A Estrada de Ferro Celestial

Conheça detalhes além da obra e a interpretações que ela nos deixa.

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June 6, 2021
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Este conto, “A Estrada de Ferro Celestial”, no original “The Celestial Railroad”, escrito por Nathaniel Hawthorne (1804-1864) e publicado pela primeira vez no ano de 1843, faz uma referência direta à obra de John Bunyan (1628-1688), chamada “The Pilgrim’s Progress”, traduzido normalmente como “O Peregrino - A Viagem do Cristão à Cidade Celestial”, ou somente como “O Peregrino”, que é a alegoria cristã provavelmente mais conhecida de todos os tempos; assim como traz uma temática religiosa cristã, aludindo a fatos, personagens e lugares descritos na própria Bíblia.

Ao ler o conto de Hawthorne, podemos dizer que seu narrador, que nos transmite a história em primeira pessoa como se ela já se lhe houvesse passado há algum tempo indeterminado, seja um voraz leitor de John Bunyan, e que toda sua concepção de local de descanso final se baseia nas percepções deste outro, que da mesma forma adaptara sua narrativa inspirado na literatura sagrada.

O conto “A Estrada de Ferro Celestial”, já desde o princípio, deixa claro se tratar de uma obra de teor simbólico, tanto pelo nome dos lugares que o narrador descreve passar, quanto pelo própria tratativa dos demais personagens que com ele interagem. Logo se percebe que tudo foi planejado especificamente para que a metáfora por trás de cada elemento fosse devidamente notada e absorvida, o que não poderia ser feito se o conto fosse escrito de forma impelir-nos numa compreensão literal.

Assim como a obra “O Peregrino”, de Bunyan, este conto descreve o avanço de um indivíduo até a referida “Cidade Celestial”, ou mais simplesmente o Céu, e é justamente aí que reside a crítica religiosa e social, ou da religiosidade na sociedade, proposta pela história. A pessoa inclinada ao estudo teológico cristão diria que o caminho para o Paraíso é repleto de provações e tentações, e que para alcançar a redenção, seria necessário abdicar de todas nossas tendências pecaminosas e engendrar para a direção das virtudes; e eis que o conto apresenta uma construção férrea que promete evitar todos os pontos negativos no percurso ao Céu, e mais, oferecer aos seus passageiros pontos de parada onde poderiam manter-se perfeitamente entretidos, e assim gozar de uma maravilhosa viagem.

Com o avançar da história, nota-se que tanto a própria gestão de ferrovia quanto os pontos de parada possuem detalhes curiosos: os funcionários da estação são equivalentes a demônios, o gestor da linha do trem é o príncipe infernal Belzebu e o condutor da locomotiva é a criatura diabólica conhecida como Apólion (ou Abadon); e além disso, os lugares os quais o trem passa são somente locais sombrios e de seduções — como podem ser entendidos muitos locais popularmente frequentados na civilização moderna —, evitando-se sistematicamente todos os lugares em que a obra de Bunyan aponta como sendo benignos.

Em algum momento, o narrador, que tenciona chegar à Cidade Celestial, se vê convencido a adiar a ida ao seu destino, mas é então convencido a retomar seu trajeto após cruzar com dois peregrinos que vão à Cidade Celestial da forma conhecida como o “jeito antigo”, que seria de fato enfrentando a pé as dificuldades do caminho tortuoso. Estas duas figuras, que sofrem diversas zombariam pelos demais passageiros da locomotiva, o alertam a quanto a ilusão em que ele foi logrado, e assim impressionado, o narrador prossegue para a descoberta final, que também encerra o conto, e revela a razão do formato em pretérito de sua narração.

Ao concluir a leitura de uma obra breve, porém densa, como é o conto “A Estrada de Ferro Celestial”, não é incomum que o leitor veja-se refletindo acerca dos equivalentes de tais metáforas na vida real: em como a facilidade trazida pela modernidade muitas vezes nos convence que o rápido, imediato, é preferível ao correto; em como preocupa-se em tratar os sintomas, e deixa-se de lado as causas; e em como as aparências ganharam mais valor do que a essência. Este conto é uma perfeita analogia da nocividade em que estamos expostos no meio social da civilização moderna, da maneira como o “ter” passou a ser o objetivo superior do que o “ser”, que representa a inversão máxima dos valores cristãos, que desde sempre deixam claro que qualquer bem material, por mais rico ou desejado, ainda assim permanecerá no mundo físico e não será admitido no Reino dos Céus, e que o cristão que tenciona encontrar a paz eterna de Deus, deve se desapegar do que é tangível, atendo-se ao que é próprio de sua constituição, ou seja, exercitando suas virtudes e transmutando a energia negativa de seus “pecados” em manifestações de amor, que são é essência divina e unificadora do universo.

Nathaniel Hawthorne provavelmente pretendia, desta forma poética e artítica, além de fazer uma crítica social, dar uma advertência, ou enunciar um lembrete, ao bom cristão — o que na verdade pode se aplicar a qualquer pessoa comprometida com seu progresso espiritual e moral enquanto ser humano.

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