Prólogo
Epílogo
Conto
Ia ao cemitério ao menos duas vezes por semana. Aos amigos dava a desculpa
de que visitava o túmulo da mãe, mas, na verdade, ele gostava mesmo era de passear
entre as lápides, “ver” as esculturas e ler seus epitáfios na tentativa, infrutífera, de
tornar-se mais íntimo de todos aqueles que já se foram.
Entender uma pessoa baseando-se apenas nas informações contidas em sua
sepultura era uma tarefa impossível, e ele sabia, não obstante pensasse como Machado
de Assis, para quem, os epitáfios são, entre a gente civilizada, uma expressão
daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao
menos da sombra que passou:
“Mãe e avó amorosa.”
“Filho exemplar, pai dedicado.”
Sentia-se em paz onde as pessoas jaziam em descanso eterno. Gostava de ir
quando o cemitério estava quase fechando, pois quase sempre estava vazio. Mas não
ia apenas em busca de sossego e meditação, furtava esculturas e artigos de bronze
enquanto refletia sobre a pessoa que jazia abaixo dos entalhes que furtava. Começou
por simples diversão, mas tornou-se um meio de vida. Sempre se detinha quando se
deparava com um epitáfio mais elaborado:
“Tentou ser, não conseguiu; tentou ter, não possuiu; tentou continuar, não
prosseguiu; e nessa vida de expectativas frustradas tentou até amar… Pois bem, não
conseguiu, e aqui está.”
Outros eram engraçados e traziam indicativos sobre a causa da morte ou profissão:
“Queria ter ficado mais no bar.”
“Sou escritor, mas ninguém é perfeito.”
“Desculpe, não posso ficar em pé.”
“Eu disse que estava doente.”
Outros desafiadores:
“Estou pronto para encontrar com o meu Criador. Se meu Criador está preparado
para o grande teste de me encontrar é outra questão.”
Trágicos:
“O amor vai nos separar”
Matemáticos:
“Aqui jaz o matemático que passou um sexto da sua vida como menino. 1/12
da sua vida passou como rapaz. Viveu um sétimo da sua vida antes de se casar.
Um quinquênio após, nasceu seu filho, com quem conviveu metade da sua
vida.
Depois da morte do filho, sofreu mais quatro anos antes de morrer.
Quantos anos viveu o professor?”
Calculou a resposta, virou um jazigo à esquerda e deparou-se com uma estátua
de bronze de pequeno porte, que nunca tinha visto. Uma escultura perfeita
de uma criança com os olhos lacrimejantes e semblante taciturno. Olhou a lápide à
procura do epitáfio:
“Aqui repousa aquele que escolheu matar a viver, criança que não deveria ter
crescido, nem tampouco, saído dos braços da mãe. Que Deus conforte sua alma e
daqueles que ele ceifou quando adulto.”
Pegou a faca, que sempre trazia consigo, para tentar extrair a estátua da base,
quando percebeu que havia outra placa:
“Tudo o que dorme é criança de novo. Talvez porque no sono não se possa
fazer mal, e se não se dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta, é
sagrado, por uma magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar
uma criança não conheço diferença que se sinta.”
Deixou a faca cair devido ao susto que levou quando uma criança saiu andando
por detrás da lápide. Era pequena, devia ter no máximo quatro anos de idade.
Abaixou-se para conversar com ela:
— Olá garotinho! Está perdido, onde estão seus pais?
— Não sou criança! — Disse o ser que acabara de pegar a faca no chão e caminhava
em direção ao larápio.