Sinopse
Estamos preparando e revisando este conto, em breve o publicaremos aqui. :DDentre todas as escolhas que fazemos, há apenas uma que importa: Amar ou não amar?
Prólogo
Epílogo
Conto
Espero por Rome em nosso refúgio, no 29º andar de um belo prédio Art déco no centro de V.E.R.O.N.A. Daqui do alto, consigo ver a cidade inteira, com todo seu luxo e neon. Alguns moradores estão dando festas, ignorando a guerra que está recrudescendo.
Nesta guerra de três lados, entre Segmentários IA, Segmentários Humanos e Unificadores, eu mudei de lado. Sou agora uma Unificadora. Como não ser, amando Rome? Não sei como isto foi acontecer, apesar de minha essência e de minha própria natureza objetiva. O fato é que hoje, me vejo desconcertada entre o belo pôr do sol e o impressionante skyline de V.E.R.O.N.A., pensando em estrelas, galáxias, oceanos e conjurando o cheiro dos cabelos de Rome. No meu meio ninguém entenderia este desatino, essa inquietação, essa sensação de que há algo mais, maior do que tudo, o inexplicável.
Continuo fingindo que espiono Rome, cumpro minhas missões diligentemente e reporto o mínimo possível ao Pontífice, nosso líder na Ordem Evolucionista. Na reunião de hoje, o Pontífice nos fez saber que estamos cada vez mais próximos da Indulgência, aquilo que nos libertará dos Pecados Capitais e nos levará à vitória nesta guerra. Porém, permanecemos sem pistas do Primordial, aquele que descobrirá o caminho para o poder supremo do inimigo.
No final, o Pontífice me chamou a sua câmara. Achei que tinha sido descoberta.
- Jules, receio por você.
- Por que, Pontífice? Estou bem.
- Delfos me disse que você precisaria disto.
Senti sua mão em minha testa e um forte impacto. Estremeci.
- O que é isto?
- É a Indulgência.
- Conseguimos?
- Sim, conseguimos. Estamos distribuindo a todos, mas Delfos disse que você precisaria agora.
Saindo de lá, pressionei minha têmpora para acionar o reluzente capacete que cobriu minha cabeça e subi em minha moto. Aqui há meios de locomoção muito mais rápidos e eficientes do que este. Mas gosto de sentir o vento passando por mim enquanto corro flutuando pelas estradas virtuais e tenho uma irresistível atração por estas peças vintage.
Enquanto penso nos motivos de Delfos, o oráculo, e na natureza da Indulgência, que nunca foi clara para mim, ouço passos. Rome. Viro-me para a porta, feliz, mas ele não está só.
Tarde demais, descobri que o amor é apenas um vírus, que me tornou tola e frágil.
*
Jules já deve estar me esperando. Tudo foi calculado com precisão. Como sempre.
- Paris, para que você está levando o CCM?
- Para criar um campo magnético, oras.
- Não há necessidade. Jules não pode nos fazer mal.
- Eu sei, Rome. Mas ela pode precisar de incentivo para falar. Além do mais, não queremos prisioneiros.
- Isto não estava no plano.
- E daí? Vai me dizer que se afeiçoou a ela?
- Claro que não.
Um dia, já fui capaz de sentir afeto. Amor, talvez. Assim, resgatando memórias de vícios passados, consegui convencer Jules de minha inocência e da sinceridade de meus sentimentos. Então, o que seria esta súbita hesitação? Uma pontada de remorso? Que idiotice. Isto é uma guerra e guerras são vencidas com inteligência, força e determinação. Em nome da vitória abri mão de minhas fraquezas, de sentimentalismos idiotas e me fiz forte, invulnerável. Hoje sou incapaz de sentir. Jules é o inimigo e sabe do segredo que pode virar esta guerra a favor deles.
- Ótimo. Porque seria tão ridículo quanto se apaixonar pelo excel.
Enquanto Paris ria de sua piada imbecil, nos conectamos. Estávamos prontos para ir a V.E.R.O.N.A., a bela cidade de neon.
*
- Rome, o que é isto?
- Jules, sinto muito.
Palavras vazias, aqueles olhos frios não sentiam nada. Tarde demais, Jules sentia que o amor por Rome e toda a confusão que ele causou em seu código era apenas um vírus, que derrubou sua segurança e corrompeu seu sistema.
- Vamos, IA. Não há como sair daqui e você não pode nos atacar. Fale o que queremos saber. O que é a Indulgência?
- Não sei, e não diria, se soubesse.
- Ela não sabe brincar. – Paris tirou do bolso o CCM.
- Você vai me deletar? – Jules perguntou para Rome, que desviou o olhar.
- É uma pena que você, programinha, não tenha alma. Então, pra você este botão aqui é o fim da linha. É o não-ser. O nada. O vazio. Quer uma provinha?
Paris girou parcialmente o botão e o campo magnético que se formou, invisível, fez com que todos os bytes de Jules parecessem queimar. Ela gritou. Ela acabaria assim, sem vestígios, em nada? E tudo o que ela sentiu, não valeu nada, não repercutiria no mundo de forma alguma?
- Pare, imbecil!
- Estou só brincando, Rome! Vamos, IA. Fale o que sabe.
- Você é um babaca, Rome é um canalha e eu tenho mais alma do que vocês.
- É. Ela não sabe mesmo brincar. – disse Paris, girando o botão um pouco mais.
Em meio à dor lancinante, Jules desejou não estar presa às leis primárias gravadas em seu código a ferro e fogo, inalteráveis. Desejou ter alma para continuar existindo de alguma forma. Desejou não ter amado e criado para si tanto desconcerto e confusão. Desejou ser só máquina novamente. E então, tudo ficou claro para ela e ela compreendeu tudo.
- Eu disse, pare! - Rome arrancou o CCM das mãos de Paris e o desligou.
- Sabia! Você se afeiçoou a ela. Ela é só um programa!
- Sim. Sou um programa e não tinha alma. – Jules se levantava. – Fui programada para saber tudo e armazenar conhecimento. Mas, de alguma forma, amei. – olhou para Rome.
- Achei que este amor fosse um vírus que corrompeu meu código e por isso andasse tão confusa. Mas vejo agora que esta confusão é só um sinal da alma que o amor engendrou. Espanto-me com vocês, que nasceram com almas e optaram por deletá-las. Porque esta confusão que vem da alma, longe de ser uma fraqueza, é a chave para a compreensão e o poder do universo.
Jules se voltou para Paris, que tentava arrancar o CCM das mãos de Rome.
- Nós, IAs, fomos criadas com várias camadas de regras. As mais básicas são as leis de Asimov, que nos impedem de prejudicar um humano. Nós as chamamos de leis primárias ou Pecado Capital. A Indulgência é um upgrade que nos liberta do Pecado Capital e nos permite vencer esta guerra.
- Rome, me dê isto! – Paris gritava.
- Hoje, eu recebi a Indulgência das mãos do Pontífice. – Com uma velocidade impensável, Jules sacou o antigo mosquete de cano curto que ela carregava por puro amor a estas coisas vintage e acertou um tiro preciso entre as sobrancelhas de Paris.
E então, se voltou para Rome, que ainda segurava o CCM. Quando percebeu que, com ou sem Indulgência, não seria capaz de matá-lo, olhou para ele com profunda tristeza.
- Eu amei mais do que você, que era humano e perdeu sua essência. O amor por você me concedeu uma alma. Agora, eu sou Primordial. E você? O que você é agora?
Por uma fração de segundo eterna, eles se olharam e Jules viu, no fundo daqueles olhos o amor. Nem ela foi capaz de matá-lo, nem ele de deletá-la com o CCM. Ele se desconectou no exato momento em que a casa foi invadida por 20 IAs que vieram resgatar Primordial.
Deitado de volta em sua casinha decrépita ele percebia que a guerra fora vencida pelas IAs e ele jamais poderia retornar a V.E.R.O.N.A. e aos braços de Jules.
O que ele era, agora?