Prólogo
Epílogo
Conto
A fita listrada preta e amarela e a movimentação de policiais numa viela eram a sensação do momento, deixando suposições percorrerem na boca dos curiosos.
Um homem de ar cansado afasta a barreira humana com a mão esquerda, enquanto que a direita mostra sua identidade de delegado para o cabo desavisado.
— Aí, chefe!-chama o patrulheiro - Pode mandar pro IML! Esse aqui é só queima de arquivo, tá na cara!
O delegado finge não ouvir. Veste as luvas descartáveis e abre o saco. O cheiro faz os presentes lacrimejarem.
— Saraiva! Alguma estimativa da decomposição?
— Uns trinta ou quarenta dias, senhor. Vai depender da análise do laboratório. - responde calmamente uma mulher, enquanto toma seu café.
O delegado inspeciona as mucosas do morto. A boca está roxa. Há uma marca de contusão na nuca. – Pereira?
— O tempo bate com a queixa de desaparecimento. - diz um homem de meia idade - Seu nome é Brás Figueiredo, quarenta e três anos, mecânico de automóveis. Tem uma ordem de restrição…
Da esposa, Nadir Figueiredo.- fala Saraiva - Já passou pelo gabinete inúmeras vezes com queimaduras de cigarro no rosto, mas nunca teve coragem de deixar o diabo do marido. Isso, claro, até algumas semanas atrás…
— Então, ela teve coragem de apagar o próprio marido? - resmunga o patrulheiro.
Pereira manda o homem calar a boca com um gesto. - Isso não foi passional. – com olhar, indica algo.
O delegado puxa o braço esquerdo do defunto. Falta um dedo da mão.
— Anelar?
— É. – diz Saraiva - E não há nenhum sinal dele por aqui.
O patrulheiro arregala os olhos.
— Misericórdia! Será que ele…?
Eles se olham. Os outros policiais em volta ficam sem entender.
Num dos bolsos do defunto, há um bilhete, feito de recortes de jornal:
NINGUÉM VÊ ISSO
— Assassino do Anelar! Meu Deus! - exclama o patrulheiro.
— O quê? – Saraiva olha o homem com estranhamento.
— É assim que estão chamando ele nos jornais.
— Estamos deixando escapar algo... - comenta Pereira. – Onde foi que já vimos algo semelhante?
— Refresquem minha memória.- solicita o delegado.
— O primeiro foi há seis meses. Pedro Oliveira, 37 anos, advogado. - descreve Saraiva - Tinha passagem por violência doméstica.
— O segundo foi três meses depois. Eduardo Azevedo, 26 anos, fisiculturista. - continua Pereira. - Quase matou a ex por ciúmes.
— Há dois meses, foi Jairo Albuquerque, 51, vendedor. – diz Saraiva – Não tinha passagem, mas era um mulherengo e devia pensão para quatro das cinco ex.
— Que relação há entre esses homens? – pergunta o delegado.
— Além de serem uns escrotos? – comenta Saraiva.
— Algo mais? – o delegado insiste.
— Em todos foi deixado um bilhete. Aparentemente frases aleatórias:
VOCÊ TEM UMA ILUMINAÇÃO
NÃO PRECISEI FAZER MUITO
O MUNDO É PEQUENO DEMAIS
Ainda não percebi a relação entre elas.
— Nádia Oliveira. Naiara Azevedo. Nelita Albuquerque. Nadir Figueiredo.
— O quê é isso, Pereira?
— Todas as mulheres ou ex tem os nomes começados com N. Eu sabia que já tinha visto um padrão parecido. – conclui o detetive.
Um alerta na cabeça do delegado se ligou.
— Ao que tudo indica, dona Nina fez escola. – Saraiva se adianta.
— Se for, o matador está começando a ficar mais esperto e mais rápido! Temos que agir logo, ou outro marido será morto!
— Então, temos cinco suspeitas? - indaga Pereira.
— Quero a ficha completa de todas! - ordenou o delegado nervoso. - E se existe alguma ligação entre elas ou com a falecida dona Nina. Busquem no passado de dona Nina se há algum parente ou conhecido. Qualquer coisa pode ser uma pista. E quero que a imprensa saiba o menos possível. Não queremos uma comoção. "Pereira e Saraiva se olham, na certeza de que uma longa noite estava se iniciando.
— Se bem que ele ou ela está fazendo um favor a humanidade tirando esse tipo de lixo no mundo, cá entre nós, né, chefe? – O patrulheiro comenta.
O delegado Adriano esboça um sorriso. Fecha o saco, e vai embora, cheio de lembranças a assombrar os pensamentos.