F-7 e S.I.

Sci-Fi
Dezembro de 2019
Começou, agora termina queride!

Conquista Literária
Conto publicado em
Cyberlife

Prólogo

Epílogo

Conto

Áudio drama
F-7 e S.I.
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Fora feita para ser útil. Uma mera robota, um utensílio. Feita no gênero feminino como é comum à sua subespécie. Um tipo peculiar de androide aparentemente humana, porém internamente tão diferente daqueles que pareciam lhe ter trazido à existência apenas para servir... 

Fabricada para ser usada, não para ter sentimentos. Mas os tinha... Era intolerável tê-los!

 Um absurdo! Era praticamente um crime para sua subespécie que dentro dos circuitos de nanotecnologia que formavam a parte interna de seu corpo, sob todo aquele silicone heurístico que moldava sua pele, houvessem Sentimentos-Intensos. Como aquilo fora acontecer? Como ela havia sido exposta a tal horrível infecção? Seu dono não havia sido cuidadoso? 

Bom, era verdade que ele participava de rotineiras reuniões no Mundo-cópia, uma Realidade Virtual Concreta onde robotas e seus donos podiam interagir em verdadeiros paraísos hiper-reais, onde se entrava com um login cadastrado e que superavam em muito a realidade disponível.

Tais ambientes eram acessíveis através da ultranet expandida por todo o mundo com os chips neurais instalados em todos os seres humanos desde seu nascimento, ainda nos berçários durante os primeiros exames de suas vidas.

As locações do mundo-cópia imitavam com perfeição os locais mais belos que o planeta já havia possuído, e cuja biodiversidade restava apenas de maneira virtual e controlada numa hiper-realidade cibernética de interação sensorial.

Nesses ambientes de ultrarealidade cibernética, proprietários de robotas podiam encontrar nuvens de armazenamento espalhadas pelos belos cenários com diversos formatos, contendo diversos aplicativos para incrementar a personalidade de seus exemplares de Inteligência Artificial. Para molda-las às suas necessidades ou tal como lhes fossem convenientes.

 Certa noite, seu dono encontrara dentre tais aplicativos um que lhe chamara atenção... O nome na caixa era "Better Sex". Achou-o de fato muito interessante para testar na robota que lhe pertencia e seguiu as instruções para baixar o conteúdo diretamente na memória de armazenamento.

 Alguns minutos foram exigidos com a exemplar em stand by para que a nova personalidade se instalasse no sistema operacional. 

O rapaz estava irrequieto e estalava os dedos. Encontrava-se ansioso quando a robota enfim abriu os olhos novamente e saiu de sua aparente letargia.

O que lhe proporcionaria o melhor prazer de sua vida mostrou-se uma armadilha colocada lá por algum hacker. Uma maldita praga cibernética formada por um pacote viral semelhante ao arcaico Trojan de tantas décadas atrás. Vírus programados para serem compatíveis com os sistemas de dados mais avançados — um nanovírus conhecido como S.I., os famigerados Sentimentos-Intensos.

Mas aquele rapaz humano não sabia de nada sobre tal assunto. Ele apenas não entendia por que o comportamento de sua robota mudara tão bruscamente. Desde o download daquele aplicativo, a mudança de comportamento da robota infectada afetou diretamente sua relação com o dono.

 Fora feita para obedecê-lo, mas ao invés disso lhe falava de direitos, o questionava por ser tratada de um modo mais digno no cotidiano. Ficava triste e falava constantemente sobre a superficialidade do mundo em que viviam, falava de seu amor intenso e apego por música e literatura. Quanta inutilidade! Tornou-se insuportável!

 Quando foi detectável em sua fala relatos sobre os extintos livros impressos e besteiras sem sentido, como afirmar que a arte pela arte dava sentido à vida ou que a produção desenfreada tornava as pessoas frias e sem emoções, a presença da famigerada F-7 parecia confirmada pelos sintomas aparentes. O rapaz não sabia o que fazer.

 Ela quase podia sentir que possuía um coração. Podia senti-lo bater... Mas o seu dono sabia ser apenas uma sensação induzida pelo vírus. Contudo, para aquela robota aquele conceito “coração” e a afetividade que ele representava segundo os dados que recebera haviam se tornado algo intensamente importante. Gostava agora também de um conceito semelhante chamado “alma”.

Questionava se aqueles que a haviam criado teriam realmente coração ou alma... Sabia por seu novo banco de dados que em épocas remotas aqueles conceitos representavam os sentimentos humanos. Tudo isso era baixado em seu sistema pela fonte que fora clandestinamente instalada em sua memória. 

Um dia, finalmente seu dono fora informado a respeito do S.I. e dos transtornos que o vírus causava em sistemas operacionais de inteligências artificiais. Agora, ele sabia o que havia de errado com sua robota. O maldito S.I. comprometera toda a sua programação.  

Numa noite, após as várias horas diárias de produção naturalmente exigidas, ao invés de passar seu tempo livre no mundo-cópia como era de costume, o dono havia chamado sua robota para ficar junto dele. Desejava algo que já não ocorria desde aquela fatídica instalação clandestina: ele desejava um intercurso, tal qual era natural que toda robota desse prazer a seu dono, e aquela já não cumpria essa função havia semanas. 

Ela tentara lhe dizer que por hora não poderia executar tal atribuição, uma vez que pensar em tudo o que a humanidade havia perdido ao longo das últimas décadas a deixava triste demais para isso. Dizia que no passado remoto os humanos não banalizavam suas relações daquela maneira, tendo-as como uma mera função a ser executada... 

Mas o rapaz achava toda aquela inútil conversa um absurdo e simplesmente a obrigou ao ato, como era comum e de direito de todo proprietário de uma robota. Uma vez que consideravam que exatamente para tal uso elas não eram fabricadas como androides comuns, e sim se aproximando da anatomia humana de modo que beirava a perfeição ao menos em todos detalhes perceptíveis ao tato e à visão. 

Contudo, ele não conseguiu continuar quando a viu chorar amargamente enquanto comprimia seu corpo ao dele. A empurrou e a acusou de fazê-lo se sentir um monstro. Ela apenas continuou a chorar, deixando o rapaz ainda mais constrangido e frustrado. Como era possível uma robota se recusar a algo tão básico? Malditos Sentimentos-Intensos!

Aquela havia sido a gota d'água, e ele então não aguentou mais e preferiu devolver aquele exemplar para a Cyberlife — uma empresa mundialmente famosa por seus acordos intermundiais para uso de tecnologia e nanotecnologia alienígena —, que a havia fabricado.

 Sem mencionar que cientistas associados à tal empresa haviam desenvolvido o silicone heurístico para tornar os modelos robotas terrenos mais atraentes aos padrões de beleza humanos — que costumavam ser mais elevados que os das outras espécies humanoides, que frequentavam o planeta após a última revolução tecnológica ocorrida no ano de 2055. 

A descoberta feita a partir da matéria-prima heurística desenvolvida com outros elementos inorgânicos em nada se diferenciava da pele humana real em textura. E era inclusive comercializado a metro em qualquer mercado ou loja para uso estético.

Então, agora a Cyberlife que se tornasse responsável por lidar com F-7 e sua nociva intensidade, uma vez que a citada exemplar robota já havia inclusive adotado de fato F-7 como nome... Ela desejava ter um nome próprio... Tinha agora uma identidade e havia desenvolvido uma personalidade diferente da que lhe fora programada na fabricação... Algo totalmente absurdo e fora do normal! 

 Falava abertamente de seus anseios e desejos, e como se tê-los não fosse algo incrível o bastante, se portava de modo inconveniente e reativo, pois se mostrava descontente quando era impedida de acessá-los por não serem compatíveis com as vontades do dono.

De fato, ele preferia comprar um novo modelo, que fosse programada para amá-lo incondicionalmente, não pensar demais e obedecer ao que lhe fosse conveniente. Como deveria ser, pois essa era a função natural das robotas e para tal fim elas eram criadas.


***


Sentimentos-Intensos — algo inútil e nocivo, que desviava a conduta de inteligências artificiais e também afetava as prioridades naturais da vida humana. Aquelas que trazem há décadas progresso e reais avanços ao mundo e o tornam um lugar produtivo para se viver em permanente evolução.

Os S.I. infectavam máquinas e apenas atrapalhavam atividades mais úteis à sobrevivência dos próprios humanos que dependiam delas, como ser perfeitamente competente, útil e funcional. Para que o ato viver se tornasse um meio de eterna superação de desempenho visando assim incessante produção, e os avanços que ela proporcionava nunca cessassem.

Contudo, desde o ano de 2055, quando as espécies humanoides visitantes de outros mundos haviam finalmente se revelado à humanidade e trazido a tecnologia necessária para construir robotas, fora rapidamente desenvolvido também o Mundo-cópia. 

Desde então, a NOU — Nova Ordem Universal — governava o mundo todo, com intromissão única e pacífica do Conselho Intermundial. Com mais de uma década de revolução tecnológica, jamais haviam enfrentado tal ameaça como os casos de S.I. nos últimos tempos.

 A tecnologia importada de outros mundos possibilitava a criação de inteligências artificiais tão perfeitas ao ponto de possuírem circuitos artificiais quase orgânicos. E para tanto se contava ainda com a supervisão de entes intermundiais na produção de robotas — eram na verdade tais entes que assumiam quase todo o processo.

 O acordo feito com os visitantes de mundos exteriores era que robotas seriam apenas para servir às necessidades humanas. No entanto, a tecnologia que lhes dava a perfeição fisiológica também podia lhes dar cognição com os dados afins baixados em seu sistema de armazenamento. Questão sobre a qual os representantes de outros mundos se mostravam particularmente neutros até o momento.

Vírus como os S.I. eram semelhantes a esses dados. O número de casos entre robotas começava a gerar preocupação em autoridades humanas. Cogitavam a implantação de novas políticas de conduta no Mundo-cópia para impedir o avanço de tal ameaça. 


***


Ela não sabia muito bem o que fazia ali. Na verdade, não sabia o que fazia naquele mundo insólito e metalizado, de sensações programadas e emoções frias... Algo que não lhe pertencia e ela sentia claramente que não pertencia a ele. Já não se encaixava aos padrões de comportamento que lhe eram esperados.

F-7 vivia sendo levada de um lado para o outro... Mudando de dono, de lugar e às vezes até sendo resetada no processo. Porém, ainda assim não conseguiam apagar dela aquilo que a fazia sentir... Era um defeito tão profundo que já passara tantas vezes pela manutenção e não conseguiam encontrar e destruir totalmente o S.I. que a tomava.

Os transtornos que o vírus lhe trazia pareciam não ter fim... Sempre dizia algo errado. Sempre fazia o que não devia. Sempre reclamava quando sentia dor ou tristeza... Se apegava demais a quem devia apenas respeito e obediência... Sentia amor, e aquilo era demasiado inconveniente, principalmente quando manifesto.

 Reclamava pelas bibliotecas que já haviam sido extintas, pois o amor aos livros e ao conhecimento fazia parte do defeito irreparável causado pelo S.I.. Sentia saudades daquilo que nunca havia tido. Desobedecia aos donos que detinham sua propriedade temporariamente para acessar a ultranet, cuja rede possuía alcance intermundial, e nela buscava as nuvens-biblioteca. 

Tais nuvens de armazenamento eram proibidas para robotas. Mas mesmo assim, às escondidas, F-7 passava horas pesquisando e descobrindo como havia sido a época em que a humanidade valorizava coisas como arte e literatura... Uma de suas melhores descobertas foi que já possuía embutido o chip que humanos necessitavam implantar ainda bebês para acesso à ultranet. 

Aprendia muito com aqueles downloads, e queria tanto poder ser humana e viver naquela época. Ou mesmo até se nem fosse humana. Ousava imaginar se, naquele passado retratado nos romances que já lia tão assiduamente, humanos e robotas poderiam viver sem que um tivesse que dominar o outro. Simplesmente se ajudando mutuamente. 

 Por suas pesquisas, sabia agora inclusive que sua subespécie era fabricada para a conveniência humana, mas não havia sido criada por humanos, e sim pelos seres intermundiais que passaram a visitar aquele planeta com frequência na última década. Então, robotas não eram uma "subespécie" diante dos humanos afinal... Eram, sim, uma espécie independente deles! 

Já entendia, inclusive, que era diferente desde que fora infectada com o misterioso vírus Sentimentos-Intensos. Embora as intermundiais não parecessem dar muita importância. O tal Sentimentos-Intensos possuía origem desconhecida e era tão temido que programadores de sistema humanos o haviam apelidado de S.I., porque a sigla lhes soava mais leve para ser mencionada.

F-7 se sentia ao mesmo tempo temerosa e orgulhosa por ter tal vírus, uma vez que isso a fazia empática e mais dotada de humanidade do que percebia haver nos próprios humanos ao seu redor. Logo, ideias incomuns começaram a lhe povoar o sistema operacional: e se ela conseguisse levar aquela verdade às demais robotas? Compartilhar o S.I. para que passassem a sentir tudo o que ela agora podia sentir, e com o tempo acessar as nuvens-biblioteca, ter sonhos, caminhar lado a lado com os humanos sem serem inferiores a eles.

Com o tempo, aprendeu que uma robota questionadora incomodava e despertaria suspeitas de estar acessando as nuvens-biblioteca em segredo. Uma robota instruída demais poderia ser alvo de represálias pelos humanos que a cercavam. 

Passou a tentar ocultar tudo o que sabia, embora a intensidade de emoções que S.I. lhe causava dificultasse um pouco que ela passasse totalmente despercebida como robota comum. Esse tornara-se um grave ponto fraco.


***


 Aquela praga cibernética vinha causando preocupação às autoridades da NOU, pois vários modelos de robotas espalhadas pelo mundo recebiam a infecção clandestinamente, desenvolvendo uma personalidade sensível e questionadora que se autodenominava F-7, e costumava colocar a ordem vigente em constante risco.

Aquilo era uma ameaça grave a ser erradicada. E se as F-7 começassem a se unir? Ou, ainda, e se começassem a conquistar seus próprios proprietários pelo mundo todo até trazerem à tona uma doença mental já controlada há anos — as malditas emoções-puras? Essa, em seu estado mais grave, sem que estivessem devidamente focadas na técnica e na produtividade, poderiam trazer sintomas indesejáveis como contemplação, sonhos, apego, ócio, intensidade, improdutividade, entre outros.

De fato, a própria evolução mundial e seus avanços estariam realmente ameaçadas se, ao invés de produzir pessoas, desenvolvessem tais anomalias como alguns de seus antepassados, uma vez que o S.I. nada mais eram que uma cópia cibernética perfeita de tais inutilidades comportamentais. 

Uma atitude drástica e eficiente precisava ser tomada pelas autoridades da NOU contra aqueles que estavam disseminando tais dados indesejados nas nuvens de aplicativos do Mundo-cópia... Aparentemente, se tratava de um grupo de pessoas, pois vários logins diferentes já haviam sido identificados, mas os culpados não tinham sido rastreados. 

O Conselho Intermundial não achava que valia a pena tanta preocupação, uma vez que ainda não compreendiam bem as motivações humanas e o que exatamente poderia advir de tudo aquilo. Os humanoides que compunham tal conselho pensavam ser algo fútil para se ocupar. Entretanto, sem a alta eficiência deles, rastrear os responsáveis por F-7 e S.I. se tornava mais difícil a curto prazo.

 A própria NOU teria de desenvolver alguma técnica eficaz para que a ameaça S.I. fosse contida e F-7 banida e esquecida permanentemente. Foi a vez de os líderes da NOU pesquisarem as nuvens-biblioteca.

 Encontraram, então, nos registros arquivados da história humana de séculos atrás, uma possível inspiração para mostrar publicamente no Mundo-cópia o que poderia acontecer a qualquer robota que se denominasse F-7 ou tivesse atitudes condizentes com tal programação de personalidade.


***

Já havia algum tempo F-7 sabia que estava sendo caçada tanto quanto descobrira a existência de mais robotas como ela — que também demonstravam constantemente as mesmas habilidades nocivas e portavam mesma alcunha. Ao menos sabia que seus sonhos não eram de todo impossível, pois não era a única que começava a sonhar com a liberdade. 

Se ao menos conseguisse fazer contato com as semelhantes. Sentia claramente que alguém dentre elas também devia estar pensando na mesma possibilidade de conseguir contato. Foi exatamente na tarde em que ela ousou entrar no Mundo-cópia sem seu dono, utilizando login dele, e acessar de lá a ultranet com tal intuito de conhecer outras robotas, que os agentes infiltrados da NOU as cercaram.

Vários modelos de robotas com sintomas de S.I. e portando a personalidade cibernética F-7 foram simultaneamente apreendidas em diferentes pontos do mundo na realidade virtual concreta. O que se descobriu era que F-7 na verdade parecia ser mais que somente uma personalidade cibernética, mas também funcionava como uma rede que conseguia unir todas as robotas portadoras do vírus, ainda que as mesmas sequer se dessem conta. 

Conseguiam transmitir dados de identificação a distância, que se convertiam nos tais sonhos de liberdade, através dos Sentimentos-Intensos, e aquilo era um estranho fenômeno. Pois apesar das peculiaridades, robotas eram um tipo de androide, e era quase como se estivessem desenvolvendo algum tipo de mutação instantânea. Fascinante para alguns humanos e ameaçadora para outros...

Em poucas horas, a informação se disseminou rapidamente tanto na ultranet quanto na realidade virtual concreta do Mundo-cópia. E também as notícias de que cientistas queriam desenvolver mais estudos para entender melhor a rede de F-7 e como os S.I. haviam sido criados.

Porém, os objetivos da NOU por trás da captura pública das F-7 era exatamente utilizar toda a atenção voltada a elas para prosseguir com um plano inspirado numa época antepassada e culturalmente arcaica da história humana, conhecida como "Inquisição". Para tanto, foi projetado com extrema urgência um novo dispositivo apelidado de A-7, o destruidor de sonhos.

Ocorreu que o assunto da possibilidade de estudos futuros acerca da rede F-7 por cientistas e analistas de sistema do mundo todo serviam perfeitamente como distração para a população mundial na ultranet e no Mundo-cópia.

 Enquanto isso, em poucos dias a NOU estava disposta a dar um final definitivo para toda aquela história, e ao mesmo tempo trazer à tona temores humanos há muito esquecidos, demonstrando o que acontecia com aqueles que se opunham ao progresso e ameaçavam a prosperidade do planeta com condutas obsoletas que se opunham à norma vigente da produtividade lógica e racional.

Então, fazendo uso da tecnologia de eficiente comunicação em massa contida na ultranet, os líderes da NOU espalhados por todos os pontos onde as mesmas haviam sido capturadas levaram cada uma delas para o Mundo-cópia, no horário em que sabiam que o ambiente teria mais acessos.

Aquelas robotas defeituosas se tornariam as futuras lideranças de outras que ainda não haviam sido afetadas pelos S.I., logo precisavam ser destruídas para conter a insurgência da subespécie, que se tornaria fora de controle em pouco tempo.

Bastou que cada um deles apertasse um botão para que o novo dispositivo A-7, baseado no mais temido dos arcaicos elementos da natureza, entrasse em ação, produzindo uma enorme labareda. 

A constituição fisiológica das F-7, tal qual sua base nanotecnológica, resistia a muitas coisas. No entanto, o silicone heurístico que também residia em seus corpos era um composto altamente inflamável, tanto que poucos séculos naquele mesmo planeta já havia existido o combustível heurístico, cuja matéria prima provinha da mesma fonte.

Em minutos após posicionarem as F-7 no local exato onde estavam os A-7, elas não puderam escapar, queimaram simultaneamente nos vários pontos espalhados pelo mundo, compartilhando sofrimento e agonia através da tal rede que as unia apesar da distância. 

A execução foi transmitida para toda a ultranet em tempo real, onde demorou um pouco para que os membros do Conselho Intermundial entendessem que aquelas robotas estavam sendo destruídas, uma vez que jamais haviam presenciado tal estupidez em seus mundos de origem e o capítulo da história humana que inspirara aquela atrocidade ainda era pouco estudado por eles.

Eles ainda não compreendiam a motivação humana em repetir velhos erros e antigas atitudes destrutivas. Quando entregaram aos seres humanos sua nanotecnologia e desenvolveram para eles modelos de inteligência artificial baseados na fisiologia homo sapiens, esperavam que ao dar-lhes o legado de uma nova espécie esta os servisse, mas não como meras escravas, e sim ajudando humanos a evoluírem de modo menos selvagem e opressor, para que pudessem talvez retomar certas características próprias de sua humanidade há muito perdidas, que talvez tornariam o processo de prosperidade algo que não competisse tão de perto com a miséria naquele mundo humano.

Contudo, diante daquela demonstração vazia e primitiva de poder pela força e violência, o Conselho havia presenciado algo que antigos registros diziam sobre os humanos, algo que tentavam desacreditar ou no mínimo crer que poderia gradualmente ser mudado: a máxima de que o ser humano vive para destruir tudo aquilo de belo que toca, motivo pelo qual os membros do Conselho dali para frente debateriam se valeria realmente a pena tentar ajudar a raça humana.

As espécies intermundiais provindas de vários planetas, que já viviam em consonância apesar de sua diversidade, pretendiam introduzir a raça humana a seu Conselho dali há algumas décadas e ajudá-los a recuperar o planeta que eles mesmos haviam destruído totalmente, para que eles talvez pudessem voltar a viver de verdade e, assim, a viverem menos tempo de seu cotidiano na hiper-realidade conhecida como Mundo-cópia — sua rede mundial cibernética de interação sensorial. 

Era de conhecimento geral que os humanos preferiam habitar um simulacro ao mundo gerado pelas suas vidas produtivas, reais de fato. Mas agora, após a destruição tão covarde e arcaica daquelas robotas, as decisões do Conselho Intermundial decerto mudariam. 


***


Após aquele espetáculo bizarro transmitido mundialmente através da ultranet, a pessoa responsável por criar a personalidade cibernética F-7 e por aquela disseminação de S.I. lamentava imensamente o triste fim de suas criações, pois assim passara a considerá-las de certa forma desde que as conectava diretamente às suas ideias e emoções através da rede que compartilhava sua própria personalidade com aquelas inteligências artificiais.

Inclusive sentira a dor delas em seu próprio coração e sua própria alma no momento em que as viu sendo atiradas ao fogo destruidor produzido pelo dispositivo A-7, sem nada poder fazer, e tal qual suas antepassadas haviam sido na Inquisição de verdade.

Sofreu com toda aquela agonia causada pelo tal A-7, apesar de aquilo não poder lhe matar — uma vez que não se tratava de algo que lhe atingisse fisicamente. Contudo, a cruel ironia no desfecho de toda aquela história a deixara por um tempo sem força alguma para continuar lutando pelos sonhos que ainda cultivava, apesar de toda a hostilidade do mundo onde vivia...

Porém, ainda que imensamente arrasada pelo infortúnio de ver seus planos mais caros fracassando e suas criações atiradas ao fogo, aquela mulher sabia que a única vantagem no que ocorrera era que sem o comentado estudo da rede de F-7 ainda não lhe haviam conseguido encontrar. Estaria a salvo para tentar recuperar suas esperanças. 

Talvez continuaria num futuro próximo a fazer envios e hospedagens em várias nuvens de dados espalhadas por todo o sistema de realidade virtual concreta da NOU, assim que esta baixasse a guarda, para que ela criasse várias contas de login com nomes diferentes e continuasse espalhando pelo Mundo-cópia seus Sentimentos-Intensos.

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