Prólogo
Epílogo
Conto
Eu saio de meu carro e vejo o que sobrou da casa parcialmente destruída pelo incêndio. A noite e a falta de iluminação do ambiente me impedem de visualizar o estado físico da casa, não sei se há risco de desmoronamento, mas ligo minha lanterna e ando até ela.
Empurro a porta da frente, ela range abrindo passagem e vejo o interior da casa. A sala está uma bagunça, destroços e sujeiras estão espalhados por todo o lugar, a escada de madeira que leva ao andar de cima está se desfazendo e um dos cômodo após a sala está obstruído por entulhos irreconhecíveis. Se aquele estúpido do dono da casa me permitisse entrar com uma equipe antes da demolição, seria bem mais seguro.
Sinto um calafrio e penso que devo estar enlouquecendo, pois decido entrar dentro da casa para investigar. Atravesso a casa com cuidado, pisando sobre o chão cheio de entulho. Não acredito que o que estou procurando esteja intacto, ou se alguém já não o pegou, mas o procuro mesmo assim.
Com medo, sigo andando sobre os destroços, entro no primeiro cômodo após a sala, parece ser um escritório, pois há estantes com alguns livros parcialmente destruídos e uma escrivaninha queimada, mas ainda em pé, com alguns livros igualmente queimados, mas algo de diferente em cima da escrivaninha me chama a atenção.
Vou em sua direção e encontro um envelope que estranhamente está quase intacto, mas sujo de fuligem. Eu o pego e vejo que o meu nome está escrito nele, meu coração dispara. Percebo que o selo está rasgado e me preocupo. O abro, há algumas folhas dentro dele. Um misto de alegria e alívio toma conta de mim e saio imediatamente da casa.
Sigo para meu carro, o abro, entro, sento e fecho a porta. Me empolgo. Será que ele deixou sua história registrada para mim? Que infortúnio o senhor Lucas morrer nesse acidente antes de me contar sobre aquele lugar.
Ligo a lâmpada interna do carro e tiro as folhas de dentro do envelope, algo pequeno cai em meu colo. Eu pego o objeto, percebo que é um pedaço de carvão e o coloco dentro do porta copos do meu carro. Limpo os meus dedos sujos pelo carvão e analiso as folhas. São textos impressos e a última folha é um desenho feito à mão, não entendo de arte, mas percebo que foi bem feito, mas o acho muito sombrio. Minha curiosidade pelo texto me chama mais a atenção, volto para a primeira folha e a leio.
“Fiquei sabendo que você está com interesse em minha história, nunca entrei com detalhes com ninguém pois ninguém acreditaria, mas o pouco que contei chegou a você e despertou seu interesse. Algo me diz que devo contar a verdade a alguém antes que seja tarde demais. Como você sabe, adquiri um problema na garganta e não consigo falar por muito tempo, prefiro lhe entregar por escrito sobre o que vivi em Lugar Nenhum.
É uma cidade pequena, tranquila e isolada, agora percebo o quando era estranha. Morava junto com meus pais e meu irmão gêmeo, o Claus, numa casa grande, na parte árida e afastada da cidade, não entendia por que morávamos lá, éramos uma das famílias mais rica e mesmo assim nossa casa ficava longe da vista da cidade. Deve ser porque meus pais faziam parte de uma seita religiosa que eu detestava, algumas reunião aconteciam em minha casa, eles falaram sobre pecados da cidade, faziam feitiços, adoravam seus antepassados, sinceramente, achava tudo besteira. Odiava participar das reuniões, com o tempo parei de ir, mas Claus continuava, as vezes ele voltava estranho, mas do que o seu estranho habitual, mas nem me importava, ficar enlouquecido é o que acontece quando mexe com essas coisas de religião.
A sequência de acontecimentos bizarros, aconteceu quando eu tinha por volta de onze anos. Naquele dia seria outra das reuniões da seita de meus pais, portanto não gostava de ficar em casa, preferia sair, explorar a natureza seca e árida perto de casa, já Claus, ficava trancado em seu quarto desenhando com carvão. Eu nunca me interessei por desenhar, mas ele era excepcional pela sua idade, mesmo com seu gosto mórbido. Seus desenhos me assustavam, desenhava pessoas fantasiosas, meio humano, meio animal, algumas cenas estranhas e paisagens, mas pareciam todos mortos.
Era quase noite, logo os membros da seita iriam até a minha casa. Eu esperava sentado embaixo de uma árvore afastada, na tentativa de reconhecer quem era as pessoas encapuzadas que vinham para a reunião, pois não conhecia todos. Foi quando Rodrigo chegou perto de mim sem eu perceber. Ele era um homem desprezível e até mesmo feio, o desgosto era estampado em seu rosto, infelizmente não posso reclamar muito dele. Nesse momento ele apenas queria saber onde estava meu irmão para lhe entregar um pouco de carvão para seus desenhos, pois já tinha acabados todos os carvões de Claus. Estúpido, ele sabia que Claus sempre ficava em seu quarto.
Rodrigo foi em direção a minha casa, eu o acompanhei com o olhar até chegar quase na entrada, foi quando eu vi um vulto deforme no segundo andar e escutei os gritos de desespero de minha mãe.
Apenas corri, passei pelo Rodrigo e entrei na casa. Havia um cheiro de carne queimada no ar, estava vindo de um corpo carbonizado jogado no chão em frente da escada, posteriormente descobri que era do meu pai, mas a pior visão foi daquele ser descendo de forma torta as escadas, arrastando o corpo carbonizado que era da minha mãe.
Aquele ser tinha o corpo de humano, mas a cabeça, braços e pernas de bode. Seu corpo era negro e feito de carvão, algumas partes ainda tinha a textura da árvore, outras eram pedaços de carvão sobrepostos um sobre os outros. Continha fogo em seu interior, era possível ver o vermelho das chamas por algumas partes de seu corpo. Sei com exatidão sua anatomia, pois não foi a única vez que eu o vi.
Aquele ser desceu as escadas de madeira, chamando por meu nome, de forma rouca, baixa e esticando as sílabas de uma forma amedrontadora, e eu estava congelado com o horror da cena, não consegui me mexer e aquele monstro descia os degraus de forma lenta, com seus olhos flamejantes fixos em mim. Sobrevivi apenas por causa que Rodrigo me puxou para fora da casa. Corremos, confesso que no momento não lembrei que meu irmão ainda estava na casa, mas não era algo tão importante.
Atravessamos a trilha de terra até encontrarmos um grupo de membros encapuzados da seita. Não lembro o que aconteceu, talvez pelo choque em que estava, mas lembro de esperar na estrada por muito tempo junto com Rodrigo, até um homem em pânico voltar com o Claus apático.
Não há muita coisa interessante para se contar sobre os detalhes das consequências desse acontecimento. Meus pais foram enterrados no cemitério, junto com mais uma pessoa que sei que fazia parte da seita, e que tinha ido até minha casa buscar o Claus. Foi dito a população da cidade que foi um acidente com o forno a lenha, e que meus pais e seu convidado para o jantar não tiveram tanta sorte com os seus filhos tiveram. Ninguém me disse nada que fazia sentido sobre o que aconteceu naquela noite, ou o que era aquele monstro.
Eu e Claus fomos morar na casa de Helena, que ficava na entrada da cidade e era grande, cheia de quadros com os símbolos da seita desenhados e era estranhamente aconchegante, mas nem deu tempo de aproveitar. Ela era nossa professora, estava fazendo o máximo possível para nos ajudar, sabe como é, alguns adultos tendem a fazer sacrifícios pelas crianças, às vezes se sacrificam literalmente.
Dois dias se passaram, houve alguns rumores estranhos sobre pessoas que viram alguns seres estranhos que foram considerados demônios, pois eram todos pretos e foram vistos somente a noite. Acredito de fato que esses rumores eram reais. Na segunda noite após a morte de nossos pais, eu e Claus estávamos em nossos novo quarto. Estava deitado na cama, quando Claus tentava conversar comigo, eu não prestei atenção, não sei o que ele disse. Ouvi o som do riscar do carvão numa folha, eu me virei em sua direção e vi ele sentado no chão com seu material de desenho, eu estranhei, pois sei que seu carvão de desenho tinha acabado e que Rodrigo ficou sem entregar novos pedaços de carvão para ele.
Ele estava fazendo mais um dos seus desenhos mórbidos, várias pessoas, apenas do tronco para cima, indo para uma mesma direção, se não me engano, era para cima. Reparei nas folhas jogadas no chão, nelas estava desenhada animais estranhos, alguns seres que não entendia o que era e o monstro que estava em nossa casa. Um sensação ruim tomou posse de mim e o questionei sobre o desenho, ele apenas disse que o desenhou um pouco antes da morte de nossos pais e que era o seu favorito.
Sai do quarto, não conseguia ficar perto dele, atravessei a enorme sala da casa no escuro da noite e escutei estalos vindo do chão de madeira. Fiquei parado, mas os estalos continuavam cada vez mais forte. Fiquei horrorizado quando várias mãos de carvão saíram para fora da madeira do chão, elas empurravam as tábuas levantando-as, abrindo passagem para seus corpos humanoides tentarem sair. Senti o calor que vinha lá de baixo, era como se o inferno estivesse se abrindo em baixo de mim.
Eles eram feitos de carvão igual ao monstro da minha casa. Pareciam humanos, ficaram apenas com a cintura para cima fora do chão, se arrastaram em minha direção abrindo passagem entre as tábuas de madeira que se levantavam. Me afastei deles, fui em direção ao corredor que dava para os quartos, uma das portas se abriu e Helena saiu aos gritos. Veio correndo em minha direção, mas ela viu os monstros que me perseguiam, gritou ainda mais alto e saiu correndo pelo corredor, corri atrás dela, mas a desgraçada entrou na última porta do corredor e a trancou.
Entrei em desespero, batia com força em sua porta pedindo para entrar. Olhei para o corredor e aqueles monstros cada vez mais se aproximavam, foi quando percebi do que Helena fugiu de seu quarto, uma mão enorme de carvão saiu para fora da porta. Eu agradeço pelo medo que isso me deu, pois com ele consegui ter forças suficiente para correr para dentro de meu quarto.
Claus estava na janela aberta, segurando seu material de desenho e suas folhas desenhadas, junto como ele, do lado de fora da casa, aquele monstro meio homem e meio bode. Claus pediu para eu o acompanhar e gritei que não era idiota para ir em direção aquele monstro, Claus tentou questionar, mas o monstro o puxou para o escuro, fazendo ele derrubar várias folhas de desenhos. Foi nesse momento que aqueles outros monstros no corredor chegaram em frente da minha porta.
Me assustei e cai no chão, mas eles não perceberam minha presença e continuaram se arrastando no corredor em direção onde Helena estava, mas só até o Rodrigo entrar no quarto pela janela aberta. Os monstros se viraram em nossa direção e entraram no quarto. As tábuas do chão se levantaram para dar passagem a seus corpos. Alguns deles atravessaram o quarto, passaram do meu lado, ignorando minha presença, me encolhi no único pedaço do chão que estava intacto.
Fui surpreendido quando Rodrigo me agarrou, me levantou no ar e me jogou em direção a janela, fiquei pendurado com metade do corpo para dentro do quarto e me joguei para fora da casa. Cai no chão de cara com os desenhos de Claus e vi aquele que ele acabou de fazer, que era idênticos aos monstros que acabara de me atacar, peguei o desenho com raiva e rasguei ele em vários pedaços. Me levantei, olhei para dentro da casa, vi Rodrigo caído no chão em chamas, gritando de agonia e com os monstros o segurando, e então eles começaram a se desfazer. Pedaços grandes de carvão caíram deles, e se espalharam por todo o chão de tábuas quebradas, mas ainda deixando o Rodrigo em chamas.
Nunca gostei dele, acho que ninguém da cidade gostava dele na verdade, mas Rodrigo mesmo em chamas conseguiu ficar de joelhos, olhar para mim e pedir ajuda. Eu deveria fazer algo, mas apenas fiquei encarando-o agonizar até morrer queimado no quarto, não que eu seja um cretino, mas não tinha como salvá-lo daquela situação. Estranhamente, apenas ele pegou fogo, mesmo com toda aquela madeira disponível no chão e dos móveis.
Algumas pessoas se aproximaram da casa, e eu não sabia o que dizer. Helena surgiu gritando. Dois homens que eu conhecia de vista, colocaram as mãos sobre meus ombros e me levaram para uma carroça, subimos nela, junto com Helena em desespero.
Os cavalos começaram a cavalgar, puxando a carroça. Helena olhou para mim e deu um sorriso constrangedor e começou a recitar um mantra, os homens disseram que era um feitiço de proteção, não fazia sentido para mim, e se de fato fosse para proteger, não foi nada eficiente. Eles me falaram que eram da seita, me disseram o quanto eu era importante para todos, principalmente para meus pais, que esse problema atual seria facilmente resolvido por eles. Puro engano.
Os homens me diziam que Claus e os monstros de carvão estavam relacionados, que ele estava os criando, como era possível, ainda não sabiam, tenho minhas teorias, mas prefiro não ficar refletindo sobre esses acontecimentos, sinto agonia apenas de escrever essa carta, apenas quero esquecer esses fatos a mais rápido possível. Eles continuavam a me dizer mais coisas, mas não estava mentalmente estável para entender tudo, deveria ter prestado mais atenção, mas talvez minha distração foi o que me salvou. Lembro de deitar no fundo da carroça para assimilar o que estava acontecendo, e foi nosso momento que aquelas coisas surgiram voando no céu escuro, desceram em direção a nós, rasgando a carne daqueles homens e de Helena. Pareciam algum tipo de pássaros, mas feito de carvão e faziam o sangue de suas vítimas jorrarem para cima de mim. Logo, seus corpos caíram do meu lado.
Senti que a carroça parou de andar e fiquei encolhido em seu interior, ao lado dos corpos. Tive a impressão que fiquei uma eternidade lá dentro, creio que era um desses casos que o tempo demora para passar. Não percebi mais a presença dos pássaros, me levantei, desci da carroça, os cavalos não estavam mais amarrados a ela e nem vi seus corpos próximo das redondezas.
Andei pelas terras áridas sem rumo. Cheguei perto de algumas árvores, sentei no chão me apoiando no tronco e chorei. Não me orgulho de quando eu chorei, passei a noite acordado, tentando lutar contra a insanidade, as visões de todas aquelas mortes me perturbavam, e eu ainda era apenas um garoto.
O dia clareou e eu não queria me levantar. Deitado no chão, reparei entre as árvores, minha casa ao longe, talvez seja para lá que eles iriam me levar. Me levantei e fui em sua direção. A porta estava aberta, senti um medo indescritível, mas mesmo assim entrei na casa. Fui para meu quarto, peguei uma muda de roupa e fui me limpar no banheiro. Limpo, procurei em minha casa alguma explicação pelo que estava acontecendo. Decidi começar pelo porão, onde acontece as reuniões da seita, nunca tinha entrado lá. Abri a porta e desci as escadas, cheguei num pequeno corredor com outra porta e a abri.
Era um cômodo grande, com paredes feitas de pedra, com vários quadros com símbolos que fazia parte da seita e o ambiente estava iluminado por lamparinas acesas, provavelmente alguém estava lá recentemente. No meio do chão havia um círculo cheio de símbolos desenhados, em sua frente um altar, que eu me aproximei, havia cinco pires de ouro perfeitamente alinhados, os dois pires nas duas extremidades da ponta do altar, havia sangue fresco, que estranhamente não coagulou com o tempo que fiquei naquele ambiente. Os outros dois pires quase perto ao centro do altar, tinham pedaços pequenos de carvão, igual aos que Claus usava para desenhar, e todos com o mesmo tamanho e alinhados dentro do pires, mas no pires da direita parecia que estava faltando dois pedaço de carvão. E no pires do centro do altar, havia um osso pequeno.
Senti uma sensação ruim e me afastei do altar, fui para um canto do cômodo onde tinha algumas mesas com objetos ritualísticos e várias estantes cheias de livros. Os investiguei, eram livros antigos sobre ocultismo, feitiços, magias, alguns idiomas que não conhecia, havia algumas imagens assustadoras em alguns deles. Achei tudo besteira e abandonei os livros. Examinei alguns papéis sobre uma mesa, eram anotações sobre a seita, sobre os membros, alguns sobre o Claus e sobre mim. Eram experiências, na minha folha não tinha nada importante escrito, mas no do Claus havia várias anotações e muitas páginas, em algumas passagens estavam riscadas com carvão e havia algumas palavras escritas ao lado, eu conhecia aquela letra cursiva, era de Claus. Não lembro com exatidão o que estava escrito naquelas anotações, mas era algo sobre retirar o seu sangue e o preparar para trazer de volta um tal de sacerdote, não consegui entender completamente, havia muitas palavras riscadas pelo Claus, e ele escreveu palavras que referenciava sobre dor e medo.
Enquanto lia aquelas anotações, escutei passos descendo pela escada, me assustei, se escondi embaixo da mesa e acabei deixando as anotações em cima dela. Duas pessoas desceram, elas conversavam sobre que os monstros estavam matando cada membro da seita, que teriam agir de dia, pois os monstros só aparecem de noite e que teriam que achar o gêmeo para o sacrificar com a finalidade de inverter aquela desgraça, qual dos gêmeos precisavam, eu não descobri. Eles pegaram algumas coisas em cima da mesa, infelizmente levaram junto os papéis que estava lendo, e foram embora. Demorou um pouco para eu sair debaixo da mesa e continuar a minha investigação. Lendo os poucos papéis que sobraram, consegui encontrar algumas informações sobre esse sacerdote, ele era um dos membros fundadores da seita, morreu há muitas anos atrás. Em um dos papéis que encontrei, tinha a descrição de um feitiço de ressurreição, o tentariam trazer de volta a vida e precisavam algo do Claus para isso. Não tinha muito para eu aprender ali, não compreendia aquela linguagem estranha presentes nos outros livros e folhas, resolvi procurar respostas em outro lugar, o local onde esse sacerdote estava enterrado. Peguei minha mochila em meu quarto, coloquei alguns suprimentos, do cômodo da seita peguei uma lamparina, um mapa antigo da cidade e um pote com óleo. Sai da casa.
Imaginei se alguém estivesse sido enterrado seria no cemitério e fui até esse lugar. Andei até chegar próximo a uma parte da cidade, ela estava silenciosa, vazia e mais estranha que o habitual, não consegui ver ninguém, nem sabia se era seguro para mim entrar nela. No caminho vi pedaços de carvão no chão, mais adiante, um corpo carbonizado. Creio que foi uma noite difícil pra cidade. Andei mais um pouco me afastando da cidade e cheguei no cemitério. Foi fácil de achar o túmulo que queria, apenas segui a trilha de carvão que estava no chão, cheguei em um túmulo que fora cavado e que estava cheio de pedaços de carvão em volta, dentro dele, estava em chamas. Questionei se o fogo fosse para destruir o corpo, ou se era consequência dele ter sido despertado.
Logo iria escurecer e não queria ficar desprotegido, não quis ir para a cidade. Me abriguei numa pequena casa abandonada dentro do cemitério, por sorte o chão era de pedra e a porta tinha tranca. Não que fosse seguro, mas era o mais seguro que conseguia pensar. Não dormi naquela noite, o medo era mais forte que o sono. Eu sei que escutei sons estranhos vindo de fora da casa, fiquei preparado para correr caso aparecesse mais daqueles monstros. Estava quase enlouquecendo, tinha que achar Claus, tinha que fazê-lo parar com aquilo.
Estendi um mapa antigo da cidade, tinha algumas anotações de onde ficava algumas das locações da seita, era quase completo, algumas partes estavam em branco, me questionava o que teria ali e o que teria fora da marcação do mapa, mas nunca descobri. Pensava onde Claus poderia ter ido, e em quem da cidade eu poderia pedir ajuda, sei que as autoridades quase completamente faziam parte da seita, não achava uma boa ideia. Enquanto eu pensava em quem poderia me ajudar, escutei meu nome sendo chamado de dentro da casa, de forma rouca, baixa e esticando as sílabas de uma forma amedrontadora. Sabia quem era.
Me apavorei, joguei todo meu equipamento para dentro da mochila, peguei a lamparina na mão e fiquei de pé em frente da porta, procurando de onde veio meu nome, aquele monstro surgiu do cômodo ao lado. Dessa vez ainda mais assustador, com seu corpo metade humano e metade bode, andava de forma estranha, torta, se aproximava lentamente, e continuava a chamar meu nome. Abri a porta e corri para dentro da noite. Tentei correr em direção a cidade, mas me perdi no caminho. Eu via ao longe alguns seres disformes e pretos, alguns com uma luz vermelha, como se tivessem uma pequena chama, me afastava deles e mais rápido possível.
Andei sem rumo até chegar num rio, onde eu consegui identificar onde estava, peguei o mapa da mochila e o analisei. Existia uma igreja abandonada perto de uma área cheia de árvores, era um lugar usado pela seita a algum tempo atrás. Me questionei se era um bom lugar para se proteger, mas a outra opção era ficar mais tempo desabrigado na noite até chegar na cidade. Decidi ir até a igreja.
Segui o caminho naquela noite escura, apenas minha lamparina iluminava o ambiente, mas a luz não estava sendo tão útil, as árvores estavam muito escuras e se misturavam nas sombras e o caminho era difícil de enxergar e prosseguir, percebi que era por causa que as árvores eram feitas de carvão. Estremeci, não quis continuar a entrar naquela floresta de carvão e dei meia volta, mas aquele monstro metade homem e bode estava me seguindo. Corri para dentro da floresta de carvão.
Já estava cansado, mas continuava a andar, olhava para todos os lados e via ao longe, formas humanas feitas de carvão. Estava em pânico, creio que algumas dessas formas eram alucinações causados pelo medo e pelo escuro. Por fim, andei até chegar na igreja abandonada. Fiquei mais tenso do que aliviado, não era um lugar convidativo, vi a porta semi aberta e entrei. Não sei se foi sorte ou azar, mas encontrei o Claus sentado no chão no centro da igreja, desenhando com seu carvão pelo chão de madeira, envolto de várias folhas com desenhos assustadores.
Vários monstro humanoides de carvão observavam parados próximos das paredes. Pensei em abandonar o Claus e fugir dali, mas o monstro metade homem e bode vinha andando até a igreja, em conflito, andei devagar até meu irmão, vi o que ele desenhava, o ser mais monstruoso e medonho que já criou. Chamei pelo Claus, que parou de desenhar e olhou para mim.
Eu tentei falar com ele, eu juro, mas Claus estava insano, falava sobre feitiços malignos, sobre nossos pais, sobre monstros, sobre a seita. Nada para mim fazia sentido. Eu tentei, juro que tentei conversar, mas ele me assustava e ele não parava de desenhar aquele monstro no chão. Tentei falar algo para impedir ele de desenhar, mas ele não me ouviu, continuava a desenhar e falava com ódio sobre a seita, sobre destruir o sacerdote, continuava a dar forma aquela coisa horrenda. Não queria mais nada daquilo, não podia deixar aquele idiota fazer o que quer que seja.
Estava morrendo de medo pela situação, e lembrei que tinha uma lamparina e óleo. Coloquei minha mochila no chão, tirei de dentro o pote com o óleo e o joguei junto com a lamparina contra o chão de madeira em cima do desenho. Eles se quebraram e o fogo se espalhou pelo chão, muito mais rápido do que eu esperava. As chamas tomaram conta da igreja, junto com o Claus. Vi parte de seu corpo pegar fogo, ouvi seus gemidos de dor. Tentei correr para fora daquele lugar, mas fui agarrado pelo pescoço pelo monstro metade homem e metade bode. Sua pata estranha se fechava em meu pescoço, senti o calor queimar minha garganta, não conseguia respirar, a dor era imensa, tanto que comprometeu a saúde de minha garganta pelo resto de minha vida. Naquele momento tive a certeza que morreria. O monstro disse de forma arrastada o nome de meu irmão, antes de se desfazer em vários pedaços de carvão, me derrubando no chão. Pelo curto tempo que o medo me deixou entender, vi que o fogo se estendeu por quase todo o chão da igreja, destruindo aquela monstruosidade desenhada no chão, vi que todos os monstros estavam se desfazendo, caindo em pedaços, derrubando carvão pelo chão, aumentando o volume das chamas, vi minha mochila com meus suprimentos pegar fogo e também vi o Claus com metade do corpo em chamas.
Me levantei e corri o mais rápido que pude. Corri para fora da igreja, para longe dos monstros e dos gritos de Claus. Corria o mais rápido possível, atravessando aquela floresta de carvão que estava se desfazendo em chamas. Minha garganta ardia tanto, minha boca estava seca e mal conseguia respirar, me senti fraco, com náuseas, parecia que iria desmaiar, mas continuei correndo. Corri até sair das chamas, corri pelas terras áridas, corri para longe tudo, corri por tanto tempo que já não sabia mais onde estava.
Foi quando aquelas luzes apareceram no meio do escuro quase me atingindo. Cai no chão cansado, e duas pessoas desceram daquela coisa que eu não conhecia, era apenas um fusca. Eles me ajudaram e me levaram a um hospital um pouco distante, foi quando percebi que já não estava mais em Lugar Nenhum, porém os pesadelos que obtive nesse lugar, nunca saíram das minhas noites de sono.
O resto de minha história não deve te interessar, e provavelmente você já deve ter pesquisado sobre ela. Ainda espero estar aqui para te entregar pessoalmente minha carta, mesmo que algo me diz que não vai ser assim que irá acontecer. Isso descobriremos juntos, ou não.
Provavelmente você não vai acreditar em minha história, como algumas pessoas não acreditaram nem em uma pequena parte dela, mas acredite, acontece coisas naquele lugar que não fazem sentido. Espero que tenha matado sua curiosidade ou talvez eu apenas tenha a aumentando.
Com desespero por reviver meu passado, Lucas de Oliveira.”
Emblemático, outra história estranha vindo de Lugar Nenhum. Tenho tantas perguntas, mas que não serão respondidas, ainda não entendo como esse lugar pode existir, a história dele e essa carta suspeita apenas me deixou com mais dúvidas e com receio, igual aos outros casos que recolhemos sobre esse misterioso lugar.
Guardo as folhas dentro do envelope, olho com um pouco de medo para o carvão em meu porta copos, eu o pego e arremesso para fora da janela do carro. Pego a folha desenhada e a analiso. O papel é bem diferente das folhas escritas e o desenho foi feito com carvão. Nele há um senhor no meio de chamas, se parece com o Lucas, mas com metade do corpo desfigurado, como se estivesse queimado. Na parte de baixo há uma pequena frase escrita numa letra cursiva, a leio.
“Você nunca se importou”.