “Conte-nos, caro Idiota, em que cemitério maldito você desenterrou esses cadáveres e como consegue compartilhar sonhos tão vívidos com meu povo, sonhos adversos aos princípios que movem o país. Percebe o conflito de influência entre nós? Meus ministros e eu dizemos a eles o que sonhar, nós plantamos cuidadosamente as sementes certas nas mentes frescas. Um andarilho fedido e inconsequente como você pertence ao sanatório, longe de Ordem e sobretudo de Progresso. Você provê pesadelos, ameaça o sono pacífico e restaurador do Brasil.”
“Se eu puxar a sua língua, dou descarga em toda a merda que você falou?”
“Basta! Prendam esse garoto!” Os juízes idosos se levantaram indignados, pareciam macacos excitados apesar da decrepitude. Apontavam, gritavam e cuspiam na direção do opositor enquanto os Botas Brancas o arrastavam para fora do tribunal.
“Sonharei com você hoje à noite”, a presidente sussurrou no ouvido do condenado.
II
A discórdia entre a população era conveniente, que disputasse nas urnas eletrônicas com o mesmo fervor que se enfrentava nas arquibancadas dos estádios. A ignorância convidou a dependência do Estado, a educação rala aceitava qualquer artimanha. Governantes pífios se tornaram messias, missionários conduziram campanhas eleitorais, jovens imaturos engrossaram o rebanho, as redes sociais envenenaram os fatos, intelectuais egocêntricos impuseram suas opiniões ao povo enquanto este declinava o jornalismo livre de pactos, recusava-se a admitir a montanha de dinheiro ilícito empapada em suor, lágrimas e sangue, mantendo uma relação promíscua com os violadores do seu próprio futuro. Um filósofo uma vez afirmou que cada nação tem o governo que merece, e os brasileiros fizeram por merecer o inferno que se seguiu.
Metade do país divergia do rumo que a presidência tomava. A oposição, inicialmente tímida, revelou sua ferocidade durante protestos que culminavam na violência de ambas as partes, os corpos de civis e militares incendiavam o embate. A solução do governo foi a divisão tanto no tempo quanto no espaço do Brasil. Como era improvável a identificação e o afastamento absolutos dos discordantes, optaram pela distinção etária e pelo sucesso a longo prazo: aqueles acima de vinte e cinco anos na data do decreto viveriam em Ordem, nos estados de Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul e Goiás, áreas que concentravam a produção agrícola, enquanto os mais jovens, abaixo de vinte e cinco anos, ocupariam o restante do território, denominado Progresso. Escreveriam desse modo em folhas em branco ao invés de rasurar sobre páginas gastas e repletas de marcações, doutrinariam a inocência e não desperdiçariam esforços com tentativas de subjugar a experiência. A nova configuração geográfica exigiu uma grande quantidade de vidas para sua implementação, pois mesmo os apoiadores do partido se recusavam a abandonar suas proles, suas profissões e suas cidades natais para trabalhar com agricultura em regiões superlotadas. Expulsaram imigrantes e fragmentaram famílias, a Assistência Social se responsabilizava por crianças sem parentes dentro da faixa estipulada. Os países capazes de intervir se ocupavam com guerras particulares, os tropeços da América do Sul pouco importavam.
Os habitantes de Ordem eventualmente morreriam, por razão natural, suicídio ou consequência da escravidão nos campos, e seus bebês nasceriam para substituí-los enquanto os que ficaram em Progresso envelheceriam com os ensinamentos do governo e educariam seus descendentes de acordo. Neutralizaram a sabedoria dos vivos, porém os mortos ainda instruíam a população pelos corredores das bibliotecas. Desprezavam os frutos da literatura, afinal a leitura por prazer era um hábito incomum, porém naquele Brasil estéril, desprovido de criações e distrações artísticas, os jovens encontraram refúgio nas páginas amareladas, reuniam-se para conversar sobre histórias como se divertiam com jogos eletrônicos no passado recente, incômodos que logo atraíram atenção, uma vez que a visão de mundos fantásticos questionaria a realidade em construção. O Ministério da Educação recolheu os livros de cada moradia e colocou materiais didáticos nas estantes, seus volumes de História compunham as obras de ficção restantes. Houve contrabando, esconderijos astutos, transcrições em código, mas a derrota era iminente.
Remanejaram a população às pressas, porque atrasos facilitariam objeções. Enviaram maridos para um estado e esposas para outro, não de forma premeditada, apenas ignoraram laços familiares em favor da agilidade. Gabriella ainda carregava seu filho no ventre quando entrou em Ordem, distante do homem que jamais o veria. Recebia tratamento diferenciado ao lado das demais grávidas, responsáveis pela perpetuação da mão de obra, mas também trabalhava para providenciar alimento aos conterrâneos, as melhores colheitas destinadas à Progresso. O nascimento da criança aliviou a dor ao passo que acentuou a inquietação, repudiava o pensamento de que presenteou seus algozes com outro escravo. A maioria se resignou, o sofrimento devorou a inteligência que poderiam somar, Gabriella, contudo, conseguiu mais do que pretendia e ultrapassou a fronteira com o bebê nos braços. O governo soube aproveitar as aptidões originais dos trabalhadores e a encarregou da logística, organizava os produtos, os veículos e os itinerários. A ideia que a assombrava desde a promoção funcionou em um momento intempestivo, talvez justamente por ser tão óbvia, e eles escaparam ocultos na carga de um caminhão rumo ao maior centro de distribuição do país.
A segurança interna dos galpões era negligente, resultado de uma rotina monótona. A mãe invadiu diversos depósitos até encontrar o esconderijo definitivo, um local abandonado pelas autoridades, perfeito por ser inútil aos seus olhos: a sepultura de todos os livros. A cultura humana jazia amontoada, universos enclausurados em calhamaços deitavam uns sobre os outros, a biblioteca era bela mesmo em sua tragédia. Seu filho, Virgílio, cresceria isolado entre as paredes do depósito, no entanto, não lhe faltaria companhia naquele santuário, divertiria-se com deuses, monstros e homens, seria livre para ir aonde desejasse preso dentro de uma caixa de aço. Gabriella furtava as refeições dos galpões vizinhos e aos poucos abastecia sua despensa. Habituaram-se a conversar, rir e brincar em silêncio, em determinados períodos do dia se calavam durante horas. Aos cinco anos, idade em que os sonhos começaram, o garoto era um leitor incansável, conhecia com profundidade terras imaginárias, desconhecendo a sua própria. Tragava a mãe para suas fantasias quando dormia e, apesar da surpresa espantosa, aprenderam a aguardar ansiosos o encontro onírico, uma vez que as paisagens infantis do seu inconsciente permitiam que fizessem tudo o que lhes era negado, então corriam, cantavam e até interagiam com as criaturas que habitavam os livros. Todavia, Virgílio e seu apetite literário amadureciam, buscava aventuras mais intensas, queria perder o fôlego, que as provações dos personagens disparassem seu coração.
“Firme! Timoneiro, firme. Não, não! Leme a barlavento de novo! Ela se vira para nos enfrentar! Oh, a sua fronte implacável vem em direção a alguém cujo dever lhe diz que não pode fugir. Meu Deus, fica perto de mim agora!”
Gabriella abraçava o filho, tremia como o mar sobre a ferocidade da Baleia Branca enquanto Starbuck dava ordens à tripulação. Trabalharam no Pequod antes, assistiram ao pôr do sol no topo do mastro, mas jamais avistaram a fera e sabiam que aqueles homens estavam prestes a morrer.
“Acorde, filho. Tire-nos daqui!” ela suplicou.
“É só um sonho, mas segure-se”, ele a tranquilizou com seu entusiasmo. “Vamos, Moby Dick! Está na hora!”
A baleia atuou conforme o roteiro, chocou-se contra a proa e abriu a fenda para que o oceano terminasse sua obra. Os clandestinos tentaram, porém somente conseguiram permanecer juntos no caos quando seus corpos se uniram aos dos marinheiros na dança do vórtice que engolia a embarcação. Virgílio despertou assustado do seu primeiro pesadelo, já a mulher, ao contrário do usual, continuava quieta, o abdômen imóvel, a pele pálida e fria. A água salgada que expeliu no abraço violento do menino corroborou o temor, a morte era um fator comum entre sonho e realidade, exceto para ele. Gritou sua culpa e seu arrependimento, rasgou e arremessou quantos livros pôde, dedicou a ira especialmente ao trabalho de Melville. O frenesi reuniu soldados diante do depósito e sua única opção foi seguir a rota de fuga que Gabriella ensinou, caminhando em um mundo que ele nunca leu a respeito.
III
Não escolhemos o que sonhamos, o que enxergamos com os olhos fechados, entretanto, é um sussurro inevitável da luz. Virgílio era refém do condutor, somente sugeria o local de desembarque, era um passageiro entre aqueles que desfrutavam do seu dom. Os rebeldes aguardavam apesar da incerteza, da possibilidade de que ele jamais sonhasse com um destino adequado, certos por outro lado de que correria risco de morte apenas após o êxito. Ele trouxe conforto à Progresso, os civis buscavam abrigo, esperança e inspiração no seu sono, dezenas dormiam ao seu redor e permaneciam na manhã seguinte para ouvir suas histórias. O garoto era o profeta de uma religião subterrânea, cujo fanatismo comprometeu os rituais. Encantados em demasia, alguns fiéis se renderam ao vício da irrealidade, o aborrecimento que representavam evoluiu para hostilidade. Perturbaram Virgílio, tentaram sequestrá-lo, entorpecê-lo para se entorpecer, tornaram-se dependentes da ficção e espalharam informações sigilosas na ânsia de consumir a droga. Seus protetores precisavam agilizar o plano contra as raízes da tirania ou o próprio povo entregaria seu recurso mais precioso.
“É esplêndido mergulhar na toca do coelho”, maravilhava-se a presidente. “Não te desejamos nenhum mal, ao contrário, aqui no Palácio da Alvorada você terá o que há de melhor. Alimento, vestuário, lazer para a mente e para a carne, providenciaremos o que quiser. Você é um de nós agora e cuidamos dos nossos. Passou sua infância em um depósito embolorado, dentro dessas paredes eu te darei o paraíso. Isto é, enquanto cumprir a sua parte do acordo.”
Virgílio virou moeda de troca, dormia com aliados e autoridades, um agrado a quem correspondesse aos interesses. Mostrava-se contente, levava-os a crer que estava igualmente deslumbrado pelo estilo de vida requintado, escondia de si próprio a humilhação para que sonhasse com paisagens agradáveis, para que sua vingança se sustentasse na confiança do hábito, somente então ele permitiria que seu ódio aflorasse e os guiaria pela cidade ardente.
“‘Deixai toda esperança, vós que entrais’”, um dos ministros lia a inscrição sobre a passagem. “Acredito que sentiremos emoções fortes nessa noite.”
“Sabemos o que há adiante”, a presidente se queixou. “Temos estômago para isso?”
“A decisão é sua, Vossa Excelência, porém, se hesitar, teremos que esperar pelo despertador”, esclareceu o prisioneiro. “Agora eu não posso levá-los a outro lugar.”
Os líderes se organizavam para usar o jovem, os encontros pontuavam a agenda de cada um, ora em caráter particular ora em grupo, celebrações de pequenas vitórias. Nos meses anteriores ao fim, ele passava a maior parte do tempo dopado em virtude da cobiça dos ministros. Quando a presidente se uniu novamente a eles, todos dispostos em camas, seus pensamentos se agarraram ao pior mundo que poderia evocar.
“Já enfrentamos diversos desgraçados”, gabou-se um velho. “Conheceremos a morada para qual os enviamos.”
Virgílio guiou a cúpula e assegurou-se de entregá-los aos respectivos círculos. Jamais abandonariam o Inferno, encarcerados em uma eternidade de punição. O tormento que os demônios infligiam à carne e ao espírito não podia se extinguir, em coma eles morriam centenas de mortes. O jovem dormia satisfeito, pois seu sacrifício atrofiaria o governo, enquanto os captores convulsionavam. A ponte derrubou os muros, a reconstrução cabia aos cidadãos. Pensava na mãe com fervor ao receber o tiro, sonharia assim ao seu lado para nunca mais despertar.