Prólogo
Epílogo
Conto
De olhos fechados, havia apenas escuridão. Porém, de olhos abertos, havia uma escuridão ainda mais assustadora, pois o medo é maior quando se abre os olhos e nada consegue enxergar.
E o medo simplesmente aumenta quando se começa a enxergar alguma coisa.
No começo pareciam sombras, vultos, coisas que poderiam estar ali ou podia ser apenas os olhos pregando uma peça, tentando se acostumarem com a ausência de luz. Não tinha como saber o que realmente estava, ou não, te encarando na escuridão.
A vontade de gritar só não era maior que o medo de que algo pudesse te ouvir; a respiração contida, rápida e ofegante, com o suor que escorria pela testa, quase beirando a sensação de desmaio. O som do coração batendo, das veias pulsando se parecia com o de martelos em uma construção – era só uma questão de tempo para alguma das sombras ou dos vultos ouvirem.
Imóvel, paralisado – como podia a escuridão parecer cada vez mais escura? Talvez fosse o medo disfarçado de sombra tomando forma a sua volta. Talvez fosse isso. Quem sabe era o receio de olhar por cima dos ombros apenas para ver alguma coisa te espreitando, apenas esperando esse olhar, esperando e desejando ver o medo em seus olhos enquanto drenava o calor do restante do seu corpo.
Mas não era o caso; olhando por cima dos ombros não havia nada lá a não ser mais escuridão e mais sombras. Porém… foi ai que o barulho começou.
Existia som naquele lugar antes disso? E, aliás, que lugar era aquele? Perguntas importantes, mas que não havia tempo para encontrar respostas, pois o som crescia. Começou como pequenas agulhas se chocando entre si; o ritmo variava, as vezes frenético e as vezes tão lento que parecia que o mundo estava desacelerando, apenas aguardando o inevitável.
O som aumentava como se estivesse cada vez mais próximo, como se algo estivesse indo até você ou você indo até algo, não tinha como dizer, não tinha como saber, era apenas uma questão de tempo.
Quando, de repente, pela primeira vez desde que você se lembra, você viu alguma coisa: era um pequeno brilho em intensidade, apesar de comprido em tamanho. Como um fio comprido cruzando todo aquele espaço. Um fio que parecia começar de lugar nenhum e terminar em algum lugar e, aos poucos, cada vez mais fios pareciam aparecer conforme as agulhas continuavam a soar.
Os olhos, que pareciam buscar algum conforto nessa fonte de luz desconhecida, não desviavam o olhar dos fios. Hipnotizantes, cativantes, horripilantes. O brilho que emanava deles pareciam contar histórias, mostrar imagens, produzir sons em sua imaginação.
Hipnotizantes, cativantes, horripilantes.
Abruptamente, o som das agulhas parou. Os fios ainda brilhavam, mas pareciam ter perdido o conforto que os olhos buscavam; ao invés disso, eles passaram a parecer como armadilhas colocadas ali para pegar uma presa.
-Uma teia. O tear dos sonhos e dos pesadelos. A armadilha da realidade que captura a esperança. Os fios que unem o sonhar com o despertar.
A escuridão sussurrou em seus ouvidos, uma voz feminina e sibilante, assustadora e traiçoeira, como as sombras a sua volta.
Por um instante, parecia que nem mesmo seu coração batia mais; o suor havia parado de escorrer, deixando apenas a sensação gelada do mesmo parado na pele; o ar não passava da tarefa involuntária do pulmão em permanecer respirando.
Até as agulhas voltarem ao seu trabalho de tear.
Milhares de agulhas pareciam se aproximar de todos os lados. O som cada vez mais alto e rápido se ritmava com seu coração, que batia freneticamente. A respiração cada vez mais ofegante, olhando ao redor, desesperado, quando pela primeira vez desde que tomou consciência notou que seu corpo estava preso nessa teia.
O brilho fraco que emanava dos fios começou a sumir aos poucos, talvez a escuridão estivesse dominando o lugar mais uma vez. Mas, infelizmente, era pior. Haviam sombras, vultos, pequenas coisas cobrindo os fios da teia.
Os aracnídeos pareciam se aproximar de todos os lados, era como se você os pudesse sentir subindo em sua pele, escalando suas pernas, seus braços, passando por trás de suas orelhas, andando por sua cabeça. Talvez isso realmente estivesse acontecendo ou, talvez, fosse apenas o inconsciente preparando o corpo para o choque do inevitável.
-Esperem.
A voz da escuridão sussurrou em seu ouvido e o silêncio, mais uma vez, prevaleceu. A sua volta, centenas de milhares de pequenos olhos te encaravam. A voz, aparentemente, controlava aquelas aranhas.
O medo nunca foi tão grande quanto naquele instante. Alguma coisa estava por vir, cada parte do seu corpo sentia, cada pêlo no corpo arrepiava e até mesmo o coração parecia bombear mais sangue que o de costume. Foi então que uma presença aterradora começou a se aproximar, uma presença tão grandiosamente assustadora que até mesmo as sombras pareciam tremer de medo.
-Não há porque temer o inevitável.
A voz da escuridão falou mais uma vez – ainda que feito um sussurro em seu ouvido – e pareceu reverberar pelas sombras dessa vez. Ao olhar pra cima, o medo te paralisou por completo; um terror indescritível, uma presença inominável, a sensação de ser aquele o fim de toda a esperança.
Aos poucos a escuridão parecia se dissipar ao seu redor e se concentrar apenas acima e abaixo do seu corpo. Pela primeira vez, em um período que pareceu uma eternidade, você sentiu alguma coisa: o colchão duro da cama na qual seu corpo repousava em seu quarto. Uma janela ao seu lado exibia o céu em um dia parcialmente nublado, porém mesmo o brilho do sol parecia frio e sem vida.
O tecido que separava realidade do sonho parecia ter se rompido ali. Olhando para cima, havia apenas a escuridão e os fios da teia que o prendia. Virando os olhos o para onde devia estar o chão de seu quarto, viu que havia apenas mais sombras e um mar de aranhas cobrindo mais teia.
Pela janela, aos poucos você começou a ver pequenos fios atravessando o céu. A trama de fios da teia parecia se espalhar até o horizonte, para todos os lados, rumo ao infinito.
-É inevitável o tear dos sonhos e dos pesadelos…
Ao ouvir a voz da escuridão, o mundo ao seu redor pareceu ser preenchido por sombras, o medo voltou instantaneamente. Não havia mais coração batendo, nem suor escorrendo, nem sinal do corpo esboçando qualquer reação. Não havia nada além da presença da mãe de todas as aranhas, responsável pelo tear de todos os sonhos e pesadelos, descendo em sua direção.
Ela não disse mais nada, apenas descia, cada vez mais e sempre na mesma velocidade, enquanto os sons das agulhas voltavam a preencher a escuridão, tecendo uma teia que prendia sonhos e pesadelos, cujos intermináveis e infinitos fios envolviam em sua trama o início dos tempos até o fim de tudo. Ao mesmo tempo que todas aquelas aranhas, pequenas emissárias do fim, seguiam seus caminhos pelos fios da teia que ficava cada vez maior, em busca do que mais ela houvesse capturado.