O Pico Dos Raios Sem Fim

Fantasia
Fevereiro de 2020
Começou, agora termina queride!

Mardey Stealth

Autor
Autora
Organizador
Organizadora
Autor e Organizador
Autora e Organizadora
Editor
Editora
Ilustrador
Ilustradora
‘‘De nada serve morrer: é preciso morrer na devida altura.’’—Jules Renard

Conquista Literária
Conto publicado em
Taverna Bode Mágico

Prólogo

Epílogo

Conto

Áudio drama
O Pico Dos Raios Sem Fim
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A Taverna Bode Mágico fica numa encruzilhada. Num local estratégico. Um encontro de caminhos entre grandes cidades e locais famosos onde habitam criaturas mágicas, onde tesouros descansam em meio a terríveis perigos, esperando os corajosos guerreiros que os colherão. Nesta taverna, Manwë, o bardo, toca seu bandolim e canta. Elfas dançam ao seu redor, e aventureiros fazem coro animadamente, acompanhando a melodia. A noite está maravilhosa. O taverneiro sabe que faz dinheiro quando Manwë chega. O seu estabelecimento é o favorito do bardo. O tempo foi passando e a taverna enchendo, bem como os bolsos do taverneiro.

BAM! As portas da taverna se abrem com um estrondo, e todos desviam sua atenção para ver o que está acontecendo. Dois guardas se postam do lado das portas, mantendo-as abertas. Ao ver a insígnia no peito deles, o taverneiro ordena a duas pessoas que subam ao mezanino e preparem a cabine especial. Mais dois guardas entram e abrem espaço entre os presentes. Os seguranças e criados da taverna se unem aos guardas e abrem caminho da porta até a escadaria que leva ao mezanino.

Há um certo suspense no ar, uma curiosidade estampada nas faces dos que ali estão fitando aquela porta aberta. Um cavalo relincha lá fora, e quem está de frente para o umbral vê uma enorme e opulenta carruagem parando. As portinholas são abertas por dois valetes extremamente bem-vestidos. Um homem gordo e grande desce da carruagem. Suas vestes riquíssimas brilham com uma luz própria. Um dos valetes estende o braço para que o homem se apoie, e a mão que o segura está cheia de anéis de pedras preciosas. Todos sabem de quem se trata agora. Aqueles anéis são famosos em todo o continente. Este homem é o Colecionador.

O negro adentra o recinto com altivez. O rosto redondo está emoldurado pelos cabelos trançados em finos dreadlocks na altura do queixo, que ostenta um cavanhaque finamente barbeado. Joias douradas penduradas no pescoço, as duas mãos repletas de anéis. Roupas tecidas em ouro e prata. Tudo no homem grita a riqueza que possui. O silêncio ainda predomina; só se ouve os passos do Colecionador e o tilintar das joias. Ele caminha sorridente até a escadaria e sobe ao mezanino. Lá em cima, se acomoda e faz um gesto com a mão para o taverneiro, que manda os criados voltarem a seus postos e pede a Manwë para tocar. A Taverna Bode Mágico retorna à animação anterior.

 O bardo inicia uma canção que agita a taverna. As dançarinas encantam. Os dançarinos seduzem. Todos bebem felizes. Mais algumas horas se passam, e as pessoas comuns se retiram. Felizes, com a alma leve; os bolsos, também. À medida que a noite avança, o clima na taverna fica mais pesado. A presença do Colecionador atrai um público mais rude. A canção cessa. Manwë se levanta e saúda o Colecionador, que acena positivamente para ele, com um sorriso nos lábios. O negro levanta e se dirige até a balaustrada do mezanino, levanta a mão numa saudação e diz:

— Acredito que todos os que ficaram sabem o que significa a minha presença aqui. Talvez alguns de vocês até já tenham conhecimento do que vou dizer. O lendário Corcel do Trovão foi avistado no Pico dos Raios Sem Fim. — Ao ouvir isto, e imaginando o que o Colecionador iria propor, muitos dos presentes se retiram. — As lendas contam que o Corcel do Trovão só aparece quando uma Pedra-voltaica se forma no topo do Pico.

Os remanescentes se entreolham com um brilho de ganância. Quanto mais difícil a missão, maior a recompensa. O Colecionador analisa detidamente os homens e mulheres que restaram no salão da taverna. Ele aponta a uma elfa arqueira, um guerreiro meio-orc, uma elfa druida, um halfling ladino e, curiosamente, Manwë. O bardo faz um som surpreso e dá uma risada metade escárnio, metade alegria, olhando zombeteiramente para os que não foram escolhidos. O Colecionador se pronuncia mais uma vez:

— Vocês cinco, se meus olhos ainda servem para alguma coisa, estão aptos para completar a missão que vou propor. Alguém aqui discorda e se acha mais capaz do que os que apontei? A oportunidade de entrar no grupo é esta. Desafiem qualquer um dos escolhidos.

Todos sabem como funcionam as coisas com o Colecionador; além de sempre propor missões dificílimas com recompensas exorbitantes, ele se deleita com os combates sanguinários. É sempre assim: ele escolhe alguns dos presentes e deixa o sangue ser derramado até que o número esperado por ele seja alcançado. Um meio-orc, claramente um bárbaro, se levanta, rindo alto e dizendo:

— Tu deve tá doido, homem gordo. Olha essa moça magrela…

Uma flecha atravessa a testa do meio-orc, exatamente no meio dos olhos. A maioria sequer pôde perceber o movimento da elfa, e, após o meio-orc bater pesadamente no chão e eles olharem para a arqueira, sua arma já está acomodada no mesmo lugar de antes, como se nada houvesse acontecido. O bardo ri copiosamente. Alguns aventureiros se olham com raiva do bardo, que parece gozar não só do meio-orc mas de todos os que ficaram surpresos com a reação da elfa. Rindo alto, ele arfa um pouco, puxando o ar, e diz:

— Algum dos idiotas ainda vai tentar algo?

— Cala a boca, bardo! Você nem fez nada e está desse jeito. Eu desafio você! — um anão barbudo se pronuncia, empunhando seu machado.

— Uuuuui! Olha só para esse anão! Ele puxou o machado de brinquedo dele! Que meda! — o bardo aponta para o anão, fazendo cara de assustado.

— MALDITO! — o anão pula no palco e se posta em posição de combate.

Manwë tem mais de dois metros de altura, e o anão deve ter no máximo um metro e meio. Ele se dirige ao palco, e, depois de toda aquela palhaçada, as pessoas começam a rir, o que só deixa o anão ainda mais nervoso. Ele balança o machado furiosamente, rosnando como um cão raivoso. O bardo sobe no palco, olha para o taverneiro e depois para o Colecionador, dizendo:

— Acho que ele vai quebrar alguma coisa, hein?

O Colecionador só acena com a cabeça positivamente para o bardo e dá um olhar tranquilizador para o taverneiro.

— RAAAWRR!!

O anão se lança no bardo, brandindo o machado num arco horizontal. O bardo, por sua vez, dá um passo para trás e o machado passa a milímetros de sua cintura. Ele chuta o traseiro do anão quando este gira, empurrando-o de volta para a outra ponta do palco.

— Ha! Ha! Ha! Eu acho que ele queria cortar minha cabeça fora, mas, com esse tamanhico dele, o máximo que alcança é minha cintura.

Os olhos do anão ficam vermelhos, injetados. Os outros aventureiros estão rindo dele. Rindo de chorar, por causa do bardo maldito. O anão, ainda de costas, treme de raiva e não ouve o bardo recitando um encantamento:

Euro! Senhor do Vento Leste! O teu grande poder vale mais do que ouro! Quero ver este anão chamando urubu de “meu louro”! Confusão!

O anão estaca. Seus olhos perdem o brilho e ficam desfocados. Ele solta o machado e começa a balbuciar palavras sem sentido. Os risos ficam mais altos. O bardo ri também. O Colecionador observa com uma expressão satisfeita. Os anões têm uma resistência natural à magia. Se o bardo conseguiu provocar confusão neste é porque realmente detém um grande poder. O anão, depois de alguns segundos, balança a cabeça vigorosamente, recobrando os sentidos mas ainda um pouco tonto. Ele vê seu machado no chão e entende. Pegando sua arma, ele abaixa a cabeça e dispara da taverna sem olhar para trás.

— Mais alguém? — o Colecionador pergunta quando os ânimos se acalmam.

Apesar de ainda haver três pessoas que não foram desafiadas, a flecha certeira da elfa e a humilhação do bardo arrefeceram a vontade dos aventureiros de tentar a sorte. Os guardas do Colecionador abrem as portas da taverna, e o estabelecimento fica praticamente vazio. Os criados se recolhem, restando apenas um, que atende o homem no mezanino. Um gesto com a mão, e os cinco no salão entendem que devem ir até o Colecionador.

— Sentem-se, meus amigos. — O Colecionador, agora de costas para a balaustrada, aponta as luxuosas cadeiras à sua frente.

Seus dedos cheios de anéis tamborilam na mesa. Ele foca cada um deles, terminando com um olhar significativo para um dos guardas. Ninguém diz nada, mas o guarda sai correndo escada abaixo, voltando logo em seguida com mais quatro guardas, cada um carregando uma pequena arca. O tilintar das moedas de ouro soa limpo quando as arcas são depositadas no tampo de madeira da longa mesa na frente do Colecionador. O meio-orc não contém o riso de satisfação, e o riso se torna uma gargalhada quando as arcas são abertas e o brilho dourado toma o ambiente.

— O Pico dos Raios Sem Fim. A Pedra-voltaica... — o Colecionador começa a falar, mas faz uma pausa, olhando para Manwë. — Bom, temos um bardo aqui, talvez seja melhor ele contar a história…

O bardo dá de ombros, pega seu bandolim e dedilha algumas notas nas cordas, iniciando uma melodia. Limpa a garganta e canta:

 

No Pico dos Raios Sem Fim

Onde sempre se vê um clarão

Lá do topo, foi de onde eu vim

Lhes trazendo esta bela canção


O relâmpago ataca a montanha

Com seu brilho cegante e arcaico

Queima o solo, penetra a entranha

Um eterno arco voltaico


Quando o velho milênio se vai

Nasce uma pedra bem especial

No Planalto do Elétron ela cai

O poder de um deus, sem igual


Muitos pensam em se arriscar

Em trilhar o caminho do perigo

Desafios do monte enfrentar

E alcançar o Planalto no Pico


Mas a todos que querem viver

Um conselho de amigo, de irmão

Lá em cima, com a morte vais ter

O poderoso Corcel do Trovão

 

O Colecionador bate palmas. Ele arqueia sobre as arcas e, com um olhar ansioso, coloca cinco pergaminhos abertos sobre a mesa. Os pergaminhos têm uma aparência antiga e algumas runas estão desenhadas com sangue sobre eles. Os aventureiros reconhecem as runas e se movem nas suas cadeiras, denotando um certo desconforto. Exceto o bardo, que parece estar afinando seu bandolim, cantarolando algo baixinho.

Um estalar de dedos repletos de anéis chama a atenção de todos para o Colecionador, e ele volta a falar:

— Para o bom interpretador, a música diz tudo que se precisa saber sobre esta missão. Obviamente, as arcas são metade da recompensa que os espera se conseguirem me trazer a Pedra-voltaica.

— Esses pergaminhos… — A elfa druida se mexe na cadeira mais uma vez. — É um feitiço de prender o sangue?

— Você tem um olho bom para isso, mas na verdade é uma versão modificada desse feitiço. Este aqui serve apenas para que eu possa localizar vocês.

— E por que você precisaria saber onde estamos? — o Ladino pergunta, franzindo o cenho.

— Porque, como você pode ver, eu ofereço uma recompensa considerável e, por isso, preciso ter certeza de que o item que eu busco estará comigo no fim da missão.

Manwë parece abstraído da conversa, ainda está afinando o bandolim. Uma corda se solta com um estralo e corta o dedão dele. Com um movimento rápido, ele pega o pergaminho na mesa e limpa o dedo que está sangrando. Todos na mesa olham um tanto constrangidos e ele, dando de ombros, diz:

— Ué? Por que essa cara? Não era só esfregar um pouco de sangue no pergaminho e a missão estaria aceita? Eu só uni o útil ao agradável.

— De fato… — diz o Colecionador. — O sangue do bardo está no pergaminho, e isso fecha o contrato. Vocês irão aceitar também?

Um a um, os outros aventureiros deixam seu sangue cair no pergaminho, selando o Feitiço. O Colecionador sorri, satisfeito, e se levanta, deixando os aventureiros observando suas arcas cheias de moedas de ouro.

 

***

 

Muitos dias se passam enquanto os cinco aventureiros cavalgam em direção ao Pico dos Raios Sem Fim. O som de trovões preenche o ar após uma curva no caminho, e logo a grande montanha pode ser vista no horizonte. É um cenário extraordinário: o monte tem uma largura considerável, e vai subindo e afunilando, como é comum a esse tipo de formação geológica. Mas, perto do topo, parece haver um afunilamento drástico. Há uma fina camada de nuvens e, do meio delas, desponta uma espécie de monolito gigantesco que vai até muito perto de outra camada de nuvens ainda mais alta. No topo do monolito, há um clarão constante, pois das nuvens negras acima caem relâmpagos sem parar.

Os cinco cavalos freiam, e as pessoas ficam admiradas pela visão. Além daquele topo surreal, raios atingem a montanha em vários pontos aleatórios sem qualquer padrão. Se um desses relâmpagos atingir qualquer um deles, uma arca de ouro terá um novo dono. Simples assim.

— Aquela camada de nuvens mais larga que fica abaixo do monolito é o Planalto do Elétron. É lá que estará o Corcel do Trovão e a Pedra-voltaica. — Ammara Galladh, a Druida, aponta a linha branca no alto da montanha.

— A visibilidade deve ser muito ruim lá… — a Arqueira, Ethela Peng, lamenta.

— Argh! A gente vai ter que subir até lá com todos aqueles raios caindo? — Skunk, o meio-orc, bufa de raiva.

— Ha! Ha! Eu vou é ficar longe do bardo! Com essa altura toda e esse cabelo verde, o raio vai achar que é uma árvore e vai direto nele. — Gillis Nelson, o halfling, ri alto.

— Ladino safado! Quando voltarmos, não colocarei seu nome na canção que vou escrever sobre esta aventura! — Manwë ri junto com o halfling.

Os cavalos voltam à estrada. O Pico está cada vez mais próximo. Mais alguns poucos dias de viagem e eles estão no pé da montanha. Manwë conduz os cavalos para uma reentrância na parede de um penhasco de pedra lisa, e os outros o seguem. Lá dentro há um espaço considerável que facilmente os acolhe. Todos desmontam e começam a conversar.

— Acho melhor deixarmos os cavalos aqui. Não vale a pena levá-los para cima; logo, não poderão seguir caminho e não acharemos um lugar tão bom para mantê-los a salvo — Ethela pondera, olhando para os demais.

Ammara observa a expressão dos companheiros e percebe que há uma aprovação geral. Ela vira para a entrada e fecha os olhos. Todos olham em sua direção e percebem que ela está conjurando alguma magia. A Druida pega um pequeno galho das suas vestes e o lança no teto da caverna natural. Pega um saco e de lá tira o que parecem ser sementes, espalhando-as pelo chão. Um pequeno tremor assusta os quatro observadores. Galhos começam a crescer no umbral, formando uma espécie de cortina vegetal. As sementes mergulham na terra e uma grama macia nasce, forrando todo o ambiente.

— Pronto… — Ammara diz, voltando-se para os outros. — Agora, os cavalos estarão protegidos e terão comida por pelo menos dez dias. Creio que será tempo o suficiente para subirmos e voltarmos com a Pedra-voltaica.

— Nossa! — O meio-orc pega uma fruta pendurada nas vinhas. — Isso é venenoso?

A druida balança a cabeça negativamente e Skunk dá uma mordida na fruta, fazendo uma expressão satisfeita. Os aventureiros baixam os fardos dos cavalos e começam a se preparar para subir. O ladino abre sua roupa de couro, colocando um número impressionante de adagas em várias alças costuradas por dentro. Enrola uma corrente negra como ébano em seu corpo e veste uma capa preta por cima.

A druida amarra os mais variados objetos em sua cintura: poções, um boneco de pedra, galhos, saquinhos de couro com sementes e outras coisas. Puxa uma algibeira e coloca mais algumas coisas lá. A arqueira tira um arco longo que estava dividido em duas partes, puxa uma corda e faz um esforço enorme para montá-la no arco, que é quase de sua altura. Coloca uma grande aljava nas costas e a enche de flechas com as mais variadas pontas. O meio-orc tira uma pedra de amolar e afia sua enorme espada de duas mãos. Desenrola várias peças de armadura de um metal grosso e as veste.

— Hã… Você acha uma boa ideia usar tanto metal nesse lugar, Skunk? — o ladino pergunta.

— Mas é minha armadura!

— Calma… eu só perguntei…

O bardo está sentado displicentemente, como se avaliasse o que vai levar. Até que fala com o ladino:

— Ei! Gillis! Quer apostar que o meio-orc vai tomar um raio ainda na subida, com todo esse metal? Cinquenta moedas de ouro. — Manwë balança um saquinho que faz um som característico.

— Pois eu aposto! Eu acho que ele não é tão azarado. Acho que ele morre lá em cima, vai tomar um raio na cabeça, mas lá no Planalto.

— Pois está apostado!

— Vocês estão falando sério? — o meio-orc os interrompe. — Estão apostando que eu vou morrer?

— Pois então aposte que você não vai! Cinquenta moedas de ouro! — o ladino fala, rindo.

— Pois eu boto cem moedas de ouro nas suas cinquenta, Skunk! — o bardo fala, rindo também.

— Desgraçados! Pois eu aposto!

— Pela Deusa… São três crianças… — Ammara revira os olhos.

— Melhor eu levar minhas espadas; acho que vai faltar gente lá em cima. — O bardo amarra duas bainhas na cintura e acomoda espadas orientais curtas nelas.

 

***

 

 O grupo de cinco pessoas inicia a subida. Ethela toma a frente e lidera a expedição, seus sentidos aguçados, atentos a qualquer movimento. Ammara puxa uma pena, fala algumas palavras numa língua desconhecida, e a assopra. A pena se transforma num pássaro que alça voo, vigiando os arredores. A viagem segue tranquila até a metade do caminho para o Planalto. Mas logo um raio atinge o pássaro de Ammara, sobrando somente uma pena queimada. Os aventureiros se assustam, e Manwë e Gillis olham para o meio-orc. Ethela levanta a mão direita e pede para pararem.

— Temos companhia. — Ela aponta numa direção.

Um touro azul-esverdeado surge em meio à vegetação. Grande e forte, com cerca de dois metros de altura e os músculos traçados no corpo, além de um par de chifres enormes, com raios elétricos passando entre as pontas deles.

— Por todos os deuses do vento! Um corno elétrico! — Manwë diz.

— Nossa, bardo! Estou cho-ca-do com a sua piada idiota! — o ladino responde.

— Pois eu quero que você vá para o raio que o parta, Gillis! — Os dois desatam a rir.

Ethela sinaliza para que façam silêncio, mas é tarde demais; o touro já os percebeu. Raspando o casco no chão, ele dispara em direção à arqueira. A elfa reage prontamente: seus músculos se retesam e ela salta agilmente para trás e para o lado, saindo da trajetória do touro. Quem também reage rápido é Gillis. Numa veloz sequência de movimentos, ele pisa na coxa do bardo, salta em seu ombro e se lança no ar, arremessando várias adagas.

Os chifres do animal faíscam e atraem todos os projéteis, que o acertam sem causar qualquer dano. Vendo isto, Ethela puxa uma flecha de ponta de pedra e dispara no ombro do touro, que já estava preparando um ataque elétrico para disparar no ladino. Skunk puxa Gillis pela capa, tirando-o da linha de tiro do touro, que muge dolorosamente quando é acertado pela flecha. De repente, grossas raízes brotam do chão com uma velocidade sobrenatural e prendem o touro. Ethela atira mais uma vez, acertando a têmpora da fera. As raízes puxam o inimigo com força. A terra se abre e o engole, fazendo-o desaparecer com um mugido interrompido.

— Skunk, muito obrigado pela ajuda, mas já pode me soltar. Vai que a hora é agora… — Gillis ri.

— Boneco feio do pé peludo… — Skunk pragueja.

Os aventureiros seguem em frente. Mais algumas criaturas aparecem, mas eles conseguem derrotá-las e seguir caminho. Pelas histórias contadas sobre o Pico, subir deveria ter sido mais difícil, com mais monstros entre o sopé e o Planalto. Entretanto, quanto mais próximos do topo, menos criaturas eles encontram. A montanha está bem íngreme agora. A caminhada se tornou uma escalada, mas, em compensação, o Planalto do Elétron está bem próximo. A velocidade de subida de cada um é diferente; Ethela e Gillis chegam facilmente ao topo, seguidos por Ammara. Manwë vem chegando um pouco depois. Fazendo força, ele ergue o torso, conseguindo se arrastar para o Planalto. Por último vem Skunk, com sua pesada armadura. Ele chega até a borda e, com enorme esforço, levanta o tronco… Mas um relâmpago o atinge em cheio neste exato momento. Os outros quatro, que não estavam tão próximos, ouvem o barulho e o grito, e então se dirigem até lá, encontrando apenas um corpo completamente carbonizado, o torso no Planalto e as pernas pendendo esturricadas no ar.

— Gillis, você me deve 50 moedas de ouro.

— Não, senhor. A parte em que o raio caiu já estava no Planalto.

— Gillis… A aposta foi ele subindo… Ele ainda estava subindo…

— Calem-se! — Ethela aponta para alguma coisa brilhando no meio das nuvens. — Ammara! Hora de usar o seu melhor truque. Ele está vindo!

A druida pega o boneco de pedra preso na sua cintura e se ajoelha. Numa espécie de transe, ela se balança suavemente enquanto entoa cânticos antigos e poderosos. O boneco é cravado no solo, que o absorve, e a voz de Ammara reverbera no Planalto. Gillis, Manwë e Ethela ficam alertas em volta dela; parece que a invocação vai demorar um pouco.

— Bardo, preciso de visão… — A arqueira olha ansiosa para Manwë.

Ó, Qebui, Deus do Vento Norte do deserto. Sopra este Planalto com todo teu poder, faz esse maldito pangaré aparecer. Sirocco!

O vento se intensifica e se aquece. Acima da cabeça do bardo, surge a ilusão de um carneiro com 4 asas e 4 cabeças que voa em direção ao centro do Planalto, carregando consigo as nuvens que tolhiam a visibilidade dos aventureiros. O carneiro voa para o obelisco até ser acertado por um destrutivo relâmpago, seguido pelo som estrondoso do trovão que faz o carneiro tremer, se desfazendo no ar. A druida ainda está concentrada na sua invocação, mas os outros olham para o monolito e finalmente veem o Corcel do Trovão.

O poderoso equino tem uma aparência majestosa. Seu pelo é de um profundo azul-acinzentado, como as nuvens de tempestade. Sua crina e cauda são feitas, literalmente, de raios, bem como suas patas e orelhas. Seus olhos são completamente brancos, e correntes elétricas constantemente fogem deles para o ar. O animal, do alto dos seus quase quatro metros de altura, olha para os aventureiros e bufa com o que parece ser uma expressão de desdém. Das suas narinas, saem pequenas nuvens negras de tempestade. Os três guerreiros ainda estão surpresos com a aparência do Corcel quando um trovão estronda e ele se move como um raio em direção à Ethela. A arqueira tenta sair da frente, mas o Corcel é infinitamente mais rápido que as outras criaturas que eles enfrentaram até aqui. BOOOOM! O som ensurdecedor do ataque do Corcel explode em Ethela, e ela é arremessada no ar, caindo do penhasco.

Gillis arremessa algumas adagas enquanto se move em volta do Corcel, ficando numa posição menos arriscada, mas não causa nenhum dano. Manwë olha na direção de Ammara e vê um enorme pentagrama de vinhas se formando. Seja lá o que ela estiver invocando, ainda vai demorar um tempo para aparecer.

— Ethela! Argh! O maldito meio-orc está fazendo falta; vou ter que cobri-lo. Ó, Fujin! Deus do Vento do distante oriente. Te ofereço minhas espadas, destrua meu oponente! Kaze no Senshi!

As espadas do bardo flutuam no ar, um furacão as envolve e um guerreiro samurai se materializa, empunhando as armas. Uma leve brisa sopra, e o ser invocado desaparece, surgindo ao lado do Corcel, golpeando-o com velocidade. Trovões ribombam quando o animal se move no Planalto, esquivando dos golpes do samurai e atacando com relâmpagos. Os dois somem e aparecem mais rápido do que os olhos conseguem acompanhar. O rugido do vento dividindo o ar soa entrecortado pelas explosões dos raios atingindo o chão onde o guerreiro estaria se não fosse tão rápido.

— Ei, bardo! Quanto tempo essa invocação dura? — Gillis indaga.

— Não muito; é poderosa e normalmente derrota o inimigo rápido, mas esse Corcel é muito veloz. Precisamos de outro plano. Espero que Ammara nos dê alguma solução.

Nesse momento, Ethela aparece na beira do Planalto, lívida, mas viva. Vem correndo em direção ao grupo, enrolando a corda com gancho que a salvou da morte certa. De repente, o chão treme violentamente: ondulações se espalham no solo, como se este fosse líquido, pulsando do centro do pentagrama de vinhas para sua borda. Uma grande fissura se abre e um golem de pedra gigantesco surge das entranhas da terra.

— Poderoso Rei-da-Montanha, ataque! — Ammara ordena.

O golem bate as duas mãos no chão, e espetos de pedra surgem do solo, tentando acertar o Corcel. Os olhos do equino brilham com mais força e ele fica branco, se transformando num elemental e aumentando drasticamente sua velocidade. Seus ataques ficam mais poderosos, e o céu de nuvens negras acima começa a despejar relâmpagos onde os aventureiros estão. Eles correm para perto do golem quando este recebe um raio sem sofrer qualquer dano. Ethela puxa mais flechas com pontas de pedra e se junta aos atacantes.

Ó, Euro, Senhor do Vento Leste, teu poder empurra ou destrói o veleiro! Dê velocidade a este valente guerreiro! Aceleração! — Manwë usa sua magia no samurai.

— Sem tempo para piadas, bardo? — Gillis ri.

— Deuses orientais são sensíveis. — Manwë responde, dando de ombros.

Ammara está em transe, controlando o golem. Ela alterna entre espetos do chão e espinhos de pedra sendo lançados das mãos e corpo da criatura. E, agora que o bardo aumentou a velocidade de sua invocação e Ethela se juntou aos atacantes, a batalha atingiu seu ápice.

Mas o Corcel não está em desvantagem. Ele aumenta ainda mais sua velocidade, transformando-se num verdadeiro relâmpago. Girando rapidamente em volta do grupo, o Corcel acelera até atingir a sua velocidade máxima. As nuvens acima formam uma espiral, e uma enorme quantidade de raios desce dentro do círculo formado pelo movimento do Corcel.

Os ataques são impossíveis de ser esquivados. O samurai explode, e Ethela é eletrocutada e desmaia. O bardo fica paralisado, de joelhos. Ammara é acertada, mas os relâmpagos se dispersam no chão e ela fica intacta. Quem também escapa misteriosamente do dano, mesmo sendo acertado, é o ladino. O Corcel começa a girar de novo. O golem atira espinhos de pedra em várias direções, mas não acerta a criatura. Espetos de pedra nascem do chão, mas são destruídos antes  mesmo que se formem.

— Gillis! Você está inteiro! Aquela corrente que você colocou no seu corpo é uma Corrente de Anulação Mágica? — o bardo fala, ainda imóvel.

— É, sim, Manwë, mas que diferença faz? Ele vai acabar com a gente e me jogar lá embaixo.

— Não! Presta atenção, tira a corrente e…

— De jeito nenhum! Senão eu morro agora! — Gillis interrompe Manwë.

— Cala a boca e me ouve; o ataque dele já vem de novo! Tira a corrente e estica ela. Entrega para o golem, e Ammara vai enrolar o Corcel com ela. Ele não vai conseguir manter a forma elemental preso na corrente. Vai!

O halfling faz o que o bardo disse; as nuvens já estão formando a espiral, e o ataque do Corcel está a segundos de acontecer. Ammara controla o golem e faz ele laçar o Corcel com a corrente de anulação . Um trovão ensurdecedor ribomba quando o Corcel é forçado a frear seu giro, preso na corrente. A criatura tenta se soltar e ataca o golem com uma série de raios, mas o gigante de pedra é imune à eletricidade. Gillis tira Manwë e Ethela de perto do golem, e o transe de Ammara parece se intensificar. Ela entoa cânticos quase gritando. O golem puxa o Corcel e o abraça. O chão se abre sob seus pés e ele afunda, agarrado com o equino. A terra os engole, fechando a fissura em seguida.

Uma poderosa onda de choque explode sob o solo e um buraco se abre onde o golem mergulhou. Pedras são arremessadas no ar, e a corrente de Gillis também, caindo próxima do grupo. Os aventureiros ficam olhando o buraco no chão por alguns segundos, ansiosos. Mas nenhum som vem de lá, mesmo depois que a poeira baixa. Gillis pega a corrente e a enrola no corpo, dirigindo-se até a cratera deixada pela explosão.

— Caramba… Não sobrou nada do Corcel…

Ammara dá uma erva para Manwë mastigar, e logo ele está livre da paralisia. Eles ajudam Ethela a recobrar os sentidos e o bardo usa uma magia de cura para que todos se recuperem. Os aventureiros vão na direção do monolito e logo avistam uma lasca de pedra negra, claramente um fragmento do monolito gigante que recebe os infinitos raios no seu topo. Manwë se adianta e pega a Pedra-voltaica, para então guardá-la no bolso e dizer:

— Missão cumprida, amigos! Vamos descer e descansar um pouco! Tenho vinho guardado nos alforjes lá embaixo.

Os aventureiros descem a montanha sem qualquer problema e se sentam na caverna onde deixaram os cavalos. Manwë e Gillis tomam vinho, e Ammara e Ethela conversam animadamente. O bardo pega seu bandolim e começa a tocar uma canção, uma melodia doce e suave. Depois de alguns minutos, Gillis dorme, ainda com o copo na mão. Ammara também desliza para o sono, e Ethela sente tontura e olha para Manwë, dizendo:

— Bardo! O que você fez conos…

A elfa dorme também.

 

***

 

Os aventureiros não sabem quanto tempo se passou quando acordam. Gillis levanta, ainda tonto, e encontra uma carta escrita pelo bardo:

 

Olá, amigos.

 

Perdoem-me pelo que fiz, mas eu precisava ter a Pedra-voltaica. Há muito esperava por este momento e soube de antemão que o Colecionador iria à Taverna do Bode Mágico para contratar aventureiros para essa missão. Eu estava lá à espera dele. Sei que ele é muito vingativo e, como vocês foram excelentes companheiros, estou deixando esta carta junto com o pergaminho mágico dele. Eu troquei o verdadeiro por um falso no momento em que “cortei o dedo”. Eu já estava preparado para isso. Ele nunca irá me encontrar, mas vai acreditar em vocês quando vir o pergaminho. Se vale de alguma coisa, confesso que estou muito grato, pois jamais teria conseguido sem vossa ajuda. Deixei algumas pessoas preparadas para recompensar vocês caso o Colecionador recolha as moedas de ouro do seu pagamento. Gillis, não se preocupe, vou incluir você na canção desta aventura. Eu estava só brincando quando disse que não o faria, mas peguei 50 moedas de ouro. Nós dois sabemos que eu venci aquela aposta. Por sinal, ri muito da armadilha no bolso, um clássico dos ladinos. Espero que nossos destinos se cruzem novamente.

 

Com carinho,

  Manwë, o bardo.

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