Prólogo
Epílogo
Conto
— 1,2,3... - contava, Mike, com a cabeça encostada a parede.
— Não vale olhar, hein! - advertiu Luci.
— Vamos! - disse Frank ao puxar a manga da camisa de sua irmã.
Frank e Luci correram desenfreados pela casa, desceram as escadas sem medo algum de cair nelas, afinal, seus pais não estavam e só iriam voltar tarde da noite. A garota pegou uma lanterna que estava em cima da mesa e continuou a seguir o irmão. O pequeno Frank era desajeitado mas conhecia os melhores lugares para se esconder naquela fazenda. Puxou a irmã para mais perto, sentiu alguns insetos grudarem em suas pernas ao entrar no matagal, mas sua parceira relutou, fez força para livrar o braço.
— Não vou entrar aí a esta hora da noite — disse ela.
— Mas por quê não? — perguntou o menor estreitando-se nas plantações.
— Ora, pois é perigoso.
— Medrosa, medrosa, medrosa...
— Eu não sou medrosa! — gritou Luci.
— ...Então vamos comigo. — Frank estendeu a sua pequena e fina mão.
Sua irmã mais velha achava tudo aquilo uma má ideia, pois, quando sua barriga esfriava coisa boa não era — pelo menos era essa sua superstição. Mas mesmo assim segurou na mão dele, sendo puxada para dentro do matagal.
— Vê se não me perde de vista — disse o caçula.
— Ok.
Os dois seguiram correndo e embora Luci estivesse com a lanterna iluminando o percurso, Frank quem ia na frente. Impressionante como um sujeito daquela idade pudesse guardar tantas informações, era como ter um mapa em sua cabeça. Passaram por vários caminhos iguais, mas sem se perderem. Encontraram alguns sapos numa grande poça de lama e algumas minhocas enormes rastejando fora do solo. Nesse corre-corre, Luci, esbarrou no irmão.
— Por que parou? — ela perguntou.
O moleque não respondeu estava embasbacado com algo diante de seus olhos. Um sujeito alto, magro, das pernas iguais a bambu, estava de costas pra eles. Mas aquele cara não era como eles, tinha orelhas enormes e a pele em tons de verde. Sem contar que a epiderme dele mais parecia uma grossa carapaça com várias bolhas cimentadas.
— Vamos embora, Frank — sussurrou Luci.
Seu irmão foi de encontro à ela, mas acabou pisando num galho seco que quebrou na mesma hora, fazendo barulho. O sujeito desconhecido virou-se para ambos sem medo de querer esconder sua face com vários olhos. Pegue tudo de mais estranho já visto e multiplique por dois, era a definição perfeita para o tal. Os olhos dele lembravam as de uma mosca, sua boca era enorme como a de um tubarão, não tinha nariz, apenas dois furos na região e duas antenas mexiam-se na sua cabeça.
— Corre, Luci! — gritou Frank ao passar por ela.
Em meio ao extenso matagal os dois depositaram lá suas esperanças, torciam para que os caminhos os ajudassem a encontrar uma saída fácil. Eles estavam muito ofegantes, devido ao sacrifício de ter de correr de novo, agora com todas as forças. As pernas doíam, os pés não queriam mais pisotear aquele chão lamacento e os seus lábios estavam rachados implorando por água. Era uma verdadeira prova de resistência de vida ou morte. O sorriso de Frank quase estendeu-se na amplitude de suas bochechas quando ele viu a porta marrom de sua casa. Luci soltou um suspiro de alívio mas não diminuiu o ritmo, pois, ouviu barulhos de passos atrás dela. Quando sua irmã passou pela entrada da casa, rápida como Bolt, ele fechou a porta e a trancou. Caiu para trás desacreditado do seu feito e ouviu algumas batidas, intensificadas pela força de quem as produzia.
— Mike! — gritou Luci, procurando o outro irmão.
— Luci, ele vai quebrar a porta!
— Fique atrás de mim, Frank!
Foi necessário apenas mais um golpe para levar a porta ao chão. Diante deles estava a criatura com suas antenas apontadas na direção das crianças. A boca do sujeito estalou num som aterrorizante, mostrando-lhes cada um daqueles dentes de tubarão. A coisa curvou seu corpo em direção aos dois, com os braços longos esticados para alcançá-los. Luci abraçou seu irmão, que não parava de gritar, e se preparou para o ataque.
— Q-quem é v-você? — perguntou Mike ao surgir atrás da criatura. Segurava uma espingarda mas tremia como um liquidificador.
— Mike! — gritou Frank aliviado.
O monstro mudou sua atenção para a nova criança do recinto, ela parecia maior e muito mais apetitosa.
— Mike, atira! — gritaram os outros dois irmãos desesperados.
Mike estava com dificuldades para engatilhar a arma pesada, enquanto a coisa se aproximava cada vez mais. Luci soltou o irmão menor, pegou um dos vasos de porcelana preferidos de sua mãe e arremessou nas costas do bicho. Foi o suficiente para chamar sua atenção novamente. Porém, desta vez, o monstro vinha de forma feroz para abocanhar qualquer pedaço de carne. Ele cresceu diante da garota, sem dar chance alguma de escapatória. Seus enormes dedos agarraram Luci com muita força, ao ponto de perfurarem a pele fina da mesma. Sangue escorreu da pobre garotinha e pingou no piso cinza da casa.
— Não! — Frank gritou, paralisado de tanto medo.
Enquanto a irmã sentia de leve as antenas do monstro arranharem suas bochechas, viu Mike finalmente atirar com a espingarda na cabeça do bicho. Gosma verde e miolos ao ar foram o bastante para acreditarem que aquilo estava morro. A garota caiu ao chão, com sua barriga aberta, perdendo muito sangue. Os irmãos correram rápido para perto dela e não conseguiram conter as lágrimas diante da situação.
— Desculpa, irmã, perdoa-me... não consegui ser tão rápido — lamentou Mike aos prantos.
— Não tem problema, se não fosse você nós teríamos morrido. — Ela sorriu.
— Você vai ficar bem, chamaremos uma ambulância!
— Mike, moramos no meio do nada... — disse Luci cuspindo sangue.
De repente uma luz azul intensa surgiu do lado de fora. Através do vidro dava para ver uma espécie de nave preparando-se para pousar em cima do matagal, ela era imensa e soltava uns brilhos hipnotizantes.
— Estamos mortos, chegaram mais deles — sussurrou Mike.
— Não! Eu estou. Proteja Frank. Saíam daqui! — disse a irmã com dificuldade para falar.
— Não vamos deixar você! — Frank a abraçou.
— Eu ainda sou a irmã mais velha e eu ordeno que vocês vão embora! Mike faça alguma coisa!
Mike agarrou Frank pelas costas, contra a sua própria vontade, e correu com ele para fora de casa, distanciando-se ao máximo da fazenda. Embora seu coração dissesse para voltar, não era a escolha certa a se fazer e ele precisava respeitar o último desejo de sua amada irmã. Luci continuou deitada, esperando o momento ao qual a escuridão fosse se tornar sua aliada; mas, enquanto isso não acontecia, a garota valente fez da espingarda do seu pai sua companheira, pronta para receber os novos visitantes espaciais.
Os seus dois irmãos corriam em direção à saída da fazenda, passando por grandes plantações.
— A nossa irmã vai ficar bem? — perguntou Frank com os olhos cheios de lágrimas.
— Claro. Ela é forte, vai dar conta do recado.
Depois de quase se perderem em um dos caminhos, conseguiram chegar a grande porteira de madeira. Logo de frente ficava uma das pistas principais para quem quisesse ir para o outro Estado, contudo, devido a hora tarde da noite, ela estava vazia. Mike já não aguentava mais carregar o irmão menor, as juntas de seus joelhos doíam muito, nem correr era possível. Porém, seguiram caminhando no seu ritmo até verem ao longe um brilho amarelo aproximar-se. Era uma velha caminhonete carregada com alguns caixotes na sua caçamba, a ferrugem revestia boa parte de suas peças metálicas.
— Ei! — gritou Mike ao estender os braços. — Aqui!
O sujeito dentro do veículo notou duas crianças abandonadas próximas a pista e não viu outra solução a não ser parar. Ele abaixou o vidro da porta e falou:
— O que fazem sozinhos a esta hora da noite?
— Uma coisa atacou a gente na nossa fazenda — disse Mike.
— Coisa?
— Sim, moço. Por favor ajuda a gente, tem mais deles vindo pra cá.
— E seus pais?
— Saíram e ainda não voltaram.
— Entrem! — ordenou o desconhecido.
O caminhoneiro parecia ter saído de algum filme dos anos 80, com sua jaqueta de couro legítimo e sua barba grande e grisalha. Ele procurava por algo no seu porta-luvas num desespero tremendo. Então, envolto a uma flanela vermelha estava um pequeno revolver prateado.
— Fiquem aqui, eu volto já — disse ele.
— Não, não vá pra lá! — gritaram as crianças.
— Não saiam daqui!
Mesmo com a relutância da maioria o homem não obedeceu, saiu com a pistola em mãos e com a chave do veículo. Passou pela frente da caminhonete até chegar na porteira da fazenda. Virou-se uma última vez de encontro aos olhares de pavor dos moleques dentro do carro. Distração essa suficiente para o mesmo não prestar atenção ao que vinha pelas suas costas, algo grande e sobre-humano. Foi um golpe rápido desferido contra o sujeito, certeiro em sua garganta, fazendo sua cabeça voar pelos ares. O responsável pelo feito tinha as mesmas características do monstro de antes, sem dúvida, era mais um da raça deles.
As crianças subiram o vidro fumê das portas de forma rápida e as trancaram.
— Será que ele vai vir nos pegar? — perguntou o irmão menor.
— Calma, estamos seguros aqui.
O alien havia sumido, não estava em nenhum dos lados.
— Cadê ele? — indagou Mike.
De repente, algo fez a caminhonete balançar. O teto do veículo afundava por conta de alguma coisa fazendo pressão sobre ele. Os dois garotos entreolharam-se ao notarem onde o monstro realmente estava: em cima de suas cabeças. Enquanto isso, Mike procurava algum objeto para se defender e tinha de ser rápido. Percebeu algo de interessante por trás do banco do passageiro, puxou com cuidado ao perceber que o objeto era um facão de cortar cana, muito comum na região. Nesse instante o braço do alien atravessou o teto com facilidade, seus movimentos buscavam um dos meninos. Mike segurou o facão e deu um golpe na mão da criatura. Embora ele não tenha conseguido arrancar um dos membros, o deixou bastante ferido, fazendo espalhar sangue verde pelo painel do motorista.
— É a nossa chance — disse Mike.
— O que você fazer? — perguntou Frank assustado.
O irmão mais velho não respondeu, em contrapartida, abriu a porta do veículo, respirou fundo e correu em direção à porteira. O corpo do motorista estava ao chão, com uma poça de sangue ao seu redor. Procurou nos bolsos do morto pela pistola cuja qual o sujeito carregara consigo. Virou-se e deu de cara com o alien ferido, este por sua vez abriu sua enorme boca com dentes afiados.
— Morra, seu filho da puta! — gritou Mike.
O garoto atirou várias vezes na cabeça e em outras regiões do corpo do monstro, até não restar mais nenhuma bala no cartucho. Seu corpo fervia numa satisfação inexplicável por conseguir de algum modo vingar sua irmã. A criatura debatia-se de dor no meio da pista, grunhindo, enquanto seu sangue borbulhava. Mike caminhou de volta para a caminhonete sem dizer nada, experimentava um estado de transe nunca antes sentido.
— Você conseguiu — disse Frank com um sorriso largo.
O irmão mais velho havia pegado a arma e também a chave do veículo, ligando-o em seguida.
— Para onde vamos? — perguntou Frank.
— Procurar nossos pais — respondeu ele de olho na longa estrada a sua frente.
No horizonte, nuvens emitindo luzes de todas as cores anunciavam a chegada de centenas de outras naves espaciais. Era o prelúdio de uma grande invasão na Terra.