Sinopse
Estamos preparando e revisando este conto, em breve o publicaremos aqui. :DDentre as muitas escolhas que fazemos em vida, existe apenas uma capaz de definir o nosso destino, sair ou não deste elevador.
Prólogo
Epílogo
Conto
O prédio era velho e passava por uma reforma para maquiar a ação do tempo.
-Mas em sua essência ele ainda vai continuar velho!-refletiu Miguel, atravessando o saguão. Aguardava o retorno do elevador com outras pessoas, sem deixar de notar a arte do hall-uma ninfa, rodeada de folhagens, olhando por cima do ombro como se alguém a tivesse chamado. -Art Nouveau, sem sombra de dúvida!- ele puxou em sua memória. Todo o design do prédio era, e talvez com a reforma isso seria mudado.-Na certa para um estilo batido de capa de revista!
Arrependeu-se de não ter estudado arquitetura quando pôde. Quem sabe sua situação não seria melhor agora?
-Até que enfim chegou esse museu!-resmungou um homem em suas costas, fazendo Miguel voltar para o presente.
Entraram um por um, escolhendo seu andar individualmente. Miguel selecionou o quadragésimo quinto. Subiram lentamente. Aos poucos, seus companheiros foram saindo apressados do cubículo, levando pilhas de papéis ou pastas de couro. Era certo que cada um tomava conta da sua vida, e vestido como a maioria deles, Miguel não foi notado. Chegou ao seu andar sozinho.
O quadragésimo quinto estava vazio. Havia material de construção espalhado por todos os cantos. O vento passava livremente pelos vãos das janelas sem vidro, agitando as lonas de segurança, fazendo barulhos estranhos. Miguel admirou a vista; logo ela faria parte da rotina de algum engravatado. Lá embaixo, manchas iam e vinham. Uma revoada de pombos passou.
-Será que vou descobrir minha habilidade secreta de voar?-indagou e riu.
Achou que não ficaria nervoso, mas a adrenalina antecipada do salto agora fluía por todo o seu corpo, acelerando seu coração e tremendo suas mãos.
Aquilo era covardia ou coragem? Suspirou.
-E lá vamos nós…-pensou, projetando o corpo para frente e deixando que a gravidade agisse. O solo se aproximava rapidamente, o vento assobiava nos ouvidos. Cairia bem em cima de um carro estacionado. Fechou os olhos.
TIN!
Ficou confuso. Abriu os olhos. Os olhos inquisidores da ninfa retribuíram seu espanto, enquanto seus colegas assumiram seus lugares no elevador. Voltara ao início.
-Vai entrar ou não, parceiro?-perguntou o homem que segura a porta, irritado.
Miguel entrou, acionou o mesmo botão, e o elevador subiu, lentamente, como da primeira vez. “Por que?”, martelava em sua cabeça. Tudo tinha sido planejado: um prédio antigo em reforma, um andar completamente vazio, pessoas atarefadas demais para notar um estranho. Nada que o impedisse de entrar, subir e se jogar. Bem fácil.
-Mas só isso é o suficiente?-escutou a moça perguntar ao colega, na sua frente.
Pensou. Para todo planejamento, há um objetivo, e o seu era morrer da forma mais rápida e limpa possível. Não dá para voltar atrás depois de estar em queda livre, certo? E coragem para pular ele tinha. Riu, lembrando de ter amarelado na única oportunidade de pular de bungee jump, num certo feriado. “Oportunidade não vai faltar, amor!”, havia dito Noêmia. Mas nunca houve outra. Talvez fosse isso. Aquele momento de hesitação antes de pular não estava planejado.
Vendo a porta se fechar depois do último companheiro sair, Miguel respirou fundo e rápido, impulsionando o corpo para frente. A porta abriu, ele correu e se atirou no vazio, levando uma lona de proteção junto. Irritado, lutou para que ela saísse do seu rosto, e quando finalmente conseguiu...
TIN!
A ninfa e seus colegas de subida, mais uma vez. Pensou em subir as escadas, mas havia homens trabalhando ali, além de um grande aviso da empreiteira que declarava o lugar proibido para pessoas não autorizadas. Murmurando um palavrão, entrou novamente no elevador.
-Tem um porquê de insistir nessa ideia?-ouviu um homem de camisa azul dizer.
-Sabe como é, né? Pra falta de solução, arruma-se uma desculpa!-respondeu outro, com ar de deboche.
Miguel refletiu. A desculpa para o que estava tentando fazer era simples: estava cansado de viver sua vida vazia. Trabalhou numa companhia de investimentos como contador desde o fim da faculdade. Dedicou seus trinta anos aquele maldito serviço! E no fim, acabou falindo há um mês atrás. Perdeu sua casa por falta de pagamento - um imenso investimento de cinco anos para apenas ele e Noêmia morarem -, o emprego-óbvio!, mas agora sua reputação estava manchada, e não haveria nenhuma oportunidade em outra empresa-, e metade do que seria sua aposentadoria, indenizando o desgraçado do seu ex-chefe que quase matara de tanto socar a cara, por tê-lo acusado da falência da empresa.
Resumindo, estava fodido.
-Mas e ela? O que ela achou disso tudo? - disse o último colega, saindo do elevador enquanto mandava uma mensagem de áudio no celular.
Noêmia? Ela ficou muito assustada com a explosão de raiva, e também triste com o que aconteceu, mas ela iria até o inferno com ele se fosse preciso.
- Só o que ela queria era ficar ao meu lado! - declarou, sentindo as lágrimas surgirem.
Noêmia havia morrido de uma maneira idiota, caindo de cima de um banco e batendo a cabeça no chão, na semana passada. A outra metade do dinheiro guardado de sua aposentadoria foi gasta para trazê-la de volta, mas tão desapegada que era, partiu dormindo dessa vida. Miguel ficou quebrado de todas as formas possíveis.
A porta do elevador se abriu, e ele se arrastou para fora, tropeçando nos restos da obra e parando mais uma vez na vista do quadragésimo quinto andar. Não ter dito o quanto ele a amava, o quanto ela era importante e era grato por tê-la ao seu lado era o maior de seus arrependimentos. Atirou-se de cabeça, com lágrimas no olhos, em uma última tentativa de se juntar ao seu amor...
TIN!
- QUALÉÉÉÉÉÉÉÉÉ! - berrou, assustando todos que estavam no saguão.
Empurrando todos que estavam no seu caminho, entrou novamente no elevador praguejando, e expulsando quem já estava dentro. Desta vez, subiu sozinho.
- Humano ingrato! Rejeita o maior milagre dado, e todas as possibilidades de desistir, e ainda teima em morrer antes da hora? - ouviu em suas costas.
A ninfa do hall estava ali, como se fosse uma pessoa feita de aço. Olhava com superioridade, voz calma e braços cruzados.
- Por que?
- Porque ainda não é sua hora; e com a vida que levou até agora, você ainda tem pendências!
- Mas é uma decisão minha! É minha vida! Eu não vou voltar atrás!
Ela gargalhou. Miguel ficou arrepiado.
- E em nenhum momento passou pela sua cabeça um arrependimento de ter tomado essa decisão?
Saltou do elevador sem dar-lhe chance de responder.
- Sei que não era essa sua ideia de morte, Miguel! E vou deixá-lo ir, mas vou tomar de volta o tempo que lhe dei!
Estralou os dedos. Miguel sentiu a vitalidade deixar seu corpo. Suas mão ficaram enrugadas e manchadas. Seu coração palpitava dolorosamente.
- Quem é você? - ele perguntou, estranhando a voz pastosa e rouca que saiu de sua boca.
- Quem você acha que eu sou? - indagou a ninfa, com um leve sorriso - Sou AQUELA que você não soube aproveitar!
Miguel caiu pela última vez, chocando-se contra um carro, morrendo rapidamente.
Estava fora do seus planos morrer tão velho e tão arrependido, como qualquer outra pessoa.