Sinopse
Estamos preparando e revisando este conto, em breve o publicaremos aqui. :DTodo bom policial, vai até o fim em sua investigação.
Prólogo
Epílogo
Conto
— Ninguém faz ideia de como é difícil ser um homem bom. – sentado em sua cama, no fundo da cela, o prisioneiro 1566 fala com sua primeira visita desde que chegou na Penitenciária de Segurança Máxima. – Quando se sobrevive no Inferno, os nós de seus dedos acabam ficando chamuscados. Mas o importante, é manter a alma limpa.
— Não sabia desse seu lado religioso. – disse Pereira, do lado de fora. Ao seu lado, o patrulheiro Dimas. Mãos nos bolsos, parecendo mais velho que o normal. Olhando o homem, as lembranças da noite em que ele fora preso ainda vinham nítidas em sua mente.
Acabara de sair da delegacia, alguns minutos depois de Saraiva. Conversava com sua esposa no celular quando algo que ela lhe disse ativou algo em sua mente:
“Fico feliz que tenha decidido sair depois deste caso. Nunca devemos deixar o mais importante de lado.”
Imediatamente, mandou uma mensagem para Saraiva e voltou para a delegacia. Adriano estava de plantão.
— Senhor, você tem um minuto? – entrou e colocou sua arma sobre o frigobar da sala do delegado. Como alguns armários, era trancado com um cadeado.
— Claro. – respondeu o delegado, sem deixar de olhar para a papelada.
— Tudo bem? Você tem passado muito tempo na sua sala.
— É toda essa pressão. Do governador. Dos jornais. E não temos nenhuma migalha. Mas fale. Você queria algo.
— É mais um desabafo. Esse assassino é muito esperto. Acredito que este tempo todo ele está nos levando para todos os lugares onde ele NÃO está. Eu não estou na minha melhor forma. E Saraiva é impulsiva ao extremo. Se não tivesse certeza, poderia desconfiar que ela é o serial killer.
— Só isso, detetive?
— Na verdade, estava tomando coragem para fazer uma pergunta.
— E seria...? – Adriano parecia estar distante.
— Você tem guardado os dedos aqui no seu frigobar?
— O que você disse?
— Esta sala é importante para você, não só porque é sua sala. Mas porque foi aqui que você a viu pela primeira vez.
— Você sabe que posso te exonerar por causa dessa acusação. – disse Adriano, seco.
— Sim. Ou pode atirar em mim e tentar fugir.
Adriano, então, sacou sua arma e atirou.
Pereira sentiu a bala entrar e sair do ombro. Ouviu um guincho surpreso atrás de si. E outra arma foi disparada duas vezes contra o delegado. Ali estava Saraiva, cobrindo sua guarda e atingida por outro projétil.
— Mania que você tem de largar a porta aberta, Pereira! Parece que não aprende! – Saraiva ralhou com ele, como de costume, e caiu no chão, já não sustentando mais a perna ferida.
Olhou de volta para o delegado. Viu a fúria nos seus olhos por ter sido pego, e por não conseguir mais usar o braço e a mão ao ser ferido. Não havia mais o que fazer. Rendeu-se.
A delegacia ficou em polvorosa, mais ou menos na forma do Incidente dos Biscoitos, mas dessa vez, eram dedos anelares no congelador.
De volta ao presídio, Adriano continuava falando:
— Sinceramente, me desculpe. Eu não queria atirar em você. Como a Saraiva está?
— O tiro foi de raspão. – respondeu Pereira, olhando distraído para a tipoia – Ela é uma boa policial. É certo que ela pode esquecer se quiser se tornar maratonista, mas ela é durona. Vai ficar bem. E você?
— O promotor pediu para dobrar o tempo da minha pena. Acho que foi depois do que eu fiz há dois dias. No refeitório. Um matadorzinho de nome Ferrinho veio me dar as boas vindas. Quebrei o pescoço dele para retribuir o favor. Agora, me deixaram aqui. Na máxima, entre políticos e traficantes.
— Deve ser bem divertido.
— E é. Tenho dormido como um bebê. Ninguém veio me asfixiar. Não tive ameaças. Agora sou o prisioneiro 1566. Me sinto o Hannibal Lekker.
— Por que, Adriano? Por que matar aqueles inocentes?
— Pensei que você, melhor que ninguém, fosse saber. Nenhum deles era inocente. Por trás do Homem Bom, entre as quatro paredes, a besta – fera fica a espreita. Agressores, estupradores, abusadores. Todos sob a capa do bom marido, bom pai, bom tio, bom namorado. Quantas Ninas são criadas ou mortas a todo minuto, enquanto nós conversamos? Quem é o monstro, afinal? Isso eu entendi na primeira vez que vi Nina. – seus olhos ardiam em fúria enquanto falava. Não era só o fator Nina. Havia também sua mãe. Mas como uma nuvem passageira, a raiva se foi, e ele voltou a ser o velho delegado Adriano: o de calma inabalável e olhar vigilante.
— Afinal, o que você fez com as alianças?
— Elas foram meu presente. Sabe, me prometeram que, se me comportar bem, me darão um notebook ou um computador, sem internet, é claro. Talvez me torne escritor.
— Será uma boa opção para enfrentar a solidão.
— Solidão? Quem disse que eu estou sozinho?
— Não está? Mas você confessou que fez tudo sozinho. Adriano, as alianças. O que você está querendo dizer?
— Uma aliança para os mortos. – E sorriu - Boa noite, detetive. Aproveite sua aposentadoria.
Em silêncio, o prisioneiro 1566 sentou – se na semiescuridão de sua cela.
— Ih, patrão! Ele endoidou mesmo! – disse o patrulheiro, enquanto caminhavam para fora do presídio.
— Espero que sim, Dimas. Sinceramente, espero que sim.
Perto do estacionamento, viram Saraiva se levantar de um banco, desajeitada com o gesso. No último segundo, ela tinha decidido não entrar. Para algumas pessoas é difícil crer que seu herói pode ser muito falho e vil quando tira o traje.
— Ele perguntou por você.- disse Pereira.
— É? Sabe o que eu penso sobre a preocupação dele? – ela respondeu. Pereira riu.
— Não seja dura com você mesmo. Até eu fiquei em dúvida…
Saraiva suspirou e tentou disfarçar as lágrimas teimosas.
— Esse é problema de confiar nas outras pessoas: quando a gente acha que está andando numa ponte sólida, na verdade só estamos nos equilibrando numa corda bamba.
— E mesmo assim, você voltou para a delegacia. Mesmo não concordando comigo, você voltou. E me salvou. Consegue entender isso?
— Entendo, mas eu não podia deixar meu emocional falar mais alto que o meu racional. Eu seria uma grande filha da puta se tivesse deixado meu parceiro e amigo sozinho.
Pereira riu, e ofereceu o braço bom para ajudá-la a voltar para a viatura.
— Vai demorar um pouco para você digerir tudo ainda, mas acredite, isso vai passar.
— O que não me mata, me fortalece?
— Não. Na vida, ou você ganha, ou você aprende. – ele disse. Levantou o braço ruim, mostrando o punho fechado, na saudação de costume entre eles. Ela retribuiu com o dela, e um sorriso leve.
Dimas abriu a porta da viatura, sem perder um lance entre os dois.
— Ainda vou entender o que significa esse gesto entre vocês! Vambora que a patroa já pulou demais com essa perna hoje!
Saraiva revirou os olhos. Até que ficasse bem, Dimas seria sua sombra. Pereira imaginou que seria engraçado ver ambos trabalhando junto. Uma coisa que ficaria para trás agora que estava aposentado.
— Aí, patrão, não é por nada não, mas acho que hoje chove! – disse Dimas, mais para si próprio do que para os outros.-Eu sei disso porque meu joelho ruim tá gritando! Friagem, sabe? Inclusive, uma vez...
Na semiescuridão de sua cela, Adriano respirava calmo, de olhos fechados. Podia ouvir todos os sons do presídio. Os presos planejavam uma fuga em massa. Eles que ousassem. Pôde escutar, ao longe o som de um trovão. A chuva se aproximava. Com sua mão no banco quase pode sentir a etérea mão de Nina sobre a dele.