Sinopse
Estamos preparando e revisando este conto, em breve o publicaremos aqui. :DUm samurai, em busca da honra perdida de sua família, acaba por chegar ao vilarejo Sakura, onde mulheres estão sumindo misteriosamente.
Prólogo
Epílogo
Conto
Uma mulher corria aos prantos pela vila Sakura, sobre a leve chuva que caía naquela noite. Ela usava o mais deslumbrante kimono que se poderia comprar. Correu até a árvore de cerejeira que dava nome ao vilarejo, pegou uma flor de seus galhos e levou até um lago próximo.
Ela se sentou na beira do lago. Mesmo com a chuva, era possível ver perfeitamente o reflexo da lua cheia na superfície da água. A mulher colocou a flor no lago, em cima do reflexo da lua, pegou uma faca que estava escondido dentro de suas vestes e cortou a palma de sua mão direita, deixando o sangue escorrer em cima da flor no lago, tornando a água a sua volta vermelha.
A mulher ficou parada, apenas olhando o sangue se diluir na água. Seu rosto refletia na superfície, mas seu reflexo não mais a espelhava: tinha vida própria, se mexia, tentava falar, tentava sair da água. Uma densa neblina surgiu em cima do lago, foi quando o reflexo saiu da água. Tinha o mesmo rosto da mulher, o mesmo cabelo, mas seu formato era carnoso, quase líquido, quase água, mas similar com o corpo e as vestes da mulher.
Ficaram se encarando. A neblina envolveu as duas e a mulher sussurrou algo para seu reflexo, que junto com a neblina foi em direção ao vilarejo, deixando a mulher sentada na beira do lago. A mulher esperou, e depois de um curto tempo escutou gritos vindo ao longe. Sorriu, se levantou e foi em direção ao vilarejo.
Havia muita névoa na manhã daquele dia. O céu estava cinza, indicando mais chuva. O samurai seguia seu caminho, cavalgando em sua égua que galopava sobre uma trilha de terra, atravessando uma plantação de arroz para chegar nas residências de um vilarejo.
Muyashi Masatsu vestia uma armadura leve com seu elmo, carregava consigo um par de espadas (uma katana e um wakizashi), uma faca tanto, um arco e sua aljava cheia de flechas. Estava voltando de uma missão importante, que iria recuperar a honra perdida de sua família. A missão foi cumprida, mais fácil e rápido do que o esperado. Agora deveria voltar para casa, mas antes precisava pensar. Não compreendia se sua escolha foi a correta, não sabia se estava honrando ou destruindo o resto de honra que sobrara de sua família. Apenas sabia que precisava de tempo, por isso, decidiu tomar o caminho mais longo para a casa, para ter tempo de pensar. Em sua jornada, acabara de chegar no vilarejo de Sakura, onde escolheu parar, descansar e refletir.
Já estava perto das residências, quando viu numa das casas mais afastada pessoas correndo em desespero, algumas outras chorando e ouviu um grito. Por reflexo, Masatsu guiou a sua égua para correr o mais rápido possível em direção ao tumulto. A égua galopava com velocidade até chegar perto da multidão parada em frente de uma casa. O samurai parou a égua, pulou no chão, entrou no meio da multidão, e viu pela porta da casa aberta o que estava acontecendo.
Havia dois corpos estendido sobre uma poça de sangue.
Uma mulher chorava e gritava no chão, tinha encontrado o corpo de suas irmãs mortas. Havia um senhor de pé perto dela, olhando com tristeza para o nada. Ninguém mais ousou entrar dentro da casa.
Os camponeses perceberam a presença do samurai e abriram passagem para ele passar. Masatsu entrou na casa, andou em direção aos corpos, e quando os viu, entrou em choque. Os rostos das mulheres tinham sido arrancados. Parecia que algo os devorara. Apenas se via sangue, partes dos crânios e pedaços dos cérebros.
O Senhor, percebendo a presença do samurai, enxugou suas lágrimas em sua roupa e perguntou:
- Você é que veio para nos ajudar?
- Eu estou apenas de passagem, mas sirvo ao povo. Irei ajudar vocês no que for preciso.
- Primeiro temos que tirar os corpos.
Depois de levar a mulher que chorava para fora da casa, Masatsu e alguns outros homens ajudaram a remover os corpos para preparar o ritual funerário e limpar a casa.
Naquela noite, a chuva voltara a cair e Masatsu se hospedou em um pequeno dojo que havia no vilarejo, que estava servindo para abrigar algumas moradoras com medo dos ataques recentes. Era propriedade de Ren, o Senhor com quem o ele havia conversado na casa das vítimas. Sua égua ficou num dos estábulos perto dali.
Masatsu e Ren bebiam chá juntos numa sala em um dos quartos ao lado do dojo. O samurai ainda vestia sua armadura e o Senhor pode analisá-lo melhor. Ele era jovem, com traços delicados, femininos, e de semblante cansado.
- Você não precisa usar armadura aqui, na verdade, você nem precisa usar armadura. Ela parece ser bem bem pesada.
- É o costume de minha família. Proteção é bom, afinal há pessoas sendo mortas nesse vilarejo. Não se preocupe comigo, minha armadura é mais leve que as outras e, mesmo assim, me protege bem.
- O que você disse está correto, há pessoas sendo mortas. As mulheres estão tendo suas faces devoradas, os homens, apenas morreram pois estavam juntos destas mulheres. Parece que morreram afogados, mesmo sem ter água por perto. Achamos que possa ser um Yōkai.
- Quantas morreram?
- Oito mulheres, de idades diversas e dois homens jovens. Quatro homens estão desaparecidos e não sabemos se tem relação com os outros casos. A primeira vítima foi a Hinata, no dia de seu casamento. Hoje foram as irmãs Sayuri. Provavelmente foram atacadas a noite, elas não queriam deixar sua casa para se proteger aqui, os maridos delas desapareceram a algum tempo, não sabemos se tem ligação com os ataques.
Os dois tomaram goles de seus chá e ficaram em silêncio por um tempo. O Senhor refletiu e continuou a conversa:
- Masatsu, conheço o nome de sua família. Esse vilarejo é afastado, mas sempre me mantenho informado de que acontece no país, estamos numa situação interessante com tantos contatos com os estrangeiros de outros países. Tanto que, foi sua família que conspirou para a morte de um daimiô que era a favor dos estrangeiros.
- É uma informação incorreta. De fato houve essa conspiração que envolveu o nome de minha família, perdemos nossa honra quando fui acusado por isso e por traição, mas não conspirei, não trai. Eu descobri isso e eu mesmo acabei por resolver esse problema, matando todos os traidores – Masatsu tomou um longo gole de seu chá - Isso é recente, você irá ouvir em breve que a honra foi restaurada na família Masatsu.
Os dois ficaram em silêncio, e escutaram passos no chão de madeira se aproximando. Masatsu se virou e viu uma mulher com um kimono escuro segurando um guarda-chuva vindo em direção aos dois. Ela se aproximou, parou e disse:
- Todos os quartos estão prontos, estou me retirando para minha residência.
Ela abriu o guarda-chuva e atravessou o jardim do dojo, indo para a sua casa. Masatsu se levantou e perguntou a mulher:
- Espere! Você não ficará mais segura aqui?
Ela apenas virou seu rosto em direção ao samurai e respondeu:
- Não, ficarei mais segura sozinha. – ela foi embora.
O senhor tomou um gole de seu chá e disse:
- Essa é a Hana. Mulher estranha, as pessoas aqui dizem que ela é uma feiticeira, por isso prefere ficar sozinha. Os boatos começaram quando ela sumiu no casamento de sua irmã, Hinata, horas antes dela ser morta. Um tempo depois, Hana casou com quem seria o marido de sua irmã, mas ele foi embora do vilarejo algumas noites após o casamento sem dar explicações, mas isso não é importante, o que importa nesse momento é o Yōkai que assombra nossa vila.
- Sobre esse Yōkai, quando que ele ataca?
- Sempre a noite.
Os dois continuaram a tomar chá e conversar sobre os ataques. Algum tempo se passou e Masatsu foi dormir no quarto que foi reservado para ele, ao lado do quarto onde várias mulheres da vila estavam dormindo juntas, para se protegerem. Dois guardas ficaram do lado de fora para proteção. Pela madrugada eles iram trocar de turno com Masatsu, que ficaria acordado o resto da madrugada. O samurai entrou em seu quarto, despiu a armadura e deitou no futon. Dormiu rapidamente.
A chuva forte cessou naquela noite, e uma neblina preencheu todo o vilarejo. Masatsu dormia, mas algo fez o samurai acordar. Uma névoa fina estava dentro de seu quarto, e um som distante, bem baixo, de passos pelo piso de madeira. Masatsu abriu os olhos e não conseguiu se mexer, um calafrio tomou conta de seu corpo, era como se uma força sobrenatural caísse sobre si. Fazia esforço para conseguir se levantar, mas não conseguia, tentou pegar a sua katana que estava próximo de seu corpo, mas não conseguia esticar o braço. Apenas movia seus olhos e escutava aqueles passos cada vez mais perto, do lado de fora do quarto.
Os passos foram se aproximando, pareciam que estavam dentro do quarto. Masatsu olhava para todas as direções à procura de quem emitia o som e não encontrava nada, então fechou os olhos e se concentrou apenas em escutar. Os passos estavam próximos, mas não pareciam vir do chão, parecia estar no alto, estava vindo da parede. Os passos continuaram, parecia vir do teto, e o som parou.
Abriu os olhos, viu um vulto deforme no teto, escondido atrás de neblina. O vulto descia em sua direção, cabelos escuros e longos caíram sobre seu rosto. Masatsu em desespero, viu o rosto de uma mulher, com os olhos esbugalhados e lacrimejantes. Dois braços negros surgiram entre os cabelos da criatura e com suas mãos, tocaram em seu rosto. O toque era frio e úmido, parecia que as mãos eram feitas de água.
Ele lutava contra aquela força sobrenatural para conseguir alcançar a katana, mas seu braço quase não se movia. A criatura examinava seu rosto, lágrimas escorriam daqueles olhos assustados e caíram sobre a face do samurai.
Mais braços saíram da criatura e continuaram tocando seu corpo, e ela entendeu quem era o samurai. Deu um sorriso tenebroso, que quase rasgava seu rosto e, num som gutural, disse:
- Mulher!
A criatura abriu a boca, rasgando a carne, quebrado sua mandíbula, escorrendo sangue em cima de Masatsu. Dentes afiados surgiram e rostos femininos podiam ser visto no fundo do que seria sua garganta. Tirou as mãos do rosto de Masatsu para apertar a sua garganta. Estava pronta para devorar sua face.
Foi quando Masatsu alcançou a sua katana e venceu a paralisia.
A katana cortou o ar, junto com parte do rosto da criatura que o soltou. Aproveitando o momento, rolou para o lado, ficou de pé e olhou a criatura agonizando com as mãos em seu rosto. A neblina não deixava ver completamente, mas o ser parecia ter um corpo feminino e possuía vários braços.
A Yōkai caiu no chão, se debateu, tirou as mãos do rosto e uma outra face feminina mais jovem surgiu. Masatsu não perdeu tempo, golpeou a Yōkai, cortando a nova face feminina fora, que caiu no chão e se desfez em sangue. Acertou mais vezes, cortando a criatura. Sangue jorravam a cada corte.
Com um grito gutural, a criatura se jogou na parede, quebrando-a, e fugiu pela cidade, a neblina acompanhando seu trajeto. Masatsu, em um movimento rápido, colocou seu capacete e o peitoral de sua armadura, pegou seu arco e aljava com as flechas e saiu do quarto.
Os dois homens, que faziam a guarda naquele turno, estavam mortos no chão como se tivessem se afogado na água. Masatsu correu pela cidade a procura da Yōkai. Conseguiu encontrar seu rastro, vendo um pouco de sangue pelas ruas. Encontrou uma neblina mais densa e a seguiu, mantendo uma certa distância até chegar numa cerejeira, com seu tronco recurvado e galhos repletos de flores, que ficava próxima ao lago. A neblina o envolvia, mas estranhamente, era possível ver a cerejeira quase que perfeitamente. Ela parecia reluzir de forma mágica entre toda a névoa.
A neblina densa se conteve sobre o lago e se desfez. Masatsu se aproximou da cerejeira. Escutou sussurros, pareciam que vinham do lago e aproximou-se dele cautelosamente. Os sussurros ficaram mais altos quando Masatsu viu algo se mexendo na água.
Viu vários rostos flutuando na superfície, eram rostos femininos, todos surravam, alguns choravam, outros tinham os olhos esbugalhados, mas um deles veio em sua direção, olhou para Masatsu e sussurrou, se destacando entre todos os outros sussurros.
- Mulheres foram restritas a cuidar do lar, não podem serem samurais.
- E lagos não podem falar.
- Não sou o lago, sou Hinata, fui a primeira a ser devorada pela Yōkai que vive nesse lago.
- Estava aqui de passagem, mas sou uma guerreira, vou impedir essa Yōkai. Eu a feri, eu posso matá-la.
- Eu sei, eu vi, eu vivo nela quando sai do lago. Alguns homens já tentaram enfrentar essa Yōkai, nenhum deles conseguiu, foram afogados nesse lago por ela. Estão enterrados no fundo. Mas você a viu, você a feriu, talvez você consiga nos salvar. Você salvou a Naomi. Era o rosto que você cortou fora no quarto, ela se separou de nós. Salve-nos como você salvou ela.
Foi quando Masatsu conseguiu entender o que os outros rostos sussurravam: Eram pedidos de socorro para que matassem a Yōkai. Todos os rostos olhavam fixamente para ela.
Começou a chover, as gotas caíam forte no lago e os rostos começaram a desaparecer. Quase não se podia mais escutar os sussurros, mas o rosto de Hinata prosseguiu:
- Hana, ela que invocou o Yōkai, ela que causou esse problema.
- Já resolvi um problema que meu irmão causou, resolver um problema que sua irmã causou será fácil. Estou ficando especialista nisso.
A chuva ficou mais intensa e desfez todos os rostos na água.
Encharcada e cansada, Masatsu se protegeu da chuva embaixo da cerejeira, esperando a Yōkai sair do lago, mas nada aconteceu naquela noite. Amanheceu e parou de chover.
- Minha irmã teve o rosto devorado, o que mais você deseja saber? – Hana irritada perguntava a Masatsu.
- Qualquer informação que me ajude a enfrentar aquela Yōkai.
Masatsu abordou Hana enquanto ela andava pelas ruas. Analisava a mulher discretamente. Viu que ela tinha um corte na palma da mão direita e carregava algumas flores da cerejeira amarradas em seu cabelo.
- Deve ter algo a ver com a cerejeira, todos daqui sabem que ela é estranha.
- Por isso que você carrega algumas flor da árvore?
- Carrego por que gosto.
- O que causou esse corte na palma de sua mão?
- Não te importa.
Chegaram na frente da casa de Hana, que acelerou o passo e entrou em sua casa. Masatsu conversou com outros moradores, mas ninguém lhe deu uma informação relevante. Alguns diziam que tinha algo de diferente na cerejeira, outros falavam que era uma árvore mágica e outros que era tudo besteira. A samurai decidiu ir até a cerejeira.
Suas flores brilhavam com o reflexo das gotas de água. Masatsu se aproximou, examinou a árvore e teve uma ideia. A achou estúpida e a ignorou. Procurava por algo na árvore que não sabia o que era. Sua antiga ideia voltou à sua cabeça, refletindo se seria útil ou se era perda de tempo, decidiu que não tinha nada a perder. Pegou sua katana e cortou fora um galho baixo.
Um arrepio estranho tomou conta de seu corpo. Masatsu olhou para o galho caído no chão, o pegou, e teve certeza que sua ideia era estúpida. Voltou para o dojo para fazer uma flecha com o pedaço de madeira mais impróprio para flechaa que ela já tivera em suas mãos.
Era noite e Masatsu estava pronta. Vestia seu equipamento, sentada no pé da cerejeira. Uma neblina tomou conta do ambiente, ficando mais densa sobre o lago e vindo em sua direção, envolvendo-a. Masatsu se sentiu fraca, como se a paralisia estivesse voltando ao seu corpo. Levantou-se, tirou a katana da bainha e fez movimentos com todo seu corpo para aquela fraqueza passar.
O lago borbulhou e como numa correnteza, a água veio em sua direção.
Ela se segurou no tronco da árvore para não ser arrastada, resistiu, venceu a correnteza que se espalhou, deixando todo o chão repleto de água. Viu, na pouca água que sobrou no lago, a Yōkai camuflada na neblina. Ela era semelhante a Hana: o rosto idêntico, o corpo, uma forma estranha, mesmo sendo parecida com o de uma mulher. Então seu corpo se deformou, o rosto virou uma massa de carne, vários braços saíram de seu tronco, vários outros saindo de trás dos cabelos longos e sua face se tornou um dos rostos das mulheres devoradas.
A Yōkai abriu a boca, rasgando a carne de sua face. Era possível escutar os sussurros dos rostos vindo de dentro de sua boca. Correu e pulou em direção de Masatsu, que se desviou e, num giro, cortou a lateral do corpo e alguns dos braços fora, que caíram no chão e se desfizeram em poças de sangue. Com uma chicotada, a Yōkai usou um de seus braços para derrubar Masatsu no chão.
Sentindo dor com o impacto ao cair no chão, Masatsu sentiu as mão da criatura segurar com força seus pés, pernas e tronco. Viu o rosto deforme se aproximar, a boca da Yōkai estava aberta, rasgando mais a carne de sua face, pronta para lhe devorar o rosto. Foi possível escutá-la dizer:
- Seu rosto será meu, guerreira.
Antes que a Yōkai conseguisse segurar seus braços, Masatsu cortou o rosto da fera ao meio, que gritou de dor. Sangue vazava do corte. Masatsu sentiu a criatura mais fraca e, com sua espada, decepou todos os braços que a segurava no chão.
Se levantou, aplicou uma sequência de golpes no rosto da Yōkai, a cortando, jorrando sangue por todo o chão até conseguir cortar fora o seu rosto deformado, que caiu no chão, voltou a forma original do rosto da mulher devorada e se desfezendo em sangue. A Yōkai se contorceu de dor, sua cabeça se tornou uma massa de carne deforme.
Masatsu continuava a cortar a criatura, até ouvir o som da correnteza de água voltar. Olhou para o lado e viu toda a água do chão se tornar uma onda vindo em sua direção. Sem ter onde se apoiar, fincou a katana no chão e a segurou com força. Mas a correnteza foi mais forte e Masatsu foi levada junto com ela.
Nadava e lutava para não se afogar, sentia o peso de sua armadura a puxar para o fundo da água. A correnteza foi se espalhando a deixando no chão. Masatsu foi arrastada para perto das residências no vilarejo. Ouvia os gritos dos moradores ao serem despertos pelas águas que invadiram suas casas. Alguns saíram e viram o samurai em pé e, na sua frente, a Yōkai envolta de neblina. Estava maior, da altura de três casas, pois se fundira com a água. Era possível apenas ver seu vulto, como se fosse uma aranha com um tronco humano, mas cheias de patas que eram formadas por braços humanos. Masatsu conseguia ver sua cabeça e entre os longos cabelos, possuía todos os rostos das mulheres que foram devoradas.
Masatsu sacou o arco de suas costas. Havia perdido algumas flechas na água, sobrando-lhe algumas poucas. Ela pegou uma flecha, se preparou, mirou e atirou. A flecha voou em direção a criatura, acertando um dos rostos, e todos eles gritarem de dor com uma voz rouca e distorcida, acordando parte do vilarejo.
A Yōkai avançou em Masatsu.
A samurai apenas correu entre as casas. Devido a adrenalina, conseguia correr mais rápido que a Yōkai que, mesmo grande, não era rápida, mas que pisava com força no chão, nos telhados e nas paredes das casas, quebrando-as.
Perdeu o fôlego, corria mais devagar. Seria alcançada pela Yōkai. Foi quando viu os cavalos soltos na rua, fugindo das águas que atingiram as casas. Todos eles correram ao ver a criatura se aproximar, mas sua égua estava parada no meio da rua, esperando-a. A alcançou, montou nela mesmo sem a sela e juntas correram da Yōkai.
Masatsu tentava se equilibrar, preparou uma flecha, virou-se na direção da criatura e atirou. A flecha voou e atingiu o pescoço da Yōkai. Tentou preparar outra, mas não conseguiu equilíbrio.
Continuaram a cavalgar, tentando sair do vilarejo, mas já não sabiam em que parte dele estavam. A chuva começou a cair forte, a neblina densa em volta da Yōkai não se desfazia e as gotas de água se misturavam com seu corpo que ficava maior, com mais braços e mais rápida.
A Yōkai passava por cima das casas, sempre perseguindo a samurai. Esticou seu braço em direção a guerreira, para agarrá-la. Masatsu, puxou sua espada wakizashi num golpe perfeito, cortando fora o braço da criatura que caiu no chão, se desfazendo em água.
Samurai e égua viraram por uma das ruas, e a Yōkai para segui-las passou por cima de algumas casa, enfiando uma de suas patas dentro de uma delas. Os moradores lá de dentro gritaram, e a Yōkai ouviu um grito feminino. Com sua pata puxou uma mulher desesperada. Enquanto corria atrás da samurai, levou a mulher até próximo de sua cabeça, abriu sua boca e mordeu o rosto da mulher, devorando sua face.
Com ódio, Masatsu viu a cena, preparou outra flecha e atirou. Mesmo com a chuva, a flecha voou perfeitamente, atravessando a cabeça da Yōkai, que urrou, perdeu o equilíbrio e caiu. Quando seu corpo bateu no chão, se desfez, tornando-se água e criando uma correnteza forte, que arrastou égua e samurai, levando-as para perto da cerejeira.
As duas caíram no chão, se separando. Quase se afogaram, batiam seus corpos no chão, nas pedras, se machucavam. A samurai perdera sua espada wakizashi na correnteza, mas conseguiu segurar seu arco. Masatsu foi levada para o lago próximo da cerejeira, para o fundo dele. Sem soltar seu arco, nadou para a superfície, conseguindo ficar de pé. A água cobria até a sua cintura e viu a Yōkai na beira do lago, em sua forma quase humana, com sete rostos apertadas em sua cabeça, sussurravam incompreensivelmente. A boca do rosto do meio estava aberta, pronta para devorar a samurai. Entrou no lago, foi em sua direção, e mãos formadas de água saíram do lago e agarraram a samurai.
Masatsu tentava se soltar das mãos, mas não conseguia. Tentava fugir, mas não tinha para onde correr. Percebeu que lhe sobrara uma flecha, a sua pior flecha, a que tinha feito da cerejeira. Era apenas um graveto pouco curvado, com uma ponta afiada, mas de alguma forma, conseguiu ficar dentro da aljava.
Conseguiu soltar seus braços das mãos de água e pegou a flecha.
A Yōkai estava perto, podia escutar os sussurros de dor saindo dos rostos.
Preparou a flecha.
As mãos de água puxavam a samurai, a envolviam, tentavam arrastá-la para o fundo.
Mirou.
A boca aberta estava a poucos metros de si.
Atirou.
A flecha voou e por mais improvável que fosse, era como se a flecha cortasse a chuva e a neblina. Voou em direção a Yōkai, em direção a sua boca aberta, a perfurando dentro de sua garganta.
A Yōkai urrou, caiu, sangue jorrava de seus rostos tornando toda a água vermelha. E as mãos que seguravam Masatsu a puxaram para a parte mais funda do lago.
Sentia uma corrente de água a arrastar para o fundo, tentava nadar para a superfície mas o peso de sua armadura a puxava para baixo. Pelo desespero, pegou a sua faca tanto que ainda resistia em sua cintura e cortou as amarras que seguravam sua armadura, seu elmo e a aljava, já não tinha mais peso a puxando para baixo e conseguiu nadar para a superfície. Conseguiu colocar seu rosto para fora e respirou.
A Yōkai estava em sua frente, com a boca gigante aberta e sangue pingando de lá de dentro. Masatsu viu onde a flecha tinha acertado, em um rosto idêntico ao de Hana no fundo do que seria a garganta da Yōkai. A flecha encravada superficialmente em seu olho direito.
Masatsu foi rápida, enfiou as mãos dentro da boca da criatura, segurou a flecha de madeira da cerejeira e empurrou com força a enfiando mais fundo. A flecha atravessou o rosto, a Yōkai urrou e parou de se mexer. Uma força arremessou Masatsu para fora do lago, sendo jogada em sua beirada, na parte de terra.
A chuva cessou. A samurai se levantou, percebeu que a água do lago diminui e a neblina desapareceu. Sobre a luz da lua que surgiu entre as nuvens, Masatsu viu o corpo da Yōkai flutuar morta no lago, os espíritos das mulheres paradas em sua volta. Elas a agradeceram, e o espírito da Hinata sussurrou para ela:
- Hana.
O reflexo da lua brilhou forte sobre a água e os espíritos não podiam mais serem vistas, apenas o corpo deforme da criatura.
Masatsu, machucada e encharcada, pegou a sua katana que estava fincada no chão, tentou procurar sua égua, mas não a encontrou. Andou em direção ao vilarejo.
Chegou na residência de Hana, parou em sua frente e sentiu uma presença vindo de trás. Ela se virou apenas a tempo de ver a cabeça de Hana acertar seu peito, a empurrando contra a porta de madeira que quebrou com o impacto. Masatsu foi jogada no chão com os destroços da porta, sua katana caiu a dois metro de distância.
Se levantou e viu a cabeça de Hana flutuando na porta, com seus cabelos longos caídos até o chão, seu rosto se transformou em uma forma monstruosa semelhante a um demônio oni, de face vermelha, agressiva e com vários chifres. Flutuando, retrocedeu para fora da casa.
Masatsu se virou e viu o corpo de Hana sentada no meio da casa, seu pescoço estava esticado de uma forma sobrenatural, por vários metros por dentro da residência, flutuava, fazia curvas e saia para fora de uma janela da lateral da casa.
- Rokurokubi – Exclamou a samurai.
Pegou a sua katana no chão, enquanto a cabeça demoníaca de Hana retrocedeu pela janela e avançou gritando em direção a Masatsu. mordendo seu braço direito que segurava a espada. Escorria sangue por todo o chão. Masatsu tentava puxar a cabeça com seu outro braço, mas não conseguia, fraquejou e soltou a katana que caiu no chão de madeira.
Masatsu se jogou no chão, caindo com seu corpo sobre o pescoço de Hana, fazendo peso suficiente para a cabeça soltar a mordida. Com seu braço esquerdo, pegou a katana. Hana se contorceu e conseguiu sair de baixo de Masatsu.
O pescoço de Hana se esticou ainda mais, A cabeça rapidamente flutuou em torno de Masatsu ajoelhada no chão, a enrolando com seu pescoço. Enrolou seus dois braços rente ao seu corpo, deixando apenas o antebraço esquerdo com a katana para fora. Masatsu tentava cortar o pescoço com a katana, mas não tinha ângulo para cortar.
Hana deu mais voltas e envolveu todo o tronco da samurai, apenas suas pernas e sua cabeça estava para fora. Masatsu lutava e fazia força para se soltar, e Hana ria de forma demoníaca.
Não conseguia mais respirar.
O pescoço apertava com força seu corpo. Masatsu não conseguia mais raciocinar corretamente, foi quando ela lembrou do corpo de Hana no meio da casa. Com suas últimas energia, reuniu forças para saltar em direção ao corpo, com a katana estendida em sua direção.
Hana gritou de dor quando sentiu a espada atravessar seu ventre. Masatsu caiu no chão de madeira, sentiu o pescoço soltar seu corpo e conseguiu se desenrolar dele. Ficou de pé, tirou a espada do ventre da mulher, viu a cabeça demoníaca se contorcer de dor no chão e segurou a espada em posição de ataque. Hana em desespero avançou em direção a Masatsu, que num golpe, fez sua katana cortar o ar decepando a cabeça fora, que caiu no chão e rolou para fora da casa.
Masatsu saiu para fora da residência e viu o Ren e mais dois homens portando armas, eles olhavam com medo a cabeça demoníaca decepada. Eles olharam para Masatsu que disse:
- Sou Tomoe Masatsu, irmã mais nova de Muyashi Masatsu – ela apontou com a katana para a cabeça no chão – e essa rokurokubi tentou me matar.
Quando o dia se clareou, foi encontrado no lago, o corpo morto da Yōkai, com a flecha no rosto parecido com o de Hana. Tentaram tirar o corpo, mas ele se desfez em sangue. No fundo do lago encontraram as peças de armadura de Masatsu e os corpos de alguns homens que sumiram do vilarejo, identificados através de suas vestes.
Tomoe não sabia ao certo o que fazer, não poderia contar que ela era Muyashi Masatsu, não podia contar que estava disfarçada de seu irmão. Apenas disse que veio a sua procura, encontrou sua katana e foi atacada pela Rokurokubi.
Encontrou a sua égua. Ela sobreviveu com alguns machucados. Ficou hospedada no vilarejo, cuidaram de seus ferimentos enquanto procuravam pelo corpo de seu irmão. Nunca achariam, pois não foi no vilarejo que ela enterrou o corpo de seu irmão traidor que desonrou a família.
Alguns dias se passaram e Ren veio dar boas notícias a Tomoe. Mayashi Masatsu trouxe de volta a honra para sua família. Notícias de que ele provou sua inocência e derrotou os samurais traidores se espalhou, e no vilarejo todos comentavam sobre o samurai que honrou a família, lutou contra a Yōkai e se sacrificou para trazer a paz de volta ao vilarejo.
Ninguém citava a morte da rokurokubi por Tomoe.
Não sabia que sentimento sentia, não sabia se os seus ancestrais aprovaram o que fez para honrar a família. Salvou tantas pessoas, mas ninguém saberia. Tomoe apenas montou em sua égua, pegou suas espadas e partiu do vilarejo para voltar para casa e viver sua vida.