Prólogo
Epílogo
Conto
— Carlos, você está aqui? — perguntou o psicanalista com seu bloco de notas em mãos.
— Estou aqui, doutor. Tive apenas um lapso.
— Entendo... — Michel fez algumas anotações. — Está conseguindo dormir bem?
— Não muito. Sinto que toda vez que eu durmo, não é apenas um sonho, mas sim uma realidade paralela — Carlos encarou o doutor. — Consigo sentir cada detalhe naquele mundo.
— Mas o que esse "mundo" quer te contar, Carlos?
— Não sei, mas sinto a perda de alguma coisa.
Por um breve instante os dois ficaram em silêncio. Até Michel voltar a falar de novo:
— Se coisas assim te assustam, talvez você devesse procurar a família. Há alguém de confiança?
Carlos divagou... seus pensamentos encontraram a única pessoa cuja qual ele depositara toda sua fé: sua irmã do meio, Sophia. Porém, faz anos desde que os dois conversaram ou até mesmo se encontraram. Desde os acontecimentos sobrenaturais na sua infância e posteriormente na adolescência decidiram se distanciarem.
Mesmo assim, ele tomou coragem para numa manhã de segunda-feira pegar um ônibus direto para a capital, onde Sophia trabalhava — segundo o Instagram. O prédio era bastante grande e várias funcionárias trabalhavam lá.
Com um sorriso largo no rosto uma delas gentilmente aproximou-se de Carlos:
— Bom dia, senhor, posso ajudá-lo?
— Sophia está?
— Está sim — respondeu ela analisando o rapaz de cima a baixo. — Tem assuntos a tratar?
— Digamos que sim. — Carlos pôs as mãos no bolso.
— Siga-me, então, por favor. — A serviu como uma guia, passou por diversos lugares daquela loja até chegar num escritório vazio, mas muito bem arrumado. — Pode aguardar aqui, senhor?
— Claro — respondeu Carlos, olhando ao seu redor, impressionado com a arrumação do local.
Sentado numa poltrona, ele esperou por alguns poucos minutos, distraído por um quadro da renascença. Então, uma voz doce chamou sua atenção para a porta. Sua irmã finalmente apareceu! A mesma havia mudado muito desde a última vez que os dois se viram, agora, era de fato, uma mulher. Sua postura de chefe de negócios fez Carlos levantar-se no mesmo instante. Os dois estavam paralisados frente a frente, nenhum sabia como começar, dados os devidos acontecimentos passados.
— Você aqui? – ela falou, ainda na porta.
— Não vai me dar um abraço antes? – Ele abriu os braços com um sorriso brilhante.
— Claro, seu idiota – ela respondeu. Mesmo com salto alto, correu pela sala como se estivesse descalça e abraçou o irmão bem forte. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Memórias vieram a sua mente, fazendo-a aproveitar ainda mais o momento. — Senti tanto a sua falta.
— Eu também.
Os dois conversaram bastante sobre a vida e outras coisas pífias do dia a dia. Até pautas mais sérias serem expostas:
— Sophia, preciso te falar algo importante. O real motivo da minha vinda...
— Já imagino o que seja – respondeu ela. Suas mãos estavam cruzadas e seu olhar distante.
— Então você sabe.
— Começou faz mais de uma semana. Parecia um sonho mas não era. Foi aí que vi aquela coisa... me chamando. – Sophia olhou para o irmão sem piscar. — Sinto algo ruim.
— E Hugo? Conseguiu falar com ele?
— Tentei ligar, mas só dá caixa postal. Ainda não tive tempo de ir visitá-lo.
— Onde ele mora? – Carlos levantou-se. — Precisamos ir lá agora!
— Calma, vou com você. Estou de carro.
O celta vermelho cortou a cidade numa velocidade invejável. Passaram por pontos turísticos, multidões, prédios abandonados... Cada distância percorrida era uma eternidade para o tanto de pressa que os dois tinham. Por fim, chegaram.
— É aqui? – perguntou Carlos ao ver o estado degradante da casa. Coberta por musgos e caindo aos pedaços.
— É sim. Muitas coisas aconteceram desde que você sumiu, irmãozão.
Ambos saíram do carro e foram para a porta da frente da casa. Bateram com força para chamar atenção, mas era como se ninguém morasse ali há anos.
— Eu dou um jeito. — Sophia pôs a mão na terra de um dos vasos com plantas que enfeitavam o lugar. Mexeu por um tempo até tirar da terra uma chave. — Hugo não sabe dessa cópia. Nem imagino o que ele faria se soubesse... por isso escondi aqui.
Sem grande esforço a porta de madeira foi aberta. Ao acender o interruptor, os dois deram de cara com móveis revirados, roupas pelo chão, alimentos estragados e outras sujeiras.
— Hugo! — gritou Sophia.
Não havia ninguém mesmo, o que fez a preocupação aumentar.
— Se ele não está aqui, só resta um lugar — disse Carlos.
— Na rua par? Por favor, não...
— Sim. E só há um jeito de ir para lá.
Os dois deitaram-se num enorme colchão velho do único quarto da minúscula residência. Ao fechar os olhos, puseram em seus pensamentos uma luz de esperança, com fé de encontrarem o irmão perdido. Carlos sentiu seus olhos pesarem e logo ouviu um sussurro no seu ouvido. Uma voz clamava por ele, pedindo para o mesmo acordar. Seus olhos abriram novamente. Porém, agora, o lugar não era o mesmo, ele estava deitado numa rua escura, com casas em preto por todo o redor.
— Sophia! — gritou o irmão mais velho desesperado.
De repente, algumas sombras em formas humanóides saíram das casas. O barulho chamou a atenção delas que, de forma lenta, caminharam para perto de Carlos.
— Aqui! — Sophia respondeu por trás de um dos postes.
Seu irmão a acompanhou, deixando as sombras para trás.
— Não chegue perto dessas coisas — advertiu Sophia.
— Nem precisa lembrar. — Carlos olhou para a cicatriz no braço esquerdo da irmã e relembrou, por um instante, a cena cuja qual algumas sombras encurralaram-a e sugaram sua energia vital.
Os dois andaram alguns minutos, enquanto o vento frio batia em seus rostos. Então, pararam em frente a uma enorme casa de pintura branca, a única diferente de todas as outras. A casa da infância sombria deles.
— Prometemos nunca mais vir aqui — disse Sophia.
— Eu sei.
Dentro da inusitada casa tinham alguns móveis de época bem desgastados. Era como se o tempo não tivesse passado ali, tornando tudo reconhecível. Ajoelhado no centro da grande sala de estar, estava Hugo, com as mãos juntas.
— Hugo! — gritou Sophia antes de ir abraçá-lo. — O que tá fazendo aqui?!
— Não temos tempo! Segure na mão dele, feche os olhos e vamos começar a despertar — ordenou Carlos. — Nosso outro irmão está aqui.
Um grito, quase como um rugido, ecoou por cada canto daquela sala, tomado por uma aura densa e pesada.
— Sophia!
— Tô tentando me concentrar, Carlos!
Surgiu uma fumaça preta diante dos três e formou-se ali a fisionomia do quarto irmão; este idêntico a Hugo falou:
— Quanto tempo, meus queridos irmãos!
Sophia abriu os olhos e percebeu que já estava na casa de Hugo, novamente. Para seu alívio, o caçula estava lá.
— Onde estou? — perguntou ele atordoado.
— A salvo, Hugo — respondeu, ela. — Nunca mais voltaremos para lá, não é Carlos?
— Carlos? — indagou Hugo. — Só estamos nós dois aqui.