Prólogo
Epílogo
Conto
Aqueles túneis de aço que percorriam toda a cidade eram como se fossem veias. Pelas paredes metálicas do túnel era possível ver várias pichações em tinta neon, mudos gritos que brilhavam no cinza da rotina. Viu as cores verdes, rosas e laranja nas palavras que gritavam, mas não viu nenhum sinal de roxo. Aquela era uma região diferente, meio que um caminho mais rápido, nele era possível ver protestos em outros tons. Ainda com esses detalhes em mente a menina saiu do túnel, olhou ao redor e viu que já estava no centro comercial da cidade.
Uma música agitada logo chegou aos seus ouvidos e seus óculos escuros serviram como um espelho das luzes neon que tomam o lugar. Olhou ao redor como uma criança que vai a primeira vez há uma loja de doce. Aquela não era a primeira vez que ia até lá obviamente, mas algumas coisas não perdem a mágica inicial, ainda mais para ela que morava longe daquele centro. Ajeitou os seus óculos.
Os níveis de radiação do Sol haviam aumentado muito ao longo dos anos por causa da poluição, devido a isso Hivy usava como uma grande maioria da população um óculos escuro com um filtro especial anti-reflexo, para que seus olhos não fossem tão afetados. As pessoas que tinham um pouco mais de dinheiro implantavam uma lente especial na retina, assim a pessoa não precisava usar óculos.
Hivy achava que os óculos eram eficazes também contra as luzes neon, ela amava as luzes, mas também amava os seus olhos que tinham sensibilidade a luz por não está muito acostumada a vê-las tanto, por isso usava os óculos o tempo todo, até mesmo de noite, como era o caso. Na verdade, os óculos tinham um valor ainda maior para ela, era como se fizesse parte da personalidade dela, assim como a cor roxa. Um pedestre apressado quase a derruba. Foi apenas nesse momento que ela notou que estava no meio do caminho deles. Tanta pressa. Na via de mão dupla os veículos modernos passavam voando, eram como os glóbulos vermelhos do sangue que levam oxigênio por todo corpo, mas nesse caso eles tomavam o precioso gás e deixavam gás carbônico e o ar ainda mais cinzento. Não sabia porque mais achava tudo aquilo muito exagerado. Na escuta em seu ouvido tocava um clássico de 2017. As pessoas continuavam passando, sem que parassem para notá-la. Era apenas uma menina com uma bela jaqueta metalizada roxa, botas brancas e um boné neon quase no mesmo tom de roxo da jaqueta dela.
Saiu um pouco do meio do caminho dos pedestres apressados. Da nova posição em que estava viu com mais calma uma confusão de cores que pareciam pulsar em um ritmo constante. Eram pessoas com pulseiras, esmaltes e adereços de cabelo verdes, azuis, rosas e outras tonalidades neon, também haviam roupas em iguais tons, toda essa mistura de cores devido a rapidez mais pareciam traços de luz que corriam em direção há um ponto único. Os veículos que passavam apressados com seus faróis neons pareciam querer competir com os anúncios que tentavam ser tão rápidos e velozes para que assim alcançar a atenção dos pedestres. Aquela cidade de veias metálicas tinha um coração de neon que sempre pulsava. Toda desordem tem um ordem. Hivy começava a perceber as particularidades da cidade metálica, pois estava bem perto do seu coração. Ouvia as batidas ritmadas que pareciam fazer ainda mais sentido. A música eletrônica era ao ritmo da batida daquele coração.
Olhou para um dos telões que mostravam as horas e viu que talvez ainda tivesse que esperar um pouco, ao fazer isso começou a pensar no motivo de está naquele lugar. As batidas do coração haviam a distraído um pouco. Muita tecnologia devia garantir qualidade de vida para muitas pessoas, não apenas para algumas. Como era o caso ali. Bastava uma rápida olhada para que Hivy começasse a numerar as diferenças daquele lugar para onde morava. Enquanto ali tinham os cilindros teletransportadores com os seus anéis neon por toda a sua extensão onde ela morava ainda tinham que se locomover pelos antigos túneis. Haviam algumas linhas de transporte público que passavam por lá, mas Hivy sabia que era mais rápido ir andando. Ali eles tinham tecnologia de ponta, mas não sabiam a conseqüência dela. Ficou se perguntando se alguma daquelas pessoas sabia o que acontecia um pouco mais longe da sua zona de conforto. Olhou para a fonte de água tão artificial como os prédios e lembrou o principal motivo por está ali. Estavam matando um dos poucos rios que restavam, as indústrias que produziam as pulseiras neon estavam despejado os resíduos no rio que passava perto de onde a menina morava. Tentaria fazer o seu grito de protesto ser ouvido. Tirou do bolso da jaqueta a sua tinta neon roxa, tocou nela, mas pensou que não era o momento para usá-la. Havia outras formas de protestar.
As desigualdades viraram motivos de protesto, como ela notou durante o caminho pelo túnel. Pessoas como ela que percebiam a ausência de equidade transformavam seus manifestos em tinta neon. Era como se fosse uma forma deles mostrarem que existiam. Era como se fosse um livro de registro das pessoas que passaram por aqueles túneis escondidos. Haviam as mais variadas cores naqueles túneis que ela comparava a pequenas veias. Queria que seu manifesto chegasse ao coração da cidade e não apenas as veias.
Hivy conferiu novamente as horas, ainda olhava para o telão quando sentiu o toque em seu ombro, sorriu ao ver um menino que usava uma jaqueta verde e um moicano quase da mesma cor. Ele morava próximo e ela havia o convidado para ver o seu manifesto e para ajudá-la também. Seu amigo havia chegado bem na hora.
A menina pegou na armação de seus óculos escuro e pareceu configurar algo ou acessar a internet. Aqueles óculos eram um modelo antigo que permitia fazer chamadas e acessar a internet, além de obviamente proteger do Sol, mas exigia que os comandos fossem acionados manualmente. Tinham outros modelos muito mais modernos que faziam as mesmas funções só com o movimento dos olhos e havia também as pulseiras neon que quase todos usavam, elas tinham entre outras funções vídeo chamadas e acesso a rede intergaláctica de computadores. Mas por hora ela estava satisfeita com o que tinha, até porque Hivy tinha muito conhecimento de programação e havia configurado aqueles óculos com outras funções, como a que usaria para conseguir o que queria. Foi preciso muito tempo para aperfeiçoar o programa. Ao seu lado seu amigo de forma sutil acionava um programa semelhante nos seus óculos.
Por um momento pareceu que havia alguma interferência no ar. Todas as luzes neons começaram a oscilar até que apagaram deixando todos surpresos com aquele ocorrido. Os veículos pararam no ar, os anúncios sumiram e os túneis de teletransporte com suas linhas neon também apagaram. Naquela ausência de luz somente um telão continuou aceso e nele era possível ver um manifesto com letras em roxo neon.