Prólogo
Epílogo
Conto
No fim do dia, quando finalmente posso respirar um pouco me pego pensando em como teria sido bom ter vivido épocas atrás, quando as pessoas ainda viviam e não sobreviviam como agora. Estava tudo tão diferente que doía imaginar, o que eu poderia ter vivido e toda a felicidade que sentiria.
Fico perdida em pensamentos, olhando as estrelas e o luar, tão linda a noite e sinto como se ela me chamasse pra desvenda-la ou vagar sem rumo sem pensar no amanhã. Como queria poder fazer isso, não posso ter esse tempo livre por muito tempo, assim que o toque de recolher tocar eu terei que deixar o meu mundo imaginário e livre, para a triste realidade. Como queria poder criar uma bolha ao meu redor e me esconder aqui para sempre.
Sou tirada dos meus pensamentos quando um toque bastante alto soa em todo lugar e ecoa como um aviso, e eu sei bem o que significa, me levanto rapidamente do jardim cheio de flores e capim verde em frente a minha casa, uma coisa boa em meio a tudo isso. Corri até a porta entrando com tudo a trancando, logo apagando as luzes da casa, ficando a penumbra.
Me escosto na porta e fico quieta, até prendo a respiração quando escuto seus passos pela estrada em frente a minha casinha sem graça e sem vida, eles estão vasculhando as ruas, vielas, tudo em busca de foragidos que tentam burlar as regras ou são só rebeldes que querer fugir um pouco do cotidiano em que vivemos.
Eu jamais pensaria que viveria assim, mas perdi meus pais para o regime, quando o ditador tomou posse á força do nosso país, que era bem pacifico e sem guerras, tudo virou um caos. Ele logo colocou suas regras, as pessoas seriam idênticas á robôs, sempre seguindo as ordens diárias e levando como dava. Não podia fazer nada por vontade própria, só o que liberava, desde da vestimenta o que era ridículo, um uniforme melhor dizendo, até as nossas ações, qualidades e defeitos. Somos só copias uns dos outros, ninguém mais é você mesmo, nem sabemos o que isso significa.
Eu queria poder viver, viajar, sonhar, mas tudo é nos proibido, só fazemos coisas básicas, trabalhar para o ditador, assistir seu discurso politico e como ele quer mudar o mundo pra melhor e blá blá blá, a única hora que temos livre são antes da hora de recolher, mas como queria ter mais horas, claro que fazemos coisas escondidas do regimento, como ensinar as crianças, treinar, dançar, cantar, coisas básicas que devíamos não precisar fazer escondido mas sim poder mostrar ao mundo nossos talentos ou aprender e ser feliz.
Tem um projeto em andamento pra derrubar o ditador, quando chegar a hora certa, todos juntos atacaremos quando ele menos esperar, quando pensar que todos os seus robôs estão ali o prestigiando estaremos prestes a derruba-lo. E torcemos para que nada saia errado pois qualquer falha pode ser o nosso fim, ele não se importa de matar dezenas, centenas ou milhares que o desafiarem. A pena por desobediência é o espetáculo, algo que você iria preferir a morte, tipo uma arena onde os foragidos são jogados e passam por todo tipo de coisa, ele é bem cruel quando quer, se você tiver sorte terá uma morte rápida e fatal, mas se o seu caso for grave você vai se arrepender de ter reclamado da vida monótona e chata que levava.
Eu quero arriscar, o ditador levou os meus pais, só por um pequeno atrasado depois do toque de recolher, por minha causa. Minha mãe estava prestes a dar a luz, o que mais poderia fazer senão pedir ajuda? Lágrimas brotam em meus olhos quando penso que fui a causadora de tudo isso, reprimo as lágrimas, pois sentimentos não são permitidos.
Sentimentos são para os fracos diz ele, os meus pais foram mortos em consequência disso e eu fui jogada em um orfanato qualquer, enquanto crescia percebia o quanto aquilo era desumano, ninguém merecia viver assim, como se não fosse nada mais do que um corpo. Foi assim que me aliei aos foragidos da noite, ninguém sabe de nós, nos comunicamos as sombras, tudo em segredo, pois só na hora certa vamos pôr um ponto final nisso. Sei que vamos e torço para que esse dia chegue o mais rápido possível, tento esconder meus sentimentos o mais profundo que posso, mas estou quase transbordando.
Ouço dois toques na porta e dou um sorriso contido, mais um passo alcançado e o dia da liberdade está mais próxima do que nunca, posso senti-la. Finalmente vou para a cama sabendo que no dia seguinte será uma nova esperança.
Alda Medeiros