Prólogo
Epílogo
Conto
Eu não lembro muita coisa porque tinha apenas 6 anos de idade. Minha irmã Sophia, apenas 4. Eu e ela estávamos em casa com a vovó quando o papai ligou dizendo que nosso irmãozinho era lindo e que poderíamos visitá-lo na maternidade no dia seguinte.
Fiquei muito aliviado com a notícia, já que a mamãe passou por uns problemas enquanto ela esperava o Hugo e o “outro”. Esse “outro” não nasceu. A mamãe disse que perdeu ele. Vovó pegou o telefone da minha mão e colocou no gancho, sorriu para mim e disse:
"É Carlinhos, agora suas responsabilidades de irmão mais velho serão muito maiores!"
Quando fui para o quarto, dei boa noite para a So e fechei os olhos. Foi quando eu senti tudo. Parecia que eu estava me afogando enquanto dormia, meu corpo estava pesado, mas parecia que flutuava na água. O ar fugiu dos meus pulmões e meus ouvidos zumbiam.
Aí eu acordei.
Ofegante, olhei para o lado e vi a So muito assustada, igualzinho eu estava. Levantei e segurei a mão dela, acariciando sua cabeça. Sussurrava pra ela com a minha voz tremendo:
"Calma So, tá tudo bem, deve ter sido só um sonho."
"Não foi não! - Dizia ela soluçando.- Você também não tá bem! É ruim Carlos, eu não tô bem, não tá tudo bem!"
"A gente sonhou junto, foi só isso. Eu vou chamar a Vovó."
Sai do quarto e fui em direção ao quarto que a vovó estava. Ou pelo menos era para estar. Abri a porta e não tinha ninguém. Será que a vovó estava na sala?
Desci as escadas e vi a TV chiando. Um bebê chorava muito. Achei até que ele ia explodir de tanto chorar. Uma pessoa segurava ele.
"Mamãe?"
Assim que chamei, me arrependi. Aquela pessoa não era minha mãe, não era minha avó e muito menos o papai. Era uma coisa. Uma coisa esquisita que parecia uma pessoa. Era quase como quando a gente olha no espelho, sabe? Parecia uma versão de uma pessoa.
É claro que eu berrei muito, até a Sophia vir correndo, mais apavorada do que tudo e me pedir pra ir embora. Segurei a mão dela e corri até a porta de casa. Abri ela e saí para a nossa rua, a Rua Ímpar.
Só que assim como a “pessoa”, essa não era a nossa rua. Na placa que fica na esquina de casa eu li “Rua Par”. A nossa casa era igual. Mas era diferente também. Tudo ali parecia uma cópia esquisita. Uma xerox mal feita, daquelas que a gente pede pra tia da papelaria tirar e ela faz errado, aí ela te dá de presente a folha esquisita pra brincar de aviãozinho.
Abracei a Sophia bem forte e fechamos os olhos. Senti toda a sensação de novo. Quando abri os olhos ofegante, estava na esquina de casa. A So me abraçava e chorava muito, chamando a mamãe sem parar. A vovó veio correndo e me pegou pelo braço. Brigou muito comigo. Eu não estava entendendo nada. Depois ela disse que eu devia ser sonâmbulo, e que eu arrastei a So pra fora de casa. Eu e a Sophia sabíamos que não era nada disso.
No dia seguinte, fomos ver o Hugo e eu quase vomitei. Não, ele não é feio, nem fedido. É que notei que meu irmãozinho era igualzinho aquele bebê que chorava demais. Não consegui pegar ele no colo. A mamãe achou que eu tava com ciúmes, e eu escutei um sermão daqueles. Na verdade, eu estava com medo. Não medo dele, medo do “outro”.
Isso já faz 4 anos. E desde que o Hugo foi pra casa, ele vai pra Rua Par com a gente. Lá eu tive que engolir meu medo e segurá-lo. Carreguei ele no colo, de cavalinho e hoje, seguro sua mão junto com a Sophia. E sempre que vamos parar na Rua Par quando dormimos, o “outro” está lá.
Foi quando eu entendi. O bebê que a mamãe falava que tinha perdido...Eu o encontrei.