Prólogo
Epílogo
Conto
Tornei-me um matador hábil. Um assassino, talvez? Não. Certamente não
sou nenhum assassino, porque as coisas que eu mato não estão vivas. Definitivamente
são monstros nascidos no submundo e que emergem das profundezas do inferno.
Eles não possuem alma. Já faz dois anos que estou vagando, e com todo esse tempo,
perdi meus familiares e meus amigos. Poderia passar a pensar que não há motivos
para continuar nessa luta que parece em vão, mas a Terra me pertence e matarei até
o último dia em que não mais conseguir erguer um bastão ou apertar um gatilho.
Tudo começou desde quando vi o plantão de notícias na tevê. A informação
fora de que um terremoto relativamente potente surgiu no mundo oriental, principalmente,
atingindo a Europa. Enquanto que para nós pertencentes às Américas,
apenas as regiões litorâneas que sofreram parte desse impacto com um tsunami que
chegou 1 hora após o terremoto.
As consequências desse cataclismo, fez com que o CERN, o famoso colisor
de hádrons europeu para pesquisa nuclear, havia tido sofrido enormes danos e suas
novas partículas geradas, no qual nem sequer, pertencia à tabela periódica, associou-
-se com a radiação de centenas de usinas nucleares, causando algo inimaginável até
então. Essa nova partícula, os cientistas batizaram de “A molécula de Deus”, sendo
considerada a molécula da gênese da vida.
Tal molécula possuía o poder de dar vida ao que já está morto. Em suma, essa
molécula foi como um vírus infectante que trouxe todos os mortos novamente a
vida. No entanto, eles agora são zumbis, ou melhor, monstros das trevas, irracionais
que vegetam e que matam os que não estão infectados. Suas aparências foram drasticamente
alteradas, ocorreu uma bizarra metamorfose em seus corpos, que agora,
parecem verdadeiros demônios. Desde então, estou lutando contra esses monstros
diabólicos sedentos por sangue.
Apesar de estarem mortos, eles não são como os estampados zumbis de séries
de tevê. Não são atraídos por barulhos ou, numa vontade incontrolável de carne
humana. Acho-os mais parecidos com animais selvagens, como as minhocas, que
estão praguejadas a se arrastarem sobre o solo. Assim como na origem do universo,
os primeiros seres eram organismos unicelulares, acredito que “a molécula de Deus”,
transformou esses monstros em um tipo de organismo que rodam as ruas para fagocitarem
os não semelhantes a eles, no caso, eu. Parece ser como um instinto primitivo
de sobrevivência, onde eu me tornei o parasita. Porém, ainda não decifrei por
completo o que os faz me reconhecerem.
Para mim, que sempre acreditei que o apocalipse seria algo mais surreal, numa
batalha travada entre anjos e demônios, céu e inferno, agora, me dou conta que nada
disso fora algo real para acreditar. Nem mesmo o nosso governo possuía um lugar
seguro para casos emergenciais como este e, em nenhuma parte do país, havia algum
lugar seguro para abrigar uma colônia de selecionados. Estávamos cada um por si.
Agora, o mundo está praticamente dominado por esses seres misteriosos. As
urbes estão cheias deles. E há poucos como eu, vagando rumo à sobrevivência. A
visão de todas as cidades era de um todo caótico. Nada estava no lugar, nada mais
era reconhecido. Fogo, cinzas, sangue, monstros, ruínas, medo, são as palavras que
descreviam o cenário. O mundo parecia estar de cabeça para baixo e as aberrações
tomavam contam de onde havia a paz.
O rigor mortis de suas carnes putrefatas os tornava lentos e com pouca coordenação
motora, mesmo assim, eles poderiam me vencer pela quantidade. Mesmo
havendo outros iguais a mim, relutando em desistir, eu sempre andava sozinho. Então,
sempre tinha que me refugiar em torres e edifícios.
Era estanho matá-los. Seus corpos eram gelatinosos e malcheirosos. Geralmente,
meus golpes eram certeiros em suas cabeças que facilmente rolavam feito
uma bola de boliche. Por onde andei, deixei um rastro de sangue. Ainda sinto os
objetos lacerantes que usei para cortar as suas vísceras que caíam ao chão repleto de
líquidos escuros.
Quando não tinha alguma arma em mãos, eu os chutava fortemente, tanto
que o meu pé os atravessavam. No início, meu estômago revirava, sentia o gosto
ácido em minha boca, mas, após algumas centenas de chutes, me acostumei. Hoje,
apenas sinto as suas costelas e demais ossos crepitarem com os meus golpes.
Percebo agora, que eles estão evoluindo rapidamente. Estão ficando resistentes,
e mais velozes. Está tendo uma seleção entre eles próprios, onde, o dominador
jugula o seu oponente o engolindo por completo e ganhando mais força. Já presenciei
batalhas entre dois dominantes que durou cerca de 20 minutos. Para o derrotado,
a sua morte fora uma certeza. O seu sangue apodrecido coloria a rua da cidade.
Somente a chuva fria e forte que caia era o suficiente para lavar todo aquele sangue
espichado, deixando a rua limpa para a próxima batalha.
Nesses dois anos, permaneci na mesma urbe que nasci. Desde então, só encontrei
sobreviventes quatro ou cinco vezes. Porém, estou desenvolvendo as minhas
próprias estratégias para matá-los aos montes, em vez de um por um. Faz alguns
meses que estou determinado a exterminar todas essas aberrações da minha cidade,
para que aqui seja um refúgio para muitos.
Já estou sem munições, por isso, estou juntando o máximo de dinamites em
um metrô da cidade. Quero atraí-los o máximo que eu conseguir e depois detonar
todos. E hoje, é o grande dia.
Sai do meu refúgio e fui procurá-los. Não demorou muito e encontrei um
bando, um dos maiores. Eles me notaram e rastejaram em minha direção, enquanto
eu os guiava para o abatedouro. Consegui deixá-los todos no andar subterrâneo do
metrô e logo acionei o dispositivo que explodiu. Certamente as toneladas de concreto
os esmagaram feito um chiclete no sapato. Porém, a catástrofe fora maior do que
calculei, todo o túnel desabou cortando a cidade ao meio. O abalo foi sentido em cada
pilar dos prédios adjacentes, muitos deles desabaram, inclusive, o que eu estava.
Sobrevivi, mas estou preso há 18 horas sobre os escombros. Agora sei qual
será o meu fim. Vejo o céu nublado, temperatura agradável em torno dos 25 °C, a
paisagem não é a das mais belas, porém, estou achando um dia ótimo para morrer.
Minha única tristeza é saber que após a minha morte, me transformarei num daqueles
seres diabólicos e horrendos.
Ao longe, ainda havia um desses monstros, um relativamente pequeno que
não seguiu o bando para o precipício da morte que lhe fora prometido. Vejo-o lentamente
se aproximar de mim. Ele está a minha procura para me devorar. Será o meu
fim.
Mesmo sempre tendo essa possibilidade em meu subconsciente, em morrer
devorado por um deles, agora que esse fatídico dia chegou, sinto a minha carne
tremer, meus olhos se arregalarem e meu coração acelerar, batendo tão frenético que
sinto minhas veias pulsarem.
Não havia ninguém para que eu gritasse. Não havia nenhum deus para que
eu rogasse. Nem havia ninguém para que eu me despedisse. Após eu exterminar centenas
desses monstros, agora era a hora da vingança, um deles teria o prazer agridoce
de saciar da minha carne quente e ensanguentada com os arranhões que ganhei. Ele
já está a poucos metros, perto o suficiente para que eu sinta o seu mau-cheiro e de
sentir a minha repugnância por seus corpos asquerosos.
Fecho os olhos e espero ser devorado. A última coisa que quero presenciar é
a escuridão. Ouço um barulho ensurdecedor nesse meio tempo seguido de um banho
de gosma que me cobriu por inteiro. Tive que abrir os olhos para entender o acontecido.
Lá estava uma figura distinta de pé, apontando em minha direção uma
arma. A imagem é a de uma humana, uma mulher. Um anjo que surgiu das trevas e
me salvou do vale da morte. Nunca a tinha visto antes, mas, já me apaixonei pela sua
rebeldia.