Sinopse
Estamos preparando e revisando este conto, em breve o publicaremos aqui. :DPáginas finais, o protagonista, preso, amargurava as últimas horas antes da execução.
Prólogo
Epílogo
Conto
Páginas finais, o protagonista, preso, amargurava as últimas horas antes da execução. Triste fim de Policarpo Quaresma, o livro que consumia vagarosamente, palavra por palavra, um velho sentado à janela do metrô.
O sistema de áudio anuncia a estação, fecha o exemplar marcando a página com o dedo calejado do ofício, carimbador de papéis. Espera findar o apito. É um leitor sensível. Qualquer barulhinho mais exaltado lhe usurpa do ato sagrado de ler, passatempo religiosamente cultivado no regresso do trabalho.
Volta os olhos para o livro, é suspenso por outro som que não o do alto-falante.
— Senhoras e senhores, desculpe atrapalhar a viagem! Trago as deliciosas balas...
Impossível continuar lendo sem visualizar Policarpo, ao invés do seu patriotismo exacerbado, defendendo qualidades duvidosas de balas de goma. Aguarda o término do pregão e reabre o livro junto com as portas que levam o ambulante.
Prega-se novamente nas letras.
Vaga o assento ao lado, um homem cheio de tamanho e manias inconvenientes o ocupa. Abre as pernas, o brucutu, o som do seu aparelho escandalosamente escapa dos fones, incomodando ouvidos alheios. Música gospel. Arrisca cantarolar, a voz diverge da sua estatura, zumbido de pernilongo com asa arriada. Espremido, oprimido, o velho espera novamente. Retira a boina, a mão passeia na careca, bufa pra ninguém.
O homenzarrão desembarca com sua música e tamanho. Restam ainda quatro estações.
Jovens de roupas largas entram em cena. Inspecionam o vagão, não há guardas, só uns poucos passageiros e o velho, na expectativa de cultuar suas preciosas linhas. Fecham as portas, um dos integrantes saca o som portátil, ameaça ligar para iniciar um número de dança.
O velho surta.
— Pode parar! — Atira a boina no chão. — Quero ler meu livro!
— E aí, tio? Não atravessa não.
— Não atravessa? Eu quero ser atravessado, por essas palavras, por esse homem amargurado, denunciador de tempos que, apesar de longínquos, ainda me ferem e atormentam com suas semelhanças e permanências.
— Endoidou.
— Enclausurado numa vida pífia, tenho as mãos marcadas por um trabalho medíocre, e no hiato entre esse suplício até a humilhação do lar me refugio aqui, aqui! — Bate no livro. — E sabe o que é pior? — Caminha pelo vagão encarando cada passageiro, busca respostas, olhos saltados. — Nesse refúgio encontro a mim mesmo e vejo, como que num espelho, a minha tragédia.
Principia a chorar. Um breve silêncio separa o seu soluçar de uma salva de palmas, gritos e assobios. Sua boina é alvejada de notas e moedas. Os adolescentes o reverenciam.
O metrô chega no fim da linha.