Prólogo
Epílogo
Conto
Meu caro Adriano, escrevo-te estas humildes palavras com o pesar de que
desde o início estarei a importunar – te e de pronto peço desculpas antecipadas.
Sinto incomodá-lo, porém ignorante que sou e afetado que estou, considero
justo romper o silêncio e despertá-lo.
Esta semana presenciei eventos que afetaram meu equilíbrio. No início da
semana, talvez segunda ou terça-feira, levei minha mãe em um velório e senti me
consternado ou atiçado pela expressão do defunto. Em uma dessas aulas da faculdade
chamou minha atenção uma imagem da História da Arte. À noite estas imagens se
somaram a alguns problemas que tenho enfrentado. Acordei no meio da madrugada
angustiado, pulsando em fúria e para liberar esta energia ruim escrevi algumas palavras
no meu caderno de dúvidas. Horas depois tranquilizado por ver minha raiva
transformada em algo palpável me veio à mente a sua imagem. Não me pergunte
como estas coisas acontecem. Minha inteligência neste assunto é mínima, mas o fato
é que estava lembrando de você; de nossos momentos no trabalho, aqueles problemas
que enfrentamos na linha de produção na fábrica, das garotas e você, modéstia
a parte, ainda deve me algumas aulas..., mas encurtando os fleches, diria que minha
mente se concentrou nos momentos finais, anteriores e posteriores a sua inesperada
partida.
Adriano, tu sabes o quanto te admiro. Tu és um dos poucos amigos que tenho
e desconfio que minha mente, antes de mim, percebeu que preciso de sua ajuda.
A imagem que me afetou e que neste momento sinto que estamos ligados a
ela é uma tela de dimensões pequenas, um pequeno “gesto” de uma alma iluminada.
Estou falando da Mona Lisa de Leonardo Da Vinci (1452 – 1519). Peço que veja esta
obra. Confesso que já a tinha visto outras vezes, porém agora lembrando do gesto
aparentemente inconsequente de Marcel Duchamp (1887 – 1968), artista francês do
século XX, que pôs bigodes e barba nesta imagem, sinto me confrontado, como se
estivesse diante de uma questão óbvia, mas perdoe minha ignorância, não consigo
uma resposta apenas questionamentos e afinal; Qual é o segredo? Existe mesmo um
enigma? Ou, Qual é a jogada? Haverá outro lance? Adriano se comunica:
- Leandro. Agradeço pela carta e pelos elogios que fizeste a este insignificante.
Do outro lado que estou distante do barulho e dos problemas sem solução
posso falar com tranquilidade e descobri amigo que o silêncio é uma fonte de inspiração,
ademais causa me alegria ser despertado durante esta noite escura e vazia para
atender a um amigo com uma questão tão pertinente.
Suas dúvidas apresentam tantas faces e caminhos que poderíamos viajar sé-
culos e não chegaríamos a uma resposta definitiva. De fato estamos diante de um
enigma, porém que apresenta a resposta em sua própria face, mas o que é mais importante
observar são os “reflexos” que tais imagens projetam na sociedade e de um
modo tão poderoso que não conseguimos compreender. É amigo, sua intuição procede
e posso dar te uma resposta a questão inicial que tanto o afeta. Para isso preciso
da sua ajuda. Espero que esqueça por um instante a zombaria do trabalho e todas
aquelas vezes que o deixei sem graça diante de nossos amigos e confie em mim. Se
estiveres diante da imagem de Mona Lisa peço que fixe seus olhos neste retrato, ou
se não as tens diante de ti faça um exercício de memória. Agora, imaginando eu que
esteja diante de uma das incontáveis reproduções da senhora Lisa, desejo que a observe
por alguns segundos. Passado este tempo feche seus olhos..., Minutos depois.
Desculpas, se o fiz ficar muito tempo neste estado, mas na situação que me encontro
qualquer gesto é motivo de risada. Por favor, desconsidere as tolices deste seu amigo
caçoador e volte à imagem. Se não conseguires mentalmente cubra os olhos de Lisa
com alguma coisa qualquer, de repente uma caneta sirva. Retorne as suas lembranças
e o seu momento de afetação. Fixe novamente atenção na imagem e imagine os olhos
dela fechados, o sorriso enigmático e me responda amigo:
- Não estás diante da imagem da morte? E o que é problemático na questão:
Como pode uma sociedade venerar a morte sem ao menos se dar conta disto?
Leandro responde:
- Adriano suas respostas deixaram me perplexo, mas refeito do susto te remeto
a seguinte questão:
- Porque um homem sombrio como Marcel Duchamp seria capaz de uma
atitude tão irresponsável como aquela? (De riscar uma reprodução de Mona Lisa
e escrever: “Ela tem o rabo quente”). Estaria ele brincando com a morte? Adriano
responde;
- Leandro, confesso que ultimamente tenha me sentido mal, cansado, mas
suas questões me despertaram, pelo menos parcialmente, de maneira que estou considerando
a hipótese de ser seu conselheiro “espiritual”. Que resposta pode dar a esse
desocupado? Bem, desculpe minha ironia e indo ao assunto que nos une nesta hora
adianto que não tenho nem metade das respostas e minhas palavras são assim como
as suas, suposições, infinitas questões sem resposta. E falando neste nosso amigo o
senhor Duchamp, confesso a ti que ele não é tão sombrio quanto parece e até sabe
contar piadas, veja só! (Riso) e outro segredo; não joga tanto xadrez assim como
andam dizendo por aí.
Posso adiantar-lhe que Da Vinci e Duchamp são cárceres da mesma cela, comungam
o pão e o vinho da mesma safra. Adriano confidencia:
- Meu amigo nesta “caverna” onde me encontro custa muita energia o menor
gesto, de maneira que soprar minha voz em seus ouvidos é um martírio ao qual não
imaginas. Aqui é proibida a comunicação e cada palavra pronunciada tem o valor de
uma orelha arrancada. Peço que preste atenção na sociedade, como se comporta esta
“máquina abstrata”. Muito do que está na imagem se corresponde à vida material,
assim como você suponho que o trabalho destes dois homens “encerra” um ciclo da
atividade humana, mais precisamente a ocidental. Quanto as outras questões como
o fato de Da Vinci desenhar cadáveres ou Duchamp jogar xadrez e estudar cálculos,
espero que consiga as respostas entre seus colegas e professores. Adriano continua:
- Você mostrou me algo que eu jamais ousaria imaginar. A morte não é um
mal isolado, ela faz parte da unidade cíclica que compõe a vida, pertencendo, portanto
a “roda” da vida, porém suas questões apontam para uma sociedade que não possui
este conhecimento e, no entanto considera a morte um mal “alheio e necessário”, e
por isso avança vorazmente furando, rasgando, escalpelando, degolando e fuzilando
até o êxtase. Desejam alucinadamente encarar a imagem da morte e bem sabemos
isto não é impossível. Como sabes, posso falar com propriedade e afirmo que não é
possível aos mortais enxergar o último instante de modo que a passagem é feita na
sombra escura. No instante supremo, na hora penúltima nossos músculos enrijecem
nossa mente “trava” e apagamos. Adriano prossegue:
- Posso afirmar ainda que a aventura humana em busca da máscara, do reflexo
da morte, e da passagem para a terra dos mortos, só encontrará em si mesma o fim
da existência humana e a extinção de toda a vida. Adriano conclui:
Calarei agora meu amigo e desde já te desejo sorte em suas pesquisas. Não
se preocupe com as dores de um apartado e siga. É isto o que desejo. Confesso que
brilha em meus olhos a curiosidade e espero ansioso que tragas novas soluções para
esta questão tão importante. Fecharei meus olhos neste instante. Adeus amigo, ou
melhor, até breve.