Prólogo
Epílogo
Conto
Registro 1
Estou andando a tanto tempo que nem sei mais para onde vou. Apenas sigo em frente. Sinto fome e sede!
...a quanto tempo eu não tomo um banho? ...não me lembro!
De vez em quando me lembro do mundo antes, mas parece um sonho, em minha mente tudo é muito turvo. Sinto que estou enlouquecendo. Me pego roendo o dedo sempre depois de um apagão. Fico perdido, não sei onde estou e nem como fui parar no local onde acordo.
A dias não encontro uma viva alma, ...se bem que nem quero encontrar.
Evito passar por dentro de cidades, são perigosas demais, com emboscadas de gangues e armadilhas. Não sei em que ano estou, nem minha idade, parei de me importar a muito tempo.
Estou escrevendo este diário apenas para me manter lúcido, o encontrei em um pequeno acampamento abandonado, no mesmo dia em que encontrei uma bicicleta, fiquei entusiasmado, achei que nem saberia mais como andar em uma, e que seria de muita ajuda para locomoção. Mas estava com os pneus vazios e não consegui forma de encher.
Sabe que as vezes eu me sinto voltando para casa?
Nossa que dor no estômago! A quanto tempo não como?
Registro 2
Hoje avistei um gato. Não consegui pegá-lo, ele foi rápido demais para mim. Seria comida para uns três dias. Mas consegui achar uns legumes em um lugar que parecia uma antiga plantação tomada por mato.
Acho que vou ficar mais um dia aqui, preciso remendar a lona da minha barraca.
Registro 3
Não sei
(alguns rabiscos)
Registro 4
Hoje passei por uma placa caída na estrada, Perto de um carro virado de ponta cabeça. Estava escrito cachoeira de ma na placa, o restante da palavra estava coberto por ferrugem. O nome me soa familiar, sei que estou no Rio de Janeiro, mas não sei onde e quando. Segundo esse diário, com fabricação de 2025, eu estaria em 2027, pois um antigo dono ou dona colocou esta data nele. Sem nome, apenas uma contagem de zero a trinta e um. Poderia ser qualquer coisa, gosto de imaginar que seria uma contagem de mês. Mas quem sabe?
Registro 5
Estou a cinco dias acampado, escondido, observando esta residência. Longe, de difícil acesso, a terra parece boa para o plantio. Só a encontrei porque tentei caçar um coelho, um coelho acredita? Nem sei como me lembrei deste nome, a anos não via nada parecido, animais são muito difíceis de serem encontrados. Nem pássaros existem mais. Isso quer dizer que, alguém tinha criadouro por aqui. Poderia ser deste pequeno sítio, o rodeei e vi pequenos galinheiros e antigas casas de cachorro. Não vi movimento algum nestes cinco dias. Vou esperar anoitecer e entrar.
Será que a contagem deste diário era de pessoas que o antigo dono teria matado?
Ansioso e trêmulo, Luis avança cada vez mais em direção a porta da residência. Com um facão na cintura, um cabo de picareta na mão ele entra na casa. Sua mochila e barraca ficaram na floresta, no ponto de observação que havia montado para espreitar este lugar que lhe oferecia uma esperança de se manter vivo por um bom tempo, já que na estrada estava ficando cada vez mais difícil.
Esse lugar o dava sensação de lar.
Ao abrir a porta, ele vê a ampla sala que tinha janelas nas quatro paredes. A casa estava bem empoeirada, e ele trata de procurar rastros na poeira, se certificando que a muito tempo não tem movimento ali. Sua mente lampeja e ele se vê em uma sala com sua família, ele vê outra criança, talvez um amigo, dois adultos, porém não se lembra dos rostos, apenas enxerga do pescoço para baixo.
Ele se livra da visão balançando a cabeça e continua por adentrar na residência. Na cozinha ele vê uma placa pendurada na parede, Família Silva. Silva é um nome muito comum aqui no Brasil. Porém Luis não se lembra de nunca ter conhecido um Silva. Na parte de cima da casa ele escuta ruído. Seu sangue gela e novamente volta a tremer.
Ele sente que está fraco, porém avança passo a passo. Sobe as escadas controlando a respiração, sem fazer um barulho, nem a velha madeira da escada estala com seu peso. Luis nota que a escada foi usada recentemente. Com certeza existe alguém ali. Mas como pode ficar aqui dentro sem sair ou mostrar movimento? Se pergunta. Ele se recorda de histórias de fantasmas que ouvira quando criança, mas os únicos fantasmas que o amedrontam são os seres humanos que perderam a humanidade. Uns comem os outros agora, sobraram poucos, mas mesmo assim são as bestas do inferno vivendo neste reino devastado. Capazes de coisas inumanas.
Luis sabe que invadiu o lar de alguém, agora muito provavelmente, cairia em uma armadilha e serviria de comida, ou simplesmente seria mais um cadáver seco por aí. Com passadas suaves ele avança. Retroceder não salvaria. Não se atreve a abrir portas, geralmente são barulhentas, estão emperradas ou servem como ponto de ataque repentino.
Ele observa que um dos cômodos de cima estava sendo usado como estufa. Com várias plantas, legumes e hortaliças, todos plantados em vasos, baldes, latas caixotes de madeira, e etc. A iluminação era perfeita e o ar dentro do cômodo era limpo.
- Vá embora! - De repente diz uma voz.
Luis se mantêm parado, tentando identificar de onde veio a voz. Seus olhos percorrem o local muito bem iluminado, mas não vê nada. Ele lentamente volta suas costas para a parede, colocando a plantação entre ele e o único ponto de fuga daquele aposento sem ser a porta pela qual entrou, a janela.
- Vou repetir apenas esta vez.... Vá embora!
A voz tinha ênfase e parecia calma, parecia uma pessoa mais velha, mas mostrava que não era a primeira vez que ameaçava alguém neste mundo doente. Luis sabe que está exposto, e não tem opção. Mesmo assim aquela voz, não o deixou nervoso. Pelo contrário fez ele cair em sonhos novamente, lembrando de um passado longínquo. Não deu tempo dele nem sequer ver as imagens que pareciam lembranças novamente. Em um piscar de olhos a pessoa já estava em cima dele com as duas mãos levantadas na direção de seu rosto dizendo algo que Luis não consegue absorver e entender, devido a alucinação.
Instintivamente Luis dá um golpe certeiro no homem, que cai agonizando em meio as salsinhas que ali estavam plantadas em vasos de barro. Por um tempo Luis fica observando o homem ainda mexendo os lábios e com um dos olhos arregalado, pois o outro estava estourado devido ao golpe. Uma poça de sangue se formara aos seus pés. Ele vasculha o resto da casa, em um quarto ele encontra fotos espalhadas nas paredes da família que ali vivia, Ele segura uma das fotos e vê uma mulher, duas crianças, eram meninos e um homem. Ele reconhece nas fotos o homem que acabara de tirar a vida no outro cômodo. Mais novo, quase irreconhecível, agora com barba grisalha e cabelos brancos, mais magro, mas era o mesmo homem.
Ali perto, um rapaz portando um arco de precisão, com aljava cheia nas costas e carregando dois coelhos, encontra um pequeno acampamento próximo ao que ele chama de lar. Um local que servia perfeitamente para ver toda a propriedade. Ele instintivamente percebeu que era alguém que espreitava a casa, e nesse momento poderia já ter ido até lá. Largando os coelhos e se armando com uma faca, ele cuidadosamente avança e vasculha tudo. Na barraca encontra um lençol e um cobertor, na mochila ao lado da barraca camuflada encontra um diário, duas panelas, uma blusa de manga comprida, talher e uma máscara de gás.
Intrigado, ele segura a mochila que lhe parece familiar.
- Essa mochila.... – Diz o homem curioso levantando a alça e lendo a pequena e gasta etiqueta que ali encontrara costurada.
Ele levanta a cabeça, e pasmo olhando diretamente para a casa diz: - Não acredito!!!!
Ele se põe a correr em direção a casa soltando a mochila no chão.
De volta na casa com a foto na mão Luis a gira e lê o que está escrito atrás dela:
Família Silva, da esquerda para a direita: Sandra (Mamãe) Pablo (Filho) Luis (Filho) João (Papai). Para sempre juntos!
(desenho de coração)
Fim.