Prólogo
Epílogo
Conto
Despertei, eu acho.
Acordei em meio ao silêncio e em uma sala que não conheço. Cadeiras, muitas cadeiras. Havia uma luz fraca entrando pela fresta de uma cortina bege rendada, que, ao mesmo tempo que cegava meus olhos, atiçava minha curiosidade. Levantei cambaleante, dei dois passos, e sentei em uma das cadeiras. O medo me atingiu. O que eu estava fazendo ali? O que havia acontecido?
Eu simplesmente não lembrava nada, era como se minha história estivesse começando naquele instante. Tudo novo na minha lembrança, porém tudo antigo ao meu redor. Respirei fundo, olhei mais um pouco em volta, nada. Nada me refrescou a mente.
Encarei o medo da escuridão dos meus pensamentos e fui em direção à luz. Chegando à janela só consegui ver um muro alto com alguns galhos querendo abraçá-lo pelo outro lado, misturando-se a um céu acinzentado. O desespero começou a dar as caras. Por que eu me encontrava nesse lugar? O que eu deveria fazer? Esperar? Sair? O que enfrentaria em ambas as situações?
Não era sonho. Com certeza não era. Não era meu passado, pois nunca havia estado em lugar semelhante. Será que eu havia sido raptada? Mas, era tudo tão aconchegante, e como eu poderia não lembrar algo assim?
Voltei ao sofá, na esperança de que alguma ideia me arrebatasse, e eu tivesse um norte. Mas, o medo me travava. Deitei. Encolhi-me como um feto e me tapei usando uma colcha de retalhos colorida, com cheiro de jasmim. Fiquei assim por não sei quanto tempo, pois na casa não havia relógio. Ou pelo menos não na sala, de onde não me atrevi a sair. Minha cabeça ficou pensando em tanta coisa e não chegou a lugar algum.
Quando a luz por entre a cortina já começava a se apresentar mais fraca, ouvi um barulho, como uma fechadura se abrindo. Tapei a cabeça. Não me restava mais nada a fazer. Rezei. Nem lembrava que ainda sabia rezar assim. Senti uma mão sobre meu ombro, um toque gentil e ouvi um suave “boa tarde”, vindo de uma voz tão calma que disparou, assim como aquietou, meu coração quando a reconheci.
Era minha avó. Minha já falecida avó. Na hora não me dei conta, estava absorta com todos os acontecimentos. Joguei a colcha longe, levantei-me em um pulo e a abracei tão fortemente que ambas caímos sentadas no sofá. Ela simplesmente sorriu e disse:
― O que houve? Até parece que viu fantasma.
Comecei a bombardeá-la com perguntas. O que havia acontecido? Por que estávamos ali? Era um sonho? Era real? Ela, com sua serenidade de sempre, respondeu:
― Uma coisa de cada vez. Primeiro vou lhe preparar um chá com pão caseiro que fiz hoje pela manhã.
Aguardei. Sentia-me em casa agora. Não sabia ainda em que casa, mas me sentia bem, protegida, tranquila. Em alguns minutos, ela retornou. Senti o aroma da minha infância novamente. Ela sentou e, enquanto eu devorava aquela refeição, pois- se então a me contar o que estava acontecendo.
― Bom, vamos agora à explicação. Realmente achávamos que isso poderia acontecer.
― Achávamos? Quem achava? Acontecer o quê? Minha avó, novamente deu aquele sorriso calmo e disse:
― Se parares de perguntar, eu consigo explicar. Que menina! Sempre foi curiosa e apressada. Pelo visto nunca mudou.
Pedi desculpas, assenti com a cabeça e me acomodei para ouvi-la.
― Isto não é um sonho. Estamos entre passado, presente e futuro. Um momento em que os três tempos se cruzam. Estamos no passado porque escolhestes assim. Escolhestes revisitar este passado, tua infância. Já deste uma olhadinha no espelho?
Então ela me entregou um espelho pequeno com cabo branco e flores pintadas e o coloquei em minha frente. Eu era uma criança, com não mais que quatro ou cinco anos.
― Não te assusta. Escolheste voltar assim, desta forma. Todo teu conhecimento é de tua vida fluida adormecida, teus 45 anos. Estamos na verdade no futuro, neste momento. E, na verdade, tens atualmente 95 anos. Mas, daqui a alguns dias, isso será nosso novo presente. Mais uma vez peço que não te assustes.
Eu observava tudo tentando processar cada palavra.
― Quando tinhas 45 anos aconteceu um acidente e tiveram que te paralisar fluxualmente, ou seja, deixastes de seguir fluindo em vida. Teu corpo envelheceu, mas todas tuas funções paralisaram. Só foi possível retornar a ativar tuas funções 50 anos mais tarde. Com o tempo tudo isto que estou te contando agora vais acabar esquecendo, por isso presta bastante atenção.
Comecei a chorar, não sabia o porquê, mas as lágrimas corriam sem pressa. Minha avó me abraçou e me acalmou. Explicou que tudo ficaria bem e seguiu com a história: ― Quando voltasses a fluir te deram a opção de “Reamanhecer”, que consiste em voltar no tempo para reviver toda tua vida, conforme o ponto da nova partida, e escrever teu futuro novamente. Seria como “refazer o amanhã”. Ofereceram para ti a opção de escrever um breve diário com acontecimentos importantes da tua vida, pois, ao longo da nova fluidez desperta, irás te deparar com alguns deles novamente. Porém, dependendo de conforme fores mudando cada um, eles irão se repetir ou simplesmente passarão a nunca mais acontecer. Mas, tu não quis. Preferiste deixar as coisas acontecerem e escolher novamente teus caminhos. Falou que do que realmente for necessário e verdadeiro, não se poderá fugir.
Minha avó parou de falar, esperando minha reação, que não veio. Eu estava atônita.
― Então, aqui estás. Tua idade até então era 95 anos, tua idade fluida adormecida, 45, e tua idade real, agora desperta, cinco anos.
Ficamos em silêncio por alguns momentos. Ainda estava tentando entender.
― Não te preocupa. Tudo isso que conversamos será esquecido em alguns dias. Afinal, escolheste ter um novo futuro, sem lembrar o teu futuro anterior. Terás oportunidades novas, algumas iguais, e vais escolher novamente por elas. Vais ter caminhos e atalhos a seguir. Amores, trabalhos, dores e prazeres. E, como vais passar por tudo isso, só com o tempo para descobrires novamente.
Animei-me a tentar falar um pouco e perguntei:
― Eu vou morrer de novo, com 45 anos? Eu tenho escolha?
Essa idéia de minha morte era o que mais me assustava, apesar de tudo aquilo fazer quase nenhum sentido para mim.
― Lembra que escolheste não lembrar? Vais viver um mundo novo. E dependerá dele o dia que ele terminará para ti. Recordas que falavas seguidamente a frase: “Só se vive uma vez... de cada vez”? Pois então!
― Mas, e a senhora, aqui? Essa casa? Como? Tem certeza que isso não é um sonho?
― Essa casa era onde morávamos quando eras bem pequena. Já eu, simplesmente parei de fluir, quando tinhas 12 anos. Nunca morri. Estava esperando por esse encontro há algumas horas atrás, quando me ativaram juntamente contigo.
Estava feliz por reencontrar minha vó, mas era muita informação em tão pouco tempo.
― Agora termina teu chá que logo mais tua mãe chega e jantamos todas juntas. E, provavelmente amanhã, quando acordarmos, nosso futuro recomeça. Ao despertar pela manhã, terás uma nova chance de viver cada dia com escolhas diferentes. Isso é a única coisa que nunca deveria ser esquecida nesta ou em qualquer outra vida.